sábado, 7 de setembro de 2019

Bispos da Alemanha incentivam polêmica "assembleia sinodal"


Os bispos da Alemanha incentivam um programa polêmico com a criação de uma "assembleia sinodal" em cooperação com o Comitê Central de Católicos Alemães (ZdK, na sigla em alemão), uma organização que, em fevereiro deste ano, solicitou a mudança da moral sexual da igreja.

Essa decisão dos bispos ocorreu apesar da carta que o Papa Francisco escreveu em junho, dirigida ao povo de Deus na Alemanha, na qual solicitou que os católicos do país caminhem de mãos dadas com toda a Igreja.

Em março deste ano, o Cardeal Reinhard Marx, presidente do Episcopado alemão, anunciou o início de um "processo sinodal" para discutir alguns "temas essenciais" relacionados aos abusos sexuais na Igreja: celibato sacerdotal, ensinamentos da Igreja sobre moral sexual e redução do poder clerical.

Por esse motivo, em agosto e durante a assembleia dos bispos alemães, foi apresentado o esboço dos estatutos deste processo, no qual se propõe a formação de uma “assembleia sinodal” para revisar estes temas.

Fontes próximas à liderança católica alemã disseram à CNA – agência em inglês do Grupo ACI – que o processo sinodal já está em andamento com "certeza absoluta".

Papa Francisco nomeia três Presidentes Delegados do Sínodo sobre a Amazônia




O Papa Francisco nomeou os Presidentes Delegados da Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Região Pan-amazônica, a ser realizada no Vaticano de 6 a 27 de outubro, com o tema “Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral”.

Os presidentes delegados são o Cardeal Baltazar Enrique Porras Cardozo, Administrador Apostólico de Caracas e Arcebispo de Mérida (Venezuela); Cardeal Pedro Ricardo Barreto Jimeno, Arcebispo de Huancayo, Peru, e Vice-Presidente da Rede Eclesial Pan-amazônica (REPAM); e o Cardeal João Braz de Aviz, Prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica.

A nomeação dos três Presidentes Delegados foi divulgada neste sábado, 7 de setembro, através de um comunicado da Sala de Imprensa do Vaticano.

Verdadeiros pastores não devem ser “pretensiosos”, diz o Papa aos bispos em Madagascar


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO
 A MOÇAMBIQUE, MADAGASCAR E MAURÍCIO
(4 - 10 DE SETEMBRO DE 2019)

 ENCONTRO COM OS BISPOS DE MADAGASCAR
DISCURSO DO SANTO PADRE

Catedral de Andohalo, Antananarivo
Sábado, 7 de setembro de 2019

Amados irmãos no episcopado!

Obrigado, Senhor Cardeal, pelas suas palavras de boas-vindas em nome de todos os irmãos. Agradeço também por ter querido, com as mesmas palavras, mostrar como a missão que abraçamos se desenrola no meio de contradições: uma terra rica e tanta pobreza; uma cultura e uma sabedoria herdadas dos antepassados, que nos fazem valorizar a vida e a dignidade da pessoa humana, mas temos também de constatar a desigualdade e a corrupção. Nestas circunstâncias, é difícil a tarefa do pastor.

«Semeador de paz e de esperança» é o tema escolhido para esta visita, mas nele pode ecoar também a missão que nos foi confiada. De facto, somos semeadores, e aquele que semeia fá-lo na esperança; fá-lo contando com o seu esforço e empenho pessoal, mas sabendo que há muitos fatores que têm de concorrer para que a semente germine, cresça, se torne espiga e, por fim, grão abundante.

O semeador cansado e preocupado não desanima, não desiste, nem pega fogo ao seu campo quando algo corre mal. Sabe esperar, confia, assume as decepções da sua sementeira. Mas nunca cessa de amar este campo confiado aos seus cuidados. E embora às vezes lhe venha a tentação de o fazer, não o abandona nem confia a outrem. O semeador conhece a sua terra, «palpa-a», «sente-a» e prepara-a para que possa dar o melhor de si mesma. Como o Semeador, nós, bispos, somos chamados a lançar as sementes da fé e da esperança nesta terra. Para isso, devemos desenvolver este «olfato» que nos permite conhecer melhor e também descobrir o que compromete, dificulta ou arruína a sementeira.

Assim, «os pastores, acolhendo as contribuições das diversas ciências, têm o direito de exprimir opiniões sobre tudo aquilo que diz respeito à vida das pessoas, dado que a tarefa da evangelização implica e exige uma promoção integral de cada ser humano. Já não se pode afirmar que a religião deve limitar-se ao âmbito privado e serve apenas para preparar as almas para o céu. Sabemos que Deus deseja a felicidade dos seus filhos também nesta terra, embora estejam chamados à plenitude eterna, porque Ele criou todas as coisas “para nosso usufruto” (1 Tm 6, 17), para que todos possam usufruir delas. Por isso, a conversão cristã exige rever especialmente tudo o que diz respeito à ordem social e consecução do bem comum. Por conseguinte, ninguém pode exigir-nos que releguemos a religião para a intimidade secreta das pessoas, sem qualquer influência na vida social e nacional, sem nos preocupar com a saúde das instituições da sociedade civil, sem nos pronunciar sobre os acontecimentos que interessam aos cidadãos» (FRANCISCO, Exort. ap. Evangelii gaudium, 182-183).

Sei que não faltam motivos de preocupação e que, entre outras coisas, carregais no coração a responsabilidade de velar pela dignidade dos vossos irmãos, que pedem para se construir uma nação cada vez mais solidária e próspera, dotada de instituições sólidas e estáveis. Pode um pastor digno deste nome ficar indiferente aos desafios que enfrentam os seus compatriotas de todas as categorias sociais, independentemente da sua pertença religiosa? Pode um pastor segundo o estilo de Jesus ser indiferente às vidas que lhe estão confiadas?

A dimensão profética ligada à missão da Igreja requer, sempre e em toda parte, um discernimento que em geral não é fácil. Neste sentido, a colaboração madura e independente entre a Igreja e o Estado é um desafio permanente, disse colaboração madura e independente entre a Igreja e o Estado. Esse é o desafio: que seja madura e independente. Porque o perigo de conluio nunca está longe, sobretudo se chegamos a perder o ardor evangélico. Escutando sempre aquilo que o Espírito diz sem cessar às Igrejas (cf. Ap 2, 7), seremos capazes de escapar às ciladas, libertar o fermento do Evangelho para uma colaboração frutuosa com a sociedade civil na busca do bem comum.

A marca distintiva deste discernimento será a vossa preocupação por que a proclamação do Evangelho inclua todas as formas de pobreza: não apenas «garantir a comida ou um decoroso “sustento” para todos, mas prosperidade e civilização em seus múltiplos aspetos. Isto engloba educação, acesso aos cuidados de saúde e especialmente trabalho, porque, no trabalho livre, criativo, participativo e solidário, o ser humano exprime e engrandece a dignidade da sua vida. O salário justo permite o acesso adequado aos outros bens que estão destinados ao uso comum» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 192).

A defesa da pessoa humana é outra dimensão do nosso empenho pastoral. Para ser pastores segundo o coração de Deus, devemos ser os primeiros na opção de anunciar o Evangelho aos pobres. Os primeiro na opção por proclamar o Evangelho aos pobres: «Não devem subsistir dúvidas nem explicações que debilitem esta mensagem claríssima. Hoje e sempre, os pobres são os destinatários privilegiados do Evangelho, e a evangelização dirigida gratuitamente a eles é sinal do Reino que Jesus veio trazer. Há que afirmar sem rodeios que existe um vínculo indissolúvel entre a nossa fé e os pobres. Não os deixemos jamais sozinhos!» (Ibid., 48).

Por outras palavras, temos um dever particular de proximidade e proteção para com os pobres, os marginalizados e os pequeninos, para com as crianças e as pessoas mais vulneráveis, vítimas de exploração e abusos. Vítimas hoje desta cultura do descarte. Hoje, a mundanidade nos levou a introduzir nos programas sociais, nos programas de desenvolvimento, o descarte como possibilidade. O descarte do que está por nascer e o descarte do que está por morrer para acelerar a partida.

Este vasto campo não é desbravado e arroteado apenas pelo espírito profético, mas espera também a semente lançada à terra com paciência cristã, cientes ainda de que não temos o controle nem a responsabilidade de todo o processo. Não se pode. O semeador não vai cada dia escavar a terra para ver como a semente cresce.

Um pastor que semeia evita de controlar tudo. Os pastores controladores não deixam crescer. O pastor que semeia dá azo às iniciativas, deixa crescer segundo etapas diferentes, nem todos têm o mesmo tempo de crescimento, e não procura a uniformidade.

O verdadeiro pastor não tem pretensões irrazoáveis, não despreza os resultados aparentemente mais mingados. “Nesta ocasião foi assim... adiante, tranquilo. Na próxima vez, irá melhor”. Mas sempre sabe vender os resultados como vêm. Permitam-me que lhes diga como concebo em algumas ocasiões, qual imagem me vem à mente quando penso na vida do pastor. O pastor deve tomar a vida de onde vem, com os resultados que vierem.

O pastor é como o goleiro do time de futebol: ele pega a bola de onde é jogada. Sabe se mover, sabe tomar a liberdade de onde vem. E então corrige. Mas, no momento, toma a vida como vem. Esse é o amor do pastor. Esta fidelidade ao Evangelho faz de nós pastores próximos também do povo de Deus, a começar pelos nossos irmãos sacerdotes – são eles os nossos irmãos mais próximos – que devem beneficiar de um cuidado especial da nossa parte.

Aqui, permito-me sair do texto para falar da proximidade do pastor. O pastor deve ser próximo de Deus, próximo de seus sacerdotes e próximo do povo. As três proximidades do pastor. O pastor que se afasta do povo, que perde o cheiro do povo... É como um funcionário de corte, de corte Pontifícia, isso é importante, mas de corte, ao final. E isso não serve.

Papa Francisco visita mosteiro de clausura Carmelita em Madagascar




VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO
 A MOÇAMBIQUE, MADAGASCAR E MAURÍCIO
(4 - 10 DE SETEMBRO DE 2019)

ENCONTRO COM AS RELIGIOSAS CONTEMPLATIVAS
HOMILIA DO SANTO PADRE

Mosteiro das Carmelitas Descalças, Antananarivo, Madagascar
Sábado, 7 de setembro de 2019

DISCURSO PREPARADO PELO SANTO PADRE
E ENTREGUE DURANTE O ENCONTRO

Dileta Madre Madalena da Anunciação,
Irmãs muito amadas!

Agradeço-vos a receção calorosa e as palavras da Madre que dão voz a todas as monjas contemplativas dos diferentes mosteiros deste país. Obrigado a todas e cada uma de vós, queridas Irmãs, por terdes deixado brevemente a clausura para manifestar a vossa comunhão comigo e com a vida e a missão de toda a Igreja, especialmente a de Madagáscar.

Agradeço a vossa presença, a vossa fidelidade, o testemunho luminoso de Jesus Cristo que ofereceis à comunidade. Neste país, há pobreza; é verdade, mas existe também tanta riqueza! É rico de belezas naturais, humanas e espirituais. Também vós, Irmãs, fazeis parte desta beleza de Madagáscar, do seu povo e da Igreja, pois é a beleza de Cristo que resplandece nos vossos rostos e nas vossas vidas. Graças a vós, a Igreja em Madagáscar é ainda mais bela aos olhos do Senhor e também aos olhos do mundo inteiro.

Os três salmos da Liturgia de hoje expressam a angústia do salmista num momento de provação e perigo. Permiti que me detenha no primeiro salmo, ou seja, numa seção do Salmo 119, o mais longo do Saltério, composto de oito versículos por cada letra do alfabeto hebraico. O autor é, sem dúvida, um homem de contemplação, alguém que sabe dedicar longos e maravilhosos momentos à oração. Na estrofe de hoje (Sal 119/118, 81-88), a palavra que aparece mais vezes e dá o tom ao conjunto é «suspirar», usada principalmente em dois sentidos.

O orante suspira pelo encontro com Deus. Vós sois o testemunho vivo deste anseio inextinguível que habita no coração de todos os homens. No meio das múltiplas ofertas que pretendem – mas não conseguem – satisfazer o coração, a vida contemplativa é a tocha que conduz ao único braseiro eterno, «a chama viva de amor que docemente fere» (São João da Cruz). Vós representais «visivelmente a meta para onde caminha a comunidade eclesial inteira, que avança pelas estradas do tempo com o olhar fixo na futura recapitulação de tudo em Cristo, preanunciando assim a glória celeste» (Francisco, Const. ap. Vultum Dei quaerere, 2).

Somos sempre tentados a satisfazer o anseio de eternidade com coisas efémeras. Estamos expostos aos mares revoltos que acabam apenas por afogar a vida e o espírito: «Como o marinheiro no mar alto precisa do farol que indique a rota para chegar ao porto, assim o mundo tem necessidade de vós. Sede faróis para os que estão perto e sobretudo para os afastados. Sede tochas que acompanham o caminho dos homens e mulheres na noite escura do tempo. Sede sentinelas da manhã (cf. Is 21, 11-12) que anunciam o nascer do sol (cf. Lc 1, 78). Com a vossa vida transfigurada e com palavras simples ruminadas no silêncio, indicai-nos Aquele que é caminho, verdade e vida (cf. Jo 14, 6), o único Senhor que oferece plenitude à nossa existência e dá vida em abundância (cf. Jo 10, 10). Gritai-nos como André a Simão: “Encontramos o Messias” (cf. Jo 1, 40); anunciai, como Maria de Magdala na manhã da ressurreição: “Vi o Senhor!” (Jo 20, 18)» (Ibid., 6).

Em discurso, Papa pede que povo de Madagascar lute contra a corrupção

 
VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO
 A MOÇAMBIQUE, MADAGASCAR E MAURÍCIO
(4 - 10 DE SETEMBRO DE 2019)

ENCONTRO COM AS AUTORIDADES,
O CORPO DIPLOMÁTICO E VÁRIOS REPRESENTANTES
DA SOCIEDADE CIVIL

DISCURSO DO SANTO PADRE

Ceremony Building, Antananarivo, Madagascar
Sábado, 7 de setembro de 2019


Senhor Presidente,
Senhor Primeiro-Ministro,
Ilustres membros do Governo e do Corpo Diplomático,
Distintas Autoridades,
Representantes das Confissões religiosas e da sociedade civil,
Senhoras e Senhores!

Saúdo cordialmente o Presidente da República de Madagáscar e agradeço-lhe o amável convite para visitar este país, bem como as palavras de boas-vindas que me dirigiu. O Senhor Presidente, falou com paixão, falou com amor pelo Seu povo. Agradeço-Lhe pelo Seu testemunho de patriota. Saúdo também o Primeiro-Ministro, os membros do governo, do corpo diplomático e os representantes da sociedade civil. Dirijo uma saudação fraterna aos bispos, aos membros da Igreja Católica, aos representantes de outras confissões cristãs e de várias religiões. Agradeço a todas as pessoas e instituições que tornaram possível esta viagem e, de modo particular, ao povo malgaxe que nos acolhe com grande hospitalidade.

No preâmbulo da Constituição da vossa República, quisestes consignar um dos valores fundamentais da cultura malgaxe: o fihavanana, termo que evoca o espírito de partilha, ajuda mútua e solidariedade; mas inclui também a importância dos laços familiares, da amizade e da benevolência entre os homens e para com a natureza. Revelam-se, assim, a «alma» do vosso povo e os traços peculiares que o caraterizam, constituem e lhe permitem resistir, corajosa e abnegadamente, às múltiplas contrariedades e dificuldades que tem de enfrentar diariamente. Se devemos reconhecer, valorizar e apreciar esta terra abençoada pela sua beleza e inestimável riqueza natural, não é menos importante fazê-lo também pela «alma» que vos dá a força de permanecer empenhados com a aina (isto é, com a vida), como bem lembrou o padre António de Pádua Rahajarizafy SJ.

Depois que recuperou a independência, a vossa nação aspira à estabilidade e à paz, implementando uma alternância democrática positiva que testemunha respeito pela complementaridade dos estilos e projetos. Isto demonstra que «a política é um meio fundamental para construir a cidadania e as obras do homem» (Francisco, Mensagem para o LII Dia Mundial da Paz, 1 de janeiro de 2019), quando é vivida como serviço à coletividade humana. Por isso, é claro que a função e a responsabilidade política constituem um desafio permanente para quantos têm a missão de servir e proteger os seus compatriotas, especialmente os mais vulneráveis, e de promover as condições para um desenvolvimento digno e justo, envolvendo todos os atores da sociedade civil. Porque, como lembrava São Paulo VI, o desenvolvimento de uma nação «não se reduz a um simples crescimento econômico. Para ser autêntico, deve ser integral, quer dizer, promover todos os homens e o homem todo» (Carta enc. Populorum progressio, 14).

Nesta perspetiva, encorajo-vos a lutar, vigorosa e decididamente, contra todas as formas endémicas de corrupção e especulação, que aumentam a disparidade social, e a enfrentar as situações de grande precariedade e exclusão que geram sempre condições de pobreza desumana. Daí a necessidade de estabelecer todas as mediações estruturais que possam garantir uma melhor distribuição do rendimento e a promoção integral de todos os habitantes, especialmente dos mais pobres. Tal promoção não se pode limitar a uma mera assistência, mas requer o seu reconhecimento como sujeitos jurídicos chamados a participar plenamente na construção do seu futuro (cf. Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 204-205).

Além disso, sabemos que não se pode falar de desenvolvimento integral sem prestar atenção e cuidar da nossa Casa Comum. Não se trata apenas de encontrar os instrumentos para preservar os recursos naturais, mas de procurar «soluções integrais que considerem as interações dos sistemas naturais entre si e com os sistemas sociais. [Porque] não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única e complexa crise socio-ambiental» (Francisco, Carta enc. Laudato si’, 139).

sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Papa Francisco: Não se pode ser cristão e promover o “olho por olho, dente por dente”



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO
 A MOÇAMBIQUE, MADAGASCAR E MAURÍCIO
(4 - 10 DE SETEMBRO DE 2019)

SANTA MISSA PELO PROGRESSO DOS POVOS

HOMILIA DO SANTO PADRE

Estádio de Zimpeto de Maputo, Moçambique
Sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Amados irmãos e irmãs!

Ouvimos no Evangelho de Lucas uma passagem do Sermão da Planície. Depois de escolher os seus discípulos e ter proclamado as Bem-aventuranças, Jesus acrescenta: «Digo-vos a vós que Me escutais: “Amai os vossos inimigos”» (Lc 6, 27). Uma palavra dirigida hoje também a nós, que O escutamos neste Estádio.

Di-lo com clareza, simplicidade e firmeza traçando uma senda, um caminho estreito que requer algumas virtudes. Porque Jesus não é um idealista, que ignora a realidade; está a falar do inimigo concreto, do inimigo real, que descrevera na Bem-aventurança anterior (6, 22): aquele que nos odeia, expulsa, insulta e rejeita como infame.

Muitos de vós podem ainda contar, em primeira pessoa, histórias de violência, ódio e discórdias; alguns, em sua própria carne; outros, de alguém conhecido que já cá não está; e outros ainda pelo temor de que feridas do passado se repitam e tentem apagar o caminho de paz já percorrido, como em Cabo Delgado.

Jesus não nos convida a um amor abstrato, etéreo ou teórico, redigido em escrivaninhas para discursos. O caminho que nos propõe é o que Ele percorreu primeiro, o caminho que O fez amar aqueles que O traíram, julgaram injustamente, aqueles que O matariam.

É difícil falar de reconciliação, quando ainda estão vivas as feridas causadas durante tantos anos de discórdia, ou convidar a dar um passo de perdão que não signifique ignorar o sofrimento nem pedir que se cancele a memória ou os ideais (cf. Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 100). Mesmo assim, Jesus convida a amar e a fazer o bem. E isto é muito mais do que ignorar a pessoa que nos prejudicou ou esforçar-se por que não se cruzem as nossas vidas: é um mandato que visa uma benevolência ativa, desinteressada e extraordinária para com aqueles que nos feriram. Mas Jesus não fica por aí; pede-nos também que os abençoemos e rezemos por eles; isto é, que o nosso falar deles seja um bendizer, gerador de vida e não de morte, que pronunciemos os seus nomes não para insulto ou vingança, mas para inaugurar um novo vínculo que leve à paz. Alta é a medida que o Mestre nos propõe!

Com tal convite, Jesus quer encerrar para sempre a prática tão usual – ontem como hoje – de ser cristão e viver sob a lei de talião. Não se pode pensar o futuro, construir uma nação, uma sociedade sustentada na «equidade» da violência. Não posso seguir Jesus, se a ordem que promovo e vivo é «olho por olho, dente por dente».

Nenhuma família, nenhum grupo de vizinhos ou uma etnia e menos ainda um país tem futuro, se o motor que os une, congrega e cobre as diferenças é a vingança e o ódio. Não podemos pôr-nos de acordo e unir-nos para nos vingarmos, para fazermos àquele que foi violento o mesmo que ele nos fez, para planearmos ocasiões de retaliação sob formatos aparentemente legais. «As armas e a repressão violenta, mais do que dar solução, criam novos e piores conflitos» (Ibid., 60). A «equidade» da violência é sempre uma espiral sem saída; e o seu custo, muito alto. Há outro caminho possível, porque é crucial não esquecer que os nossos povos têm direito à paz. Vós tendes direito à paz.

Para tornar o seu convite mais concreto e aplicável no dia-a-dia, Jesus propõe uma primeira regra de ouro ao alcance de todos – «como quereis que os outros vos façam, fazei-lho vós também» (Lc 6, 31) – e ajuda-nos a descobrir o que é mais importante nesta reciprocidade de trato: amar-nos, ajudar-nos e emprestar sem esperar nada em troca.

«Amar-nos»: diz-nos Jesus. E Paulo traduz isso como «revestir-nos de sentimentos de misericórdia e de bondade» (Col 3, 12). O mundo desconhecia – e continua sem conhecer – a virtude da misericórdia, da compaixão, matando ou abandonando deficientes e idosos, eliminando feridos e enfermos, ou divertindo-se com os sofrimentos dos animais. Também não praticava a bondade, a amabilidade, que nos move a considerar o bem do próximo tão querido como o próprio.

Superar os tempos de divisão e violência supõe não só um ato de reconciliação ou a paz entendida como ausência de conflito, implica também o compromisso diário de cada um de nós ter um olhar atento e ativo que nos leva a tratar os outros com aquela misericórdia e bondade com que queremos ser tratados; misericórdia e bondade sobretudo com aqueles que, pela sua condição, rapidamente acabam rejeitados e excluídos. Trata-se de uma atitude, não de débeis, mas de fortes, uma atitude de homens e mulheres que descobrem que não é necessário maltratar, denegrir ou esmagar para se sentirem importantes; antes pelo contrário... E esta atitude é a força profética que o próprio Jesus Cristo nos ensinou ao querer identificar-Se com eles (cf. Mt 25, 35-45) e ao mostrar-nos que o serviço é o caminho.

Papa Francisco recorda parábola do Bom Samaritano ao visitar doentes de AIDS



VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO
 A MOÇAMBIQUE, MADAGASCAR E MAURÍCIO
(4 - 10 DE SETEMBRO DE 2019)

VISITA AO HOSPITAL DE  ZIMPETO

SAUDAÇÃO DO SANTO PADRE

Maputo
Sexta-feira, 6 de setembro de 2019


Queridos irmãos e irmãs!

Muito obrigado pelo acolhimento caloroso e fraterno e também pelas palavras de Cacilda. Obrigado pela tua vida e testemunho, expressão de que este Centro de saúde polivalente – Santo Egídio de Zimpeto – é manifestação do amor de Deus, sempre pronto a insuflar vida e esperança onde abundam a morte e o sofrimento.

Saúdo cordialmente os responsáveis, os operadores sanitários, os enfermos com seus familiares, e todos os presentes. Vendo como tratais e acolheis com competência, profissionalismo e amor tantas pessoas doentes, particularmente pacientes com SIDA/HIV sobretudo mulheres e crianças, acode-me ao pensamento a parábola do Bom Samaritano.

Todos os que passaram por aqui, todos os que vêm com desespero e angústia são como aquele homem abandonado na beira da estrada. E, aqui, vós não passastes ao largo, não continuastes pelo vosso caminho como fizeram outros (o levita e o sacerdote). Este Centro mostra-nos que houve quem parou e sentiu compaixão, quem não cedeu à tentação de dizer «não há nada a fazer», «é impossível combater esta praga» e se animou a buscar soluções. Vós, como disse Cacilda, ouvistes aquele grito silencioso, quase inaudível, de inúmeras mulheres, de tantos que viviam envergonhados, marginalizados, julgados por todos. Por isso alargastes esta casa – onde o Senhor vive com aqueles que estão na berma da estrada – aos doentes de cancro, tuberculose e a centenas de desnutridos, sobretudo crianças e jovens.

Assim todas as pessoas que, de várias formas, fazem parte desta comunidade sanitária tornam-se expressão do Coração de Jesus, para que ninguém pense «que o seu clamor caíra em saco roto. (…) [São] um sinal de solidariedade para quantos passam necessidade a fim de sentirem a presença ativa dum irmão ou duma irmã. Não é de um ato de delegação que os pobres precisam, mas do envolvimento pessoal de quantos escutam o seu brado. A solicitude dos crentes não pode limitar-se a uma forma de assistência – embora necessária e providencial num primeiro momento –, mas requer aquela atenção amiga que aprecia o outro como pessoa e procura o seu bem» (Francisco, Mensagem para o II Dia Mundial dos Pobres, 18 de novembro de 2018, n. 3). Ouvir este clamor levou-vos a perceber que não era suficiente um tratamento médico, embora necessário; por isso, vos debruçastes sobre a problemática em toda a sua integridade para devolver a dignidade às mulheres e crianças, ajudando-as a projetar um futuro melhor.

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Discurso do Papa aos bispos, clero, religiosos e catequistas de Moçambique


ENCONTRO COM OS BISPOS, OS SACERDOTES,
RELIGIOSOS E CATEQUISTAS

DISCURSO DO SANTO PADRE

Catedral da Imaculada Conceição, Maputo
Quinta-feira, 5 de setembro de 2019


Amados irmãos Cardeais,
Irmãos Bispos,
Queridos sacerdotes, religiosas, religiosos e seminaristas,
Prezados catequistas e animadores de comunidades cristãs,
Caros irmãos e irmãs, boa tarde!

Agradeço a saudação de boas-vindas de Dom Hilário em nome de todos vós. Com afeto e grande reconhecimento, vos saúdo a todos. Sei que fizestes um grande esforço para estar aqui. Juntos, queremos renovar a resposta à chamada que uma vez fez arder os nossos corações e que a Santa Mãe Igreja nos ajudou a discernir e confirmar com a missão. Obrigado pelos vossos testemunhos, que falam das horas difíceis e sérios desafios que viveis, reconhecendo limitações e debilidades; mas também admirando a misericórdia de Deus. Fiquei contente ao ouvir dizer, da boca duma catequista: «Somos uma Igreja inserida num povo heroico». Obrigado! Um povo, que se entende de sofrimentos, mas mantém viva a esperança. Com este são orgulho pelo vosso povo, que convida a renovar a fé e a esperança, queremos renovar o nosso sim hoje. Como fica feliz a Santa Mãe Igreja ao ouvir-vos manifestar o amor ao Senhor e à missão que vos deu! Como ela fica contente ao ver o vosso desejo de voltar sempre ao «primitivo amor» (Ap 2, 4)! Peço ao Espírito Santo que vos dê sempre a lucidez de chamar a realidade pelo seu nome, a coragem de pedir perdão e a capacidade de aprender a ouvir o que Ele nos quer dizer.

Queridos irmãos e irmãs, gostemos ou não, somos chamados a encarar a realidade como ela é. Os tempos mudam e devemos reconhecer que muitas vezes não sabemos como inserir-nos nos novos tempos, nos novos cenários; podemos sonhar com as «cebolas do Egito» (Nm 11, 5), esquecendo que a Terra Prometida está à frente, não atrás, e neste lamento pelos tempos passados, vamo-nos petrificando, vamo-nos «mumificando». E não é bom! Um bispo, um sacerdote, uma irmã, um catequista mumificados não está bem! Em vez de professar uma Boa Nova, o que anunciamos é algo cinzento que não atrai nem inflama o coração de ninguém. Esta é a tentação.

Encontramo-nos nesta catedral, dedicada à Imaculada Conceição da Virgem Maria, para compartilhar como família aquilo que nos acontece; como família, que nasceu naquele sim que Maria deu ao anjo. Ela, nem por um momento olhou para trás. Quem narra estes acontecimentos do início do mistério da Encarnação é o evangelista Lucas. No seu modo de o fazer, talvez possamos descobrir resposta para as perguntas que fizestes hoje – bispos, sacerdotes, irmãs, catequistas… Faltaram as dos seminaristas! [riem] – e encontrar também o estímulo necessário para responder com a mesma generosidade e solicitude de Maria.

São Lucas apresenta em paralelo os acontecimentos relacionados com São João Batista e com Jesus Cristo; pretende que, no contraste, descubramos aquilo que se vai apagando do modo de ser de Deus e do nosso relacionar-nos com Ele no Antigo Testamento, e o novo modo que nos traz o Filho de Deus feito homem. Um modo no Antigo Testamento, que se apaga, e outro modo novo que traz Jesus.

É evidente que, nas duas Anunciações – a de João Batista e a de Jesus –, há um anjo. Entretanto, numa, a aparição dá-se na Judeia, na mais importante das cidades – Jerusalém – e não acontece num lugar qualquer, mas no templo e, dentro dele, no Santo dos Santos; dirige-se a um varão e… sacerdote. Ao passo que o anúncio da Encarnação é feito na Galileia, a mais remota e conflituosa das regiões, numa pequena aldeia – Nazaré –, numa casa e não na sinagoga ou lugar religioso, feito a uma leiga e... mulher. Não a um sacerdote, nem a um homem. O contraste é grande. Que mudou? Tudo. Tudo mudou. E, nesta mudança, está a nossa identidade mais profunda.

Perguntáveis que fazer com a crise de identidade sacerdotal, como lutar contra ela? A propósito, o que vou dizer relativamente aos sacerdotes é algo que todos (bispos, catequistas, consagrados, seminaristas) somos chamados a cultivar e fomentar. Di-lo-ei para todos.