O ateísmo e a dúvida sobre Deus é um fenômeno complexo, resultado na cultura atual de uma série de fatores. Há uma forma de ateismo que tem sua origem na exaltação do ser humano e de sua responsabilidade exclusiva pela sua vida e pela história: “alguns, exaltam de tal modo o homem, que a fé em Deus perde toda a força, e parecem mais inclinados a afirmar o homem do que a negar Deus”( GS 19).
Freud, em “O Futuro de uma Ilusão” – a ilusão é a religião – afirmou a urgência de fundamentar a moral a partir exclusivamente da experiência humana liberta do medo e da insegurança próprias de uma fase infantil da história. Sartre pensou que a ideia de Deus transfere para um outro o peso da responsabilidade de ser livre e de ter construir, a partir da subjetividade, a própria vida. Assim: “Se Deus não existe, não encontramos diante de nós valores ou imposições que nos legitimem o comportamento”. O homem deve criar os valores. Daí deriva uma imensa responsabilidade, carregada de solidão e marcada pela angústia.
Segundo Sartre o ser humano não seria totalmente livre e totalmente responsável. Deus o eximiria da responsabilidade de decidir por si mesmo o caminho de sua vida e, consequentemente, o caminho da vida da humanidade. “...Estamos agora em um plano em que há somente homens. Dostoiewski escreveu: Se Deus não existe, tudo é permitido. Aí se situa o ponto de partida do existencialismo. Com efeito tudo é permitido se DEUS não existe; fica o homem, por conseguinte, abandonado, já que não encontra em si, uma possibilidade a que se apegue. Antes de mais nada não há desculpas para ele”. Note bem o(a) leitor(a) que Sartre não prega a libertinagem, ele quer acentuar a responsabilidade do ser humano ao fazer suas escolhas.
Ao fazer sua escolha o indivíduo está apontando um caminho para toda a humanidade. Outros escritores, com perspectivas diferentes, partilham a ideia de que, sem Deus, o ser humano é mais livre e mais responsável. “Que fazer com uma alma quando não há mais Deus nem Cristo”? “É necessário encontrar agora a harmonia entre o homem e seu pensamento, sem sujeitar o homem a um pensamento dado ‘a priori’ ”(André Malraux). . “...A consciência metafísica e ética morre quando toca o absoluto”( Merleau Ponty).
Um escritor muito inetressante, Albert Camus, diante da impossibilidade de compor Deus com o absurdo da existência humana, opta pela ‘revolta’ em que se procura superar o absurdo – a lógica levaria ao suicídio – pela solidariedade com os seres humanos, uma espécie de compaixão diante do vazio inscrito na existência. É dele a afirmação: “o único problema concreto que hoje me preocupa é saber se o homem pode tornar-se santo sem Deus...Como viver sem a graça é o problema do séc. XX”. Importa observar que esses pensadores sofreram as repercussões de duas estúpidas guerras.
Lembro-me que Bento XVI diante do campo de concentração de Treblinka levantou a pergunta: "Onde estava Deus quando esse horror aconteceu?” Essa pergunta habitou por anos a fio o coração de judeus, muitos também cristãos. Em uma das obras de Albert Camus uma exclamação diante de uma criança morta em um bombardeio, surge espontânea e dolorosa “Vês! E o céu não responde”. Pergunta semelhante brotou dos lábios de Cristo pregado na Cruz: “Meu Deus, Meu Deus, por que me abandonastes?” Jesus experimentou a ausência do Pai, tomado que estava pelo pecado da humanidade. Mas logo depois, no final do salmo 22 (21), vem a descrição da confiança em Deus.
A mensagem desses pensadores pode assim ser traduzida: “Cuidemos do mundo porque Deus - se existe – não virá preencher os vazios de nossa omissões e nem impedir os sofrimentos causados pelos nossos crimes”. Nós, exclusivamente nós, somos os responsáveis pelos males nascidos de nossas escolhas. Devemos trabalhar incansávelmente para encontrar os caminhos da justiça e da paz para nosso mundo.
A fé em Deus não pode se transformar em um tranqüilizante que nos anestesia diante dos males que afligem a humanidade. Pelo contrário, o Deus no qual cremos, ao se fazer homem, assumiu nossos pecados e nossas enfermidades, e ensinou-nos que Ele deve ser encontrado no outro, sobretudo no que sofre. Mas, é preciso dizer: Deus estava nos campos de concentração nazista. Basta conhecer a história de Maximiliano Kolbe, Edith Stein, Viktor Frankl, Pe. José Kentenich e outros que lá souberam encontrar sentido para suas vidas e ajudar os companheiros de sofrimento.
Viktor Frankl, que experimentou a violência dos campos de concentração nazista nos deixou um brilhante pensamento:“O que é, então, um ser humano? É o ser que sempre decide o que ele é. É o ser que inventou as câmaras de gás; mas é também aquele ser que entrou nas câmaras de gás, de pé, com uma oração nos lábios.” Assim foi com a Santa Edith Stein.
Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues
Arcebispo de Sorocaba (SP)
Arcebispo de Sorocaba (SP)
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