COMO MARIA SOMOS CHAMADOS
A UMA CONVERSÃO PERMANENTE
SALA
CLEMENTINA
Vaticano, 06 de março de 2020
“Junto à cruz de Jesus estavam de pé sua mãe,
a irmã de sua mãe, Maria, mulher de Cléofas, e Maria Madalena. Quando Jesus viu
sua mãe e perto dela o discípulo que amava, disse à sua mãe: “Mulher, eis aí o
teu filho”. Depois disse ao discípulo: “Eis aí a tua mãe”. E dessa hora em
diante o discípulo a recebeu como mãe.” (Cf. João 19, 26-27)
Aqui, João nos deixa essa imagem muito forte
de Maria, mãe, que está junto à Cruz do Filho. Não é assim tão simples como já
estamos um pouco acostumados; no entanto, quem já encontrou alguma vez uma mãe
e a viu no funeral do filho, entende imediatamente que é muito mais difícil
essa cena do que o contrário, um filho que sepulta sua mãe. Ver o próprio filho
na morte é algo absolutamente particular, mas sobretudo, se este Filho é o
Salvador do mundo. E então se entende por que a antiga iconografia representa a
Mãe sob a cruz com uma mão na face. O que essa mão na face significa? Na
iconografia, depois preservada no ícone bizantino até nossos dias, essa é
precisamente a imagem da pessoa em uma provação muito dura, que é colocada em
uma incerteza muito séria, antes, em uma dúvida.
E Maria pode duvidar de que debaixo da Cruz?
Por que a iconografia a coloca nessa imagem de uma fortíssima provação? E de
uma incerteza quase total? Tanto é verdade que a iconografia mostra que o
Cristo está voltado para ela e ela olha para o Filho e - dizem os orientais - o
Filho da Cruz entrega à Mãe o mais alto grau de sabedoria, isto é, ver o
sentido de fracasso, o sentido do colapso, o sentido de sofrimento e o sentido
de uma morte tão vergonhosa, como era a sua. Tanto é verdade, que o sofrimento,
a dor, são um problema.
Vemos como Pedro, por exemplo, no capítulo 8
de Marcos, quando Cristo começa a falar sobre como será seu destino em
Jerusalém, como sofrerá, o que acontecerá a ele, Pedro tomando-o à parte diz:
“Veja, isso nunca te acontecerá". Antes ainda, usa um termo tão forte -
"epitimao" – que é aquele que Cristo sempre usava para silenciar os
demônios. Isto é, Pedro ficou impressionado de tal forma quando entendeu que
Cristo estava falando de si mesmo, que seria crucificado e entregue nas mãos
dos pecadores, que disse: “Falas como se tivesses um demônio; isto é, é
impossível que Tu, como Messias, sofrerás". Por quê? Porque por trás disso
há um imaginário do Messias triunfante. E agora, como dizes que sofrerás assim?
Ou, se pegarmos os dois discípulos de Emaús, é outra situação semelhante.
Quando eles dizem: “Nós esperávamos que fosse
ele quem haveria de restaurar Israel, mas pelo contrário, agora, foi
crucificado e sepultado, isto é, é um fracassado. Ainda esperávamos ... ".
Ou seja, havia uma esperança, uma espera do Messias que cria um imaginário, que
cria uma esperança que certamente corresponde muito a algo muito, muito humano:
precisamente uma esperança, uma salvação segundo a nossa natureza. E segundo a
nossa natureza, não se pode ser salvos por meio do sofrimento ou, pior ainda,
por uma morte tão cruel. E por isso é evidente que Maria, estando sob a Cruz de
seu Filho, tem pensamentos muito profundos, precisamente em relação a isso:
isto é, como é possível ter sido dito a Ele que seria o Salvador do mundo, e
agora termina assim?
E mais, no Evangelho de Lucas é dito, quando o
apresentam no Templo, é dito que "uma espada transpassará teu
coração", antes, "tua vida", é dito textualmente,
"psyché". Ora, a espada certamente dá a imagem de um corte, de algo
que realmente separa, tanto é verdade que, na Carta aos Hebreus essa espada é
considerada como "palavra", “a Palavra", e é dito explicitamente
"esta palavra (de Deus) é viva, eficaz e mais penetrante que qualquer
espada de dois gumes. Penetra até dividir alma e espírito, articulações e
medulas. Julga os pensamentos e as intenções do coração” (Heb 4,11-12).
Então Maria ... tantos disseram que ali, aos
pés da Cruz, Maria sente essa espada, que vai até as profundezas, que discerne
os pensamentos e os sentimentos, mas sacudindo, cortando; não é uma
contemplação pacífica.
Ora, de fato, Lucas diz, já no início, que
Maria guardava todas essas coisas em seu coração: "Maria, por sua parte,
guardava todas essas coisas, meditando-as em seu coração". Ora, o que
Maria traz em seu coração? O que ela realmente está carregando lá dentro? E o
termo usado em grego significa que ela carrega algo muito precioso, e essa
palavra do "meditar" é usada pela primeira vez no Evangelho o termo
"symballo", que significa literalmente "colocar junto",
"procurar como fazer se encaixar”, como fazer unir; (...) que as coisas
possam ser traduzidas, mas também as palavras. Ou seja, Maria está ligando as
palavras e os eventos, as coisas.