Hoje, a Palavra de Deus convida-nos a vencer todas as
dificuldades que nos afastam do caminho do bem.
A primeira leitura convida-nos a eliminar os falsos deuses
em quem às vezes apostamos tudo e a fazer de Deus a nossa referência
fundamental. Alerta-nos, na mesma lógica, contra a tentação do orgulho e da
auto-suficiência, que nos levam a caminhos de egoísmo e de desumanidade, de
desgraça e de morte.
O Evangelho apresenta-nos uma catequese sobre as opções de Jesus. Lucas sugere que Jesus recusou radicalmente um caminho de materialismo, de poder, de êxito fácil, pois o plano de Deus não passava pelo egoísmo, mas pela partilha; não passava pelo autoritarismo, mas pelo serviço; não passava por manifestações espectaculares que impressionam as massas, mas por uma proposta de vida plena, apresentada com simplicidade e amor. É claro que é esse caminho que é sugerido aos que seguem Jesus.
A segunda leitura convida-nos a prescindir de uma atitude arrogante e auto-suficiente em relação à salvação que Deus nos oferece: a salvação não é uma conquista nossa, mas um dom gratuito de Deus. É preciso, pois, “converter-se” a Jesus, isto é, reconhecê-l’O como o “Senhor” e acolher no coração a salvação que, em Jesus, Deus nos propõe. Fé que será provada pelo inimigo das nossas almas, o Demônio, que nos tentará nos três pontos mais fracos que todos carregamos como herança do pecado original: ter, poder e glória (evangelho).
Ajudados pelos recursos pedagógicos da Quaresma- ambientação
mais austera, cantos apropriados, o silêncio do aleluia e do Glória- e
sobretudo pelas orações e leituras bíblicas, dispomo-nos para empreender, na
companhia de Jesus, a sua “subida à Cruz”, para viver uma vez mais a Páscoa, a
passagem a uma vida nova. Cristo quer nos comunicar um ano mais a sua vida nova
com a oração e o sacrifício para sermos fortes diante das tentações diárias de
Satanás no deserto da nossa vida, renovando a nossa fé no Senhor. Não podemos
negociar com o maligno. Viver de outro jeito, ou seja, “de batismo, sou cristão
e, de profissão, sou pagão” é uma incoerência e tentaríamos a Deus.
Unidos a toda a Igreja e vivendo este tempo santo de
conversão, preparámo-nos para a festa da Páscoa do Senhor e da nossa Páscoa.
Confiantes na misericórdia do Pai, que quer para nós, seus filhos, uma vida
nova em Cristo, peçamos a conversão do coração, fonte de reconciliação com
Deus e com os irmãos.
Comentários dos textos bíblicos
Textos: Dt 26,4-10; Rm 10,8-13; Lc 4,1-13
O 1º Domingo da Quaresma
nos apresenta todos os anos o mistério do jejum de Jesus no deserto, quando foi
tentado pelo diabo (Lc 4, 1-13).
Quaresma é para nós um
tempo forte de conversão e renovação, em preparação à Páscoa. É tempo de rasgar
o coração e voltar ao Senhor. Tempo de retomar o caminho e de se abrir à graça
do Senhor, que nos ama e nos socorre. É um tempo sagrado para aprofundar o
Plano de Deus e rever a nossa vida cristã. E nós somos convidados pelo Espírito
ao DESERTO da Quaresma para nos fortalecer nas TENTAÇÕES, que frequentemente
tentam nos afastar dos planos de Deus.
A Quaresma comemora os
quarenta dias que Jesus passou no deserto, como preparação para esses anos de
pregação que culminam na CRUZ e na glória da Páscoa. Quarenta dias de oração e
de penitência que, ao findarem, desembocam na cena que São Lucas narra no cap.
4, 1-13. É uma cena cheia de mistério, que o homem em vão pretende entender –
Deus que se submete à tentação, que deixa agir o Maligno –, mas que pode ser
meditada se pedirmos ao Senhor que nos faça compreender a lição que encerra.
É a primeira vez que o
demônio intervém na vida de Jesus, e faz isto abertamente. Põe à prova Nosso
Senhor; talvez queira averiguar se chegou a hora do Messias. Jesus deixa-o agir
para nos dar exemplo de humildade e para nos ensinar – diz São João Crisóstomo
–, quis também ser conduzido ao deserto e ali travar combate com o demônio a
fim de que os batizados, se depois do batismo sofrem maiores tentações, não se
assustem com isso, como se fosse algo de inesperado. Se não contássemos com as
tentações que temos de sofrer, abriríamos a porta a um grande inimigo: o
desalento e a tristeza.
A narrativa das
tentações que Jesus sofreu mostra que Jesus “foi experimentado em tudo” (Hb 4,
15), comprovando também a veracidade da Encarnação do Verbo de Deus.
Diz Santo Agostinho que,
na sua passagem por este mundo nossa vida não pode escapar à prova da tentação,
dado que nosso progresso se realiza pela prova. De fato, ninguém se conhece a
si mesmo sem ser experimentado, e não pode ser coroado sem ter vencido, e não
pode vencer, se não tiver combatido e não pode lutar se não encontrou o inimigo
e as tentações.
Por isso, a existência
do ser humano nesta terra é uma batalha contínua contra o mal. É esta luta
contra o pecado, a exemplo de Cristo, que devemos intensificar nesta Quaresma;
luta que constitui uma tarefa para a vida toda.
O demônio promete sempre
mais do que pode dar. A felicidade está muito longe das suas mãos. Toda a
tentação é sempre um engano miserável! Mas, para nos experimentar, o demônio
conta com as nossas ambições. E a pior delas é desejar a todo o custo a glória
pessoal; a ânsia de nos procurarmos sistematicamente a nós mesmos nas coisas
que fazemos e projetamos. Muitas vezes, o pior dos ídolos é o nosso próprio eu.
Temos que vigiar, em luta constante, porque dentro de nós permanece a tendência
de desejar a glória humana, apesar de termos dito ao Senhor que não queremos
outra glória que não a dEle. Jesus também se dirige a nós quando diz: “Adorarás
o Senhor teu Deus e só a Ele servirás”. E é isto o que nós desejamos e pedimos:
servir a Deus, alicerçados na vocação a que Ele nos chamou.
O Senhor está sempre ao
nosso lado, em cada tentação, e nos diz afetuosamente: “Confiai: Eu venci o
mundo” (Jo16, 33). E com o salmista podemos dizer: “O Senhor é a minha luz e a
minha salvação; a quem temerei?” (Sl 26, 1).
“Procuremos fugir das
ocasiões de pecado, por pequenas que sejam, pois aquele que ama o perigo nele
perecerá” (Eclo 3, 27). Como Jesus nos ensinou na oração do Pai Nosso: “Não nos
deixeis cair em tentação”; é necessário repetir muitas vezes e com confiança
essa oração!
Contamos sempre com a
graça de Deus para vencer qualquer tentação. Usemos as armas para vencermos na
batalha espiritual, que são: a oração contínua, a sinceridade com o diretor
espiritual, a Eucaristia, o sacramento da Confissão (Penitência), um generoso
espírito de mortificação cristã, a humildade de coração e uma devoção terna e
filial a Nossa Senhora.
Vale a pena fazer nossa,
a oração da coleta do 1° Domingo da Quaresma: “Concedei-nos, ó Deus onipotente,
que, ao longo desta Quaresma, possamos progredir no conhecimento de Jesus
Cristo e corresponder a seu amor por uma vida santa.”
PARA REFLETIR
Neste início de Quaresma, a liturgia faz-nos pensar
na Páscoa. Isto porque o tempo quaresmal não é um fim em si mesmo, mas é
caminho de luta e combate espiritual para bem celebrarmos, com o coração
dilatado, a Páscoa do Senhor, maior de todas as festas cristãs.
Na primeira leitura, o Deuteronômio apresenta-nos o
rito de oferta das primícias da colheita: ao apresentar ao Senhor Deus o fruto
da terra, o israelita piedoso confessava que pertencia a um povo de
estrangeiros e peregrinos, vindos do Pai Jacó, que não passava de um arameu
errante. O israelita fiel recordava diante de Deus a história de Israel,
história de escravidão e de libertação: “Meu pai era um arameu errante,
que desceu ao Egito… Ali se tornou um povo grande, forte e numeroso. Os
egípcios nos oprimiram. Clamamos ao Senhor… e o Senhor ouviu a nossa voz e viu
a nossa opressão… E o Senhor nos tirou do Egito… E conduziu-nos a este lugar e
nos deu esta terra… Por isso eu trago os primeiros frutos da terra que tu me
deste, Senhor”. Éramos ninguém e o Senhor nos libertou, deu-nos uma
vida nova – eis o resumo da história e da experiência de Israel! Esta também é
a nossa experiência, como Igreja, Novo Israel: “Se com a tua boca
confessares Jesus como Senhor e, no teu coração creres que Deus o ressuscitou
dos mortos, serás salvo”. Também a nossa história é de libertação:
éramos escravos, todos nós, do grande Faraó, o Pecado que nos destrói e destrói
o mundo. Mas Deus enviou o seu Filho numa carne de pecado (numa natureza
sujeita às conseqüências do pecado): ele desceu a este mundo e entrou na nossa
miséria, até a morte, a nossa morte. Deus o arrancou da morte; ressuscitou-o e
fez dele Senhor e Cristo e quem nele crer e confessá-lo como Senhor na sua
vida, encontra a salvação; encontra um novo modo de viver, encontra a paz,
encontra já agora a comunhão com Deus e, depois, a Vida eterna! Assim, Israel
nasceu da Páscoa do deserto; a Igreja nasceu da Páscoa de Cristo. Israel era
escravo, atravessou o mar e o deserto e tornou-se um povo livre para o Senhor.
Nós éramos escravos, éramos ninguém, atravessamos as águas do Batismo com Cristo,
e ainda que caminhemos neste deserto da vida, somos um povo livre para o Senhor
nosso Deus.
O tempo da Quaresma prepara-nos para celebrar este
mistério tão grande! Recordemos que a ressurreição de Cristo é causa da nossa
ressurreição, é motivo da nossa comunhão com Deus é a razão da nossa fé cristã!
Há apenas dois domingos, São Paulo dizia abertamente: “Se Cristo não
ressuscitou, vã é a vossa fé, ainda estais em vossos pecados!” (1Cor 15,17). Pois
bem, neste sagrado tempo quaresmal, a Igreja nos quer preparar para a santa
Páscoa, para que revivamos em nós, pessoal e comunitariamente, a libertação que
Cristo nos trouxe com a sua vitória. Por isso, a Quaresma é um tempo de combate
espiritual e de luta contra o pecado. É um tempo de seríssimo exame de consciência
e de reorientação de nossa adesão ao Cristo Jesus. Só assim, atravessaremos o
deserto dos quarenta dias rumo à Terra Prometida da Páscoa de Cristo, que se
torna nossa Páscoa. Nosso caminho quaresmal recorda e celebra tantas quaresmas:
a do dilúvio, quando durante quarenta dias e quarenta noites o Senhor Deus
purificou a terra e a humanidade; a de Moisés, que durante quarenta dias e
quarenta noites jejuou e orou sobre o Sinai para encontrar o Senhor que lhe
daria a Lei; a de Israel, que caminhou no deserto durante quarenta anos; a de
Elias profeta, que caminhou quarenta dias pelo deserto rumo ao Horeb, monte de
Deus; a quaresma de Jesus, que antes de iniciar publicamente seu ministério,
jejuou e orou quarenta dias e quarenta noites. Eis o caminho de Deus, eis o
nosso caminho: caminho de combate espiritual, de busca de Deus, de luta
interior, de conversão! Sem Quaresma ninguém celebra verdadeiramente a Páscoa
do Senhor!
O evangelho de hoje, apresentando-nos as tentações
de Jesus, nos ensina a combater: ele venceu Satanás ali, onde Israel fora
vencido: Israel pecou contra Deus murmurando por pão; Jesus abandonou-se ao Pai
e venceu; Israel pecou adorando o bezerro de ouro; Jesus venceu recusando
dobrar os joelhos diante da proposta de Satanás; Israel pecou tentando a Deus
em Massa e Meriba; Jesus rejeitou colocar Deus à prova. Nas tentações de Cristo
estão simbolizadas as nossas tentações: a concupiscência da carne (o prazer e a
satisfação desregrada dos sentidos), a concupiscência dos olhos (a riqueza e o
apego aos bens materiais) e a soberba da vida (o poder e o orgulho
auto-suficiente e dominador). Ora, Jesus foi tentado como nós, tentado por
nossa causa, por amor de nós. Ele foi tentado como nós, para que nós vençamos
como ele! Ele foi tentado não somente naqueles quarenta dias. O evangelho diz
que “terminada toda a tentação, o diabo afastou-se de Jesus, para
retornar no tempo oportuno”. A tentação de Jesus foi até a cruz,
quando ele, no combate final, colocou toda a vida nas mãos do Pai e pelo Pai
foi ressuscitado, tornando-se causa de vida e ressurreição para nós, que nele
cremos, que o seguimos, com ele combatemos e o proclamamos Senhor ressuscitado.
Caminhemos neste santo tempo rumo à Páscoa; usemos
como armas de combate no caminho quaresmal a oração, a penitência e a esmola do
amor fraterno para que, ao final do caminho, sejamos mais conformes à imagem
bendita do Cristo Jesus ressuscitado, nosso Senhor e Deus, vencedor do Maligno
e da morte, a quem seja a glória pelos séculos. Amém.
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