MEDITAÇÃO PARA A QUARESMA
"Adorarás o Senhor teu Deus"
Este ano celebramos o oitavo centenário do encontro
de Francisco de Assis com o Sultão do Egito al-Kamil, em 1219. Recordo-o aqui
por um detalhe que diz respeito ao tema das nossas meditações sobre o Deus
vivo.
Depois de retornar de sua viagem ao Oriente em
1219, Francisco de Assis escreveu uma carta dirigida “Aos Regentes dos
povos". Nela dizia, entre outras coisas:
Sois obrigados a dar ao Senhor tanta honra entre o
povo que vos foi confiado, que todas as tardes se anuncie, através de um
pregoeiro ou qualquer outro sinal, a obrigação de se dar o louvor e a gratidão
ao onipotente Senhor Deus de todo o povo. E, se não fizerdes isto, sabei que
tereis de prestar contas a Deus perante vosso Senhor Jesus Cristo no dia do
juízo [1].
Acredita-se amplamente que o santo tenha inspirado
esta exortação no que tinha observado na sua viagem ao Oriente, onde ouviu o
apelo vespertino à oração feita pelos muezins de cima dos minaretes. Um belo
exemplo não só de diálogo entre as diferentes religiões, mas também de
enriquecimento mútuo. Uma missionária que trabalha há muitos anos num país
africano escreveu estas palavras: "Nós somos chamados a responder a uma
necessidade fundamental dos homens, à necessidade profunda de Deus, à sede de
Absoluto, a ensinar o caminho de Deus, a ensinar a rezar. É por isso que os
muçulmanos fazem, nestas regiões, muitos prosélitos: ensinam imediatamente e de
modo simples, a adorar a Deus".
Nós, cristãos, temos uma imagem diferente de Deus -
um Deus que é amor infinito antes mesmo que poder infinito -, mas isto não deve
fazer-nos esquecer o dever primário da adoração. À provocação da mulher
samaritana: "Os nossos pais adoraram neste monte; mas vós dizeis que é em
Jerusalém que devemos adorar", Jesus responde com palavras que são a magna
carta da adoração cristã:
“Mulher, acredita-me, vem a hora em que não
adorareis o Pai, nem neste monte nem em Jerusalém. Vós adorais o que não
conheceis, nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos judeus. Mas
vem a hora, e já chegou, em que os verdadeiros adoradores hão de adorar o Pai
em espírito e verdade, e são esses adoradores que o Pai deseja. Deus é
espírito, e os seus adoradores devem adorá-lo em espírito e verdade”. (Jo
4,21-24).
Foi o Novo Testamento que elevou a palavra adoração
a esta dignidade que não tinha antes. No Antigo Testamento, além de Deus, o
culto é também dirigido em alguns casos a um anjo (cf. Nm 22,31) ou ao rei (1
Sam 24,9); pelo contrário, no Novo Testamento toda vez que se tenta adorar
alguém que não seja Deus e a pessoa de Cristo, mesmo que seja um anjo, a reação
imediata é: "Não faça isso! É Deus que deve ser
adorado"[2]. É quase como se alguém estivesse correndo, caso
contrário, um perigo mortal. É o que Jesus, no deserto, recorda
peremptoriamente ao tentador que lhe pediu que o adorasse: "Está escrito:
O Senhor, teu Deus adorarás, só a ele darás culto" (Mt 4, 10).
A Igreja retomou este ensinamento, fazendo da
adoração o ato por excelência do culto de Latria, distinto da chamada dulia
reservada aos Santos e da chamada hiperdulia reservada à Virgem. A
adoração é, pois, o único ato religioso que não pode ser oferecido a mais
ninguém, em todo o universo, nem sequer a Nossa Senhora, mas apenas a Deus.
Aqui está a sua dignidade e força única.
A adoração (proskunesis) no início indicava
o gesto material de prostrar-se ao chão diante de alguém, como sinal de
reverência e submissão. Neste sentido plástico a palavra ainda é usada nos
Evangelhos e no Apocalipse. Neles a pessoa diante da qual se prostrar, na terra
é Jesus Cristo e na liturgia celestial o Cordeiro imolado ou o Onipotente. Só
no diálogo com a samaritana e em 1 Cor 14,25 é que aparece agora dissolvida do
seu significado exterior e indica uma disposição interior da alma para com
Deus. Este se tornará cada vez mais o sentido ordinário do termo e, neste
sentido, no credo, dizemos do Espírito Santo que "adorado e
glorificado" com o Pai e o Filho.
Para indicar a atitude externa correspondente à
adoração, prefere-se o gesto de dobrar os joelhos, a genuflexão. Este último
gesto também é reservado exclusivamente para a divindade. Podemos estar de
joelhos diante da imagem de Nossa Senhora, mas não fazemos genuflexão diante dela,
como fazemos diante do Santíssimo Sacramento ou do Crucifixo.
O que significa adorar
Mas, mais do que o significado e o desenvolvimento
do termo, estamos interessados em saber em que consiste e como podemos praticar
a adoração. A adoração pode ser preparada por uma longa reflexão, mas termina
com uma intuição e, como qualquer intuição, ela não dura muito tempo. É como um
clarão de luz na noite. Mas de uma luz especial: não tanto a luz da verdade,
mas a luz da realidade. É a percepção da grandeza, da majestade, da beleza e,
ao mesmo tempo, da bondade de Deus e da sua presença que tira o fôlego. É uma
espécie de naufrágio no oceano sem costas e sem fundo da majestade de Deus.
Adorar, segundo a expressão de Santa Ângela de Foligno mencionada no início, significa
"recolher-se em unidade e mergulhar no abismo infinito de Deus".
Uma expressão de adoração, mais eficaz que qualquer
palavra, é o silêncio. Na verdade, ele diz por si mesmo que a realidade está
muito além de qualquer palavra. Na Bíblia, a insinuação ressoa alto:
"Toda a terra está em silêncio diante dele! (Hab 2,20) e: "Silêncio
na presença do Senhor Deus!" (Sof 1, 7). Quando "os sentidos estão
envoltos em silêncio sem limites e as memórias envelhecem com a ajuda do
silêncio", disse um Padre do deserto, então tudo o que resta é adorar.
Foi um gesto de adoração o de Jó, quando, tendo
vindo ver face a face o Onipotente no final da sua história, exclama: "
"“Leviano como sou, que posso responder-te? Ponho a minha mão sobre a
boca." (Jó 40,4). Neste sentido, o versículo de um salmo, mais tarde
retomado pela liturgia, no texto hebraico, dizia: "Por ti o silêncio é
louvor", Tibi silentium laus! (cf. Sl 65,2, texto Massorético).
Adorar - segundo a estupenda expressão de São Gregório de Nazianzeno -
significa elevar a Deus um "hino de silêncio"[3]. À medida que o ar
se torna mais rarefeito ao se subir uma alta montanha, da mesma forma ao se
aproximar de Deus a palavra deve tornar-se mais curta, até que se torne, no
final, completamente silenciosa e se una em silêncio com aquele que é o
inefável[4].
Se precisamente se busca "parar" a mente
e impedi-la de vaguear sobre outros objetos, convém fazê-lo com a palavra mais
curta que existe: Amém, Sim. Adorar, de fato, é consentir. É deixar Deus
ser Deus. É dizer sim a Deus como Deus e a si mesmo como criaturas de
Deus. Neste sentido, Jesus é definido no Apocalipse como o Amém, o Sim que se
fez pessoa (cf. Ap 3,14), ou seja, repetir incessantemente com os Serafins:
"Qadosh, qadosh, qadosh: Santo! Santo! Santo!
A adoração requer, portanto, que nos curvemos e
fiquemos em silêncio. Mas será que tal ato é digno do homem? Não o
humilha, derrogando a sua dignidade? Na verdade, isso é realmente digno de
Deus? Que Deus é esse que precisa que as suas criaturas se inclinem à terra
diante dele e se calem? É, Deus, como um daqueles soberanos orientais que
inventaram a adoração para si próprios? É inútil negá-lo, a adoração implica
para as criaturas também um aspecto de humilhação radical, de se tornarem
pequenas, de se entregarem e de se submeterem. A adoração envolve sempre um
aspecto de sacrifício, uma imolação de algo. Precisamente assim ela atesta que
Deus é Deus e que nada nem ninguém tem direito de existir diante dele, senão na
sua graça. Com a adoração se imola e se sacrifica o próprio eu, a própria
glória, a própria autossuficiência. Mas esta é uma glória falsa e
inconsistente, e é uma libertação para o homem se livrar dela.
Adorando, a pessoa "liberta a verdade que era
prisioneira da injustiça". A pessoa torna-se "autêntica" no
sentido mais profundo da palavra. Na adoração já se antecipa o retorno de todas
as coisas a Deus. Há um abandono ao significado e ao fluxo do ser. Assim
como a água encontra a sua paz ao fluir em direção ao mar e o pássaro sua
alegria ao seguir o curso do vento, assim também o adorador ao adorar. Adorar a
Deus não é, portanto, tanto um dever, uma obrigação, mas um privilégio, uma
necessidade. O homem precisa de algo majestoso para amar e adorar! Foi feito
para isto.
Portanto, não é Deus que precisa ser adorado, mas o
homem que precisa adorar. Um prefácio da Missa diz: "Tu não precisas do
nosso louvor, mas por um dom do teu amor nos chamas a dar-te graças; os nossos
hinos de bênção não aumentam a tua grandeza, mas obtêm para nós a graça que nos
salva, por Cristo nosso Senhor"[5]. F. Nietzsche estava completamente fora
do caminho quando definiu o Deus da Bíblia como "aquele oriental
ganancioso por honras em seu assento celestial"[6].
A adoração deve, no entanto, ser livre. O que torna
a adoração digna de Deus e ao mesmo tempo digna do homem é a liberdade,
entendida não só negativamente como ausência de coação, mas também
positivamente como um alegre impulso, dom espontâneo da criatura que assim
exprime a sua alegria de não ser ele próprio Deus, para poder ter um Deus acima
de si para adorar, admirar, celebrar.