Testemunhar a corrupção na hierarquia da Igreja Católica tem sido para mim uma decisão dolorosa e ainda o é. Mas eu sou um homem já velho, que sabe que em breve terá que prestar contas ao justo Juiz por suas ações e omissões, que teme Aquele que tem o poder de jogar corpo e alma no inferno.
Juiz, que apesar de sua infinita misericórdia, “dará a cada um segundo os méritos, a recompensa ou o castigo eterno” (Ato de fé). Antecipando a terrível pergunta daquele Juiz: “Como você pôde, você que estava ciente da verdade, permanecer em silêncio no meio de tanta falsidade e depravação?” Que resposta eu poderia dar?
Eu falei tendo plena consciência de que o meu testemunho iria provocar alarme e consternação em muitas pessoas eminentes: eclesiásticos, irmãos no Episcopado, colegas com quem trabalhei e rezei. Eu sabia que muitos deles se sentiriam magoados e traídos. Eu sabia que alguns deles iriam me acusar e questionar minhas intenções. E, o mais doloroso de tudo, eu sabia que muitos fiéis inocentes ficariam confusos e perplexos com o espetáculo de um bispo que acusa seus irmãos e superiores de malfeitos, pecados sexuais e grave negligência no seu dever. No entanto, acredito que meu contínuo silêncio teria posto em perigo muitas almas e certamente teria condenado a minha própria. Apesar de ter reportado várias vezes aos meus superiores, e até mesmo ao Papa, sobre as ações aberrantes de McCarrick, eu poderia ter denunciado antes e publicamente as verdades das quais eu estava ciente. Se existe alguma responsabilidade da minha parte por esse atraso, eu me arrependo, pois foi devido à gravidade da decisão que eu estava prestes a tomar e ao longo conflito da minha consciência.
Eu fui acusado de ter criado com o meu testemunho confusão e divisão na Igreja. Esta afirmação só pode ter algum fundo de verdade para aqueles que acreditam que tal confusão e divisão eram irrelevantes antes de Agosto de 2018. Qualquer observador desapaixonado, no entanto, já teria sido capaz de ver bem a presença prolongada e significativa de ambos, algo inevitável quando o Sucessor de Pedro se recusa a exercer sua principal missão, que é confirmar seus irmãos na fé e na sólida doutrina moral. Quando, pois, com mensagens contraditórias ou declarações ambíguas, a crise é agravada, a confusão só piora.
Então, eu falei. Porque é a conspiração do silêncio que causou e continua a causar enormes danos à Igreja, a tantas almas inocentes, a jovens vocações sacerdotais ou aos fiéis em geral. No mérito dessa minha decisão é que tomei consciência diante de Deus, e aceito com toda boa vontade qualquer correção fraterna, conselho, recomendações e convite a progredir na minha vida de fé e de amor a Cristo, à Igreja e ao papa.
Permitam-me lembrá-los novamente dos principais pontos do meu testemunho.