Depois
de ter lido e meditado no domingo passado a luta contra as tentações e o mal,
hoje com a passagem da transfiguração temos assegurado que a vida cristã
termina com a vitória e a glorificação, se lutarmos com e do lado de Cristo.
Neste segundo domingo de
Quaresma a liturgia da Palavra nos convida a meditar acerca das sugestivas
narrações da Transfiguração de Jesus. No alto do Monte Tabor, na presença de
Pedro, Tiago e João, testemunhas privilegiadas deste importante acontecimento,
Jesus é revestido, também exteriormente, da glória de Filho de Deus que lhe
pertence.
O Evangelho ( Lc 9,28-36 ) apresenta a fé dos Apóstolos, fortalecida na Montanha, pela
Transfiguração de Jesus.
Na Caminhada para
Jerusalém, o primeiro anúncio da Paixão e Morte de Jesus abalou profundamente a
fé dos apóstolos. Desmoronaram seus planos de glória e de poder.
Para fortalecer essa fé
ainda tão frágil… Cristo tomou três deles… subiu ao Monte Tabor e “Transfigurou-se…”
A transfiguração de
Jesus é uma catequese que revela aos discípulos e a nós Quem é Jesus: O Filho
Amado de Deus!
Em nossa caminhada para
a Páscoa somos também convidados a subir com Jesus a montanha e, na companhia
dos três discípulos, viver a alegria da comunhão com Ele. As dificuldades da
caminhada não podem nos desanimar. No meio dos conflitos, o Pai nos mostra
desde já sinais da Ressurreição e do alto daquele monte Ele continua a nos
gritar: “Este é o Meu Filho Amado, escutai-O”.
Não desanimemos diante
das dificuldades! Os Planos de Deus não conduzem ao fracasso, mas à
Ressurreição, à vida definitiva, à felicidade sem fim!
O tempo da Quaresma nos é oferecido, precisamente, como uma
ocasião para nos colocarmos mais na escuta da Palavra de Deus que Se fez carne.
Possamos aproveitar para aprofundar o nosso silêncio interior, tornando-nos
mais atentos ao que Jesus quer dizer a cada um de nós.
E agora, ao celebrar a Eucaristia, Jesus nos dá o seu corpo
e o seu sangue, para que de certa forma possamos saborear já aqui na terra a
situação final, quando os nossos corpos mortais forem transfigurados à imagem
do corpo glorioso de Cristo.
Como Pedro, Tiago e João, também nós somos convidados a
subir ao Monte Tabor juntamente com Jesus, e a nos deixar deslumbrar pela Sua
glória. E Maria, que como Abraão esperou contra toda a esperança, nos
ajude a reconhecer em Jesus o Filho de Deus e o Senhor da nossa vida. E
que esta quaresma possa constituir para cada um de nós um momento privilegiado
de graça e possa trazer abundantes frutos de bem.
COMENTÁRIOS DOS TEXTOS BÍBLICOS
Textos: Gn 15, 5-12. 17-18; Flp 3, 17 4,1: Lc 9, 28b-36
Você conhece o poema
“pegadas na areia”? Relata a observação que uma pessoa fazia estando na praia
de que nos momentos mais felizes da sua vida existiam duas pegadas na areia: as
do Senhor e as suas. Deus estava presente nos momentos de felicidade. Mas… que
decepção! Nos momentos de dificuldade, a mesma pessoa notava que só existia uma
pegada na areia. Ao perguntar ao Senhor o porquê daquilo, Deus lhe respondeu
que nos momentos mais difíceis Ele a segurava nos braços sem que ela mesma
percebesse isso. Surpresa maior ainda: as pegadas eram do Senhor!
Escuta-se neste domingo
em toda a Igreja o trecho do Evangelho que relata a transfiguração do Senhor.
Ao olharmos um pouco o contexto, observamos que Jesus tinha anunciado aos seus
que “é necessário que o Filho do homem padeça muitas coisas, seja rejeitado
pelos anciãos, pelos príncipes dos sacerdotes e pelos escribas. É necessário
que seja levado à morte e ressuscite ao terceiro dia” (Lc 9,22); que ele tinha
falado também que se alguém o quisesse seguir que tomasse a cruz (cf. Lc
9,23-24); por outro lado, os discípulos esperavam um messias político que
vencesse pela força de um exército dominador o poder dos romanos, de cujo jugo
desejavam ver-se livres.
Tendo em conta tudo
isso, podemos dizer que os discípulos encontravam-se bastante desnorteados e
até mesmo desanimados. A transfiguração do Senhor é um consolo. De fato, dizia
São Leão Magno que “o fim principal da transfiguração foi desterrar das almas
dos discípulos o escândalo da Cruz”; trata-se de uma “gota de mel” no meio dos
sofrimentos. A transfiguração ficou muito gravada na mente dos três apóstolos
que estavam com Jesus; anos mais tarde São Pedro lembrar-se-ia daquele
maravilhoso acontecimento na sua segunda epístola: “Este é o meu filho muito
amado, em quem tenho posto todo o meu afeto”. Esta mesma voz que vinha do céu
nós a ouvimos quando estávamos com ele no monte santo” (2 Ped 1,17-18).
Ele, Jesus, continua dando-nos o consolo – quando necessário – para
podermos continuar caminhando e para que nunca desistamos. É preciso que
façamos muitos atos de esperança, uma virtude muito importante para todos os
membros desse estado da Igreja que nós chamamos de “militante” ou “peregrina”
Somos os que combatem e somos combatidos; tenhamos, portanto, presente que a
nossa força vem do Senhor, nele nós esperamos.
Vale a pena seguir
alguém que vai morrer na Cruz? Uma pergunta semelhante pôde ter passado pela
mente dos discípulos do Senhor como também pôde ter passado alguma vez pela
nossa, quiçá formulada de outra maneira. No ciclo B, a liturgia nos apresenta o
relato da grande prova ao qual Abraão – o pai de todos os crentes – é submetido
(cf. Gn 22). O relato faz parte das assim chamadas “tradições patriarcais” (Gn
12-36). A prova pela qual Abraão passa é dramática: sacrificar Isaac, seu filho
amado e, ademais, filho da promessa.
Muitas vezes, também nós
passamos por provas espirituais difíceis: parece que Deus não me ouve, que ele
está longe de mim, não liga para mim, muda de planos e que “não está nem aí”
para os meus planos. Os discípulos de Jesus têm uma sensação semelhante diante
do anúncio da Paixão e do seguimento exigido por Jesus: encontravam-se diante
de um projeto que eles não tinham imaginado. E agora, vale a pena? Vale a pena,
Abraão? Vale a pena, discípulos de Cristo? Você que lê esse texto: vale a pena?
Hoje em dia, você e eu só estamos no serviço do Senhor porque aqueles primeiros
viram que valia a pena e porque livremente vimos, nós também, que vale a pena.
Os discípulos da
transfiguração são os mesmos do Monte das Oliveiras, os da alegria são também
os da agonia. É preciso acompanhar o Senhor em suas alegrias e em suas dores.
As alegrias preparam-nos para o sofrimento e o sofrimento por e com Jesus
dá-nos alegria. Os discípulos, que estavam desanimados diante do Mistério da
Cruz, são consolados por Jesus na transfiguração e preparados para os
acontecimentos vindouros, como, por exemplo, o terrível sofrimento que Ele
padecerá no Getsêmani. Vale a pena segui-lo? Certamente.
Animemo-nos mutuamente!
A nossa pátria é o céu. Para o povo de Israel estar em qualquer lugar que não
fosse Jerusalém era estar exilado, fora da pátria; para o cristão, todo este
mundo é um exílio, já que a sua pátria é o céu, para lá se encaminha. Mas,
paradoxalmente, qualquer lugar neste mundo é para o cristão uma pátria, pois
sabe que está no mundo que é propriedade do seu Pai do céu. O nosso desejo de
eternidade não anula as nossas responsabilidades para com esse mundo tão amado
por Deus e por cada um de nós. Jesus mesmo mostra aos seus discípulos que deve
ser assim quando, diante da proposta de Pedro para fazerem três tendas no monte
Tabor, desce para continuar junto com eles a sua missão evangelizadora.
Tendo presente o que foi
dito, alguns propósitos concretos para este domingo poderiam ser: trabalhar por
Deus, olhar as tribulações e contrariedades como uma benção santificadora do
Senhor, fazer muitos atos de esperança (“Senhor, eu espero em ti”), pensar
muitas vezes durante o dia que Deus está junto a nós em todos os momentos,
viver na certeza de que nós podemos sempre falar com Deus. Ele é nosso Pai.
PARA REFLETIR
Antes de tudo, duas observações: (1) A Palavra de
Deus, neste Domingo, apresenta-nos um contraste muito forte entre escuridão e
luz: escuridão da noite do Pai Abraão e luz do Cristo transfigurado; (2) chama
atenção, num tempo tão austero como a Quaresma um evangelho tão esfuziante como
o da Transfiguração. Não cairia melhor na Páscoa, este texto? Por que a Igreja
o coloca aqui, no início do tempo quaresmal?
Comecemos pela primeira leitura. Aí, Abraão nos é
apresentado numa profunda crise; Deus tinha lhe prometido uma descendência e
uma terra e, quase vinte e cinco anos após sua saída de seu pátria e de sua
família, o Senhor ainda não lhe dera nada, absolutamente nada! Numa noite
escura, noite da alma, Abraão, não mais se conteve e perguntou: “Meu
Senhor Deus, que me darás?” (Gn 15,2) Deus, então, “conduziu
Abrão para fora e disse-lhe: ‘Olha para o céu e conta as estrelas, se fores
capaz! Assim será a tua descendência!” Deus tira Abraão do seu
mundozinho, de seu modo de ver estreito, da sua angústia, e convida-o a ver e
sentir com os olhos e o coração do próprio Deus. “Abrão teve fé no
Senhor”. Abraão esperou contra toda esperança, creu contra toda
probabilidade, apostando tudo no Senhor, apoiando nele todo seu futuro, todo o
sentido de sua existência! Abraão creu! Por isso Deus o considerou seu
amigo, “considerou isso como justiça!” E, como recompensa Deus
selou uma aliança com nosso Pai na fé: “’Traze-me uma novilha, uma
cabra, um carneiro, além de uma rola e uma pombinha’. Abrão trouxe tudo e
dividiu os animais ao meio. Aves de rapina se precipitaram sobre os cadáveres,
mas Abrão as enxotou. Quando o sol ia se pondo, caiu um sono profundo sobre
Abrão e ele foi tomado de grande e misterioso terror”. Abrão entra em
crise: no meio da noite – noite cronológica, atmosférica; noite no coração de
Abrão – no meio da noite, as aves de rapina ameaçam, e o sono provocado pelo
desânimo e a tristeza, rondam nosso Pai na fé… Deus demora, Deus parece
ausente, Deus parece brincar com Abraão! Tudo é noite, como muitas vezes na
nossa vida e na vida do mundo! Mas, ele persevera, vigia, luta contra as aves
rapineiras e o torpor… E, no meio da noite e da desolação, Deus passa, como uma
tocha luminosa: “quando o sol se pôs e escureceu, apareceu um braseiro
fumegante e uma tocha de fogo… Naquele dia, o Senhor fez aliança com Abrão”. Observemos
o mistério: Deus passou, iluminou a noite; a noite fez-se dia: “Naquele
dia, Deus fez aliança com Abrão!” Abraão, nosso Pai, esperou, creu,
combateu, vigiou e a escuridão fez-se luz, profecia da luz que é Cristo,
cumprimento da aliança prometido pelo Senhor! “O Senhor é minha luz e
salvação; de quem eu terei medo? O Senhor é a proteção da minha vida; perante
quem tremerei?” Eis o cumprimento da Aliança com Abraão: Cristo, que é
luz, Cristo que hoje aparece transfigurado sobre o Tabor!
Fixemos a atenção no evangelho, sejamos atentos aos
detalhes: Jesus estava rezando – “subiu à montanha para rezar” –
e, portanto, aberto para o Pai, disponível, todo orientado para o Senhor Deus:
Cristo subiu para encontrar seu Deus e Pai! E o Pai o transfigura. Sim, o Pai!
Recordemos que é a voz do Pai que sai da nuvem e apresenta Aquele que brilha em
luz puríssima:“Este é o meu Filho, o Escolhido!” E a Nuvem que o
envolve é sinal do Espírito de Deus, aquela mesma glória de Deus que desceu
sobre a Montanha do Sinai (cf. Ex Ex 19,16), sobre a Tenda de Reunião no
deserto (cf. Ex 40,34-38), sobre o Templo, quando foi consagrado (cf. 1Rs
8,10-13) e sobre Maria, a Virgem (cf. Lc 1,35). É no Espírito Santo que o Pai
transfigura o Filho! Na voz, temos o Pai; no Transfigurado, o Filho; na Nuvem
luminosa, o Espírito! E aparecem Moisés e Elias, simbolizando a Lei e os Profetas.
Aqui, não nos percamos em loucas divagações e ignóbeis conclusões, como os
espíritas, que de modo louco, querem provar com este texto que os mortos se
comunicam com os vivos! Trata-se, aqui, de uma visão sobrenatural, não de uma
aparição fantasmagórica e natural! Moisés e Elias, que “estavam
conversando com Jesus… sobre a morte, que Jesus iria sofrer em Jerusalém”.
Aqui é preciso compreender! Um pouco antes – Lucas diz que oito dias antes (cf.
9,28) – Jesus tinha avisado que iria sofrer muito e morrer; os discípulos não
compreendiam tal linguagem! Agora, sobre o monte, eles vêem que a Lei (Moisés)
e os Profetas (Elias) davam testemunho da morte de Jesus, de sua Páscoa! Sua
paixão e morte vão conduzi-lo à glória da Ressurreição, glória que Jesus revela
agora, de modo maravilhoso! Assim, a fé dos discípulos, que dormiam como
Abraão, é fortalecida, como o foi a de Abraão, ao passar a glória do Senhor na
tocha de fogo! A verdadeira tocha, a verdadeira luz que ilumina nossas noites
sombrias e nossas dúvidas tão persistentes é Jesus!
Mas, por que este evangelho logo no início da
Quaresma? Precisamente porque estamos caminhando para a Páscoa: a deste ano e a
da Eternidade. Atravessando a noite desta vida e o combate quaresmal, estamos
em tempo de oração, vigilância e penitência! A Igreja, como Mãe, carinhosa e
sábia, nos anima, revelando-nos qual o nosso objetivo, qual a nossa meta, o
nosso destino: trazer em nós a imagem viva do Cristo ressuscitado,
transfigurado pelo Espírito Santo do Pai. Escutemos São Paulo:“Nós somos
cidadãos do céu. De lá esperamos o nosso Salvador, o Senhor Jesus Cristo. Ele
transformará o nosso corpo humilhado e o tornará semelhante ao seu corpo
glorioso. Assim, meus irmãos, continuai firmes no Senhor!” Compreendem?
Se mantivermos o olhar firme naquilo que nos aguarda – a glória de Cristo –,
teremos força para atravessar a noite desta vida e o combate da Quaresma. Somos
convidados à perseverança de Abraão, ao seu combate na noite, à vigilância e à
esperança, somos convidados a não sermos “inimigos da cruz de Cristo,
que só pensam nas coisas terrenas”, somos convidados a viver de fé, a
combater na fé! Este é o combate da Quaresma, este é o combate da vida: passar
da imagem do homem velho, com seus velhos raciocínios e sentimentos, ao homem
novo, imagem do Cristo glorioso! Se formos fiéis, poderemos celebrar a Páscoa
deste ano mais assemelhados ao Cristo transfigurado pela glória da Ressurreição
e, um dia, seremos totalmente transfigurados à imagem bendita do Filho de Deus,
que com o Pai e o Espírito Santo vive e reina na glória imperecível. Amém!
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