quarta-feira, 29 de maio de 2013

O corpo de Deus no código canônico


A lei mais importante da Igreja católica, vale dizer, o código canônico, não poderia deixar de salvaguardar juridicamente o santíssimo sacramento. Inflige-se até mesmo a pena de excomunhão para certas condutas vis relativamente às hóstias consagradas (cânon 1367). Demais, o Título III do Livro IV do código canônico disciplina a administração da eucaristia.

Gostaria de aproveitar esta reflexão e o momento desta solenidade augusta de “Corpus Christi” para sublinhar dois pontos relevantes, que correspondem a situações corriqueiras nalgumas comunidades eclesiais.

O primeiro ponto diz respeito à erronia da nomenclatura “ministro extraordinário da eucaristia”, empregada para designar determinados leigos que assistem o padre na distribuição das espécies santas. Primeiramente, é preciso frisar que não existe a figura do “ministro extraordinário da eucaristia”; só existe o “ministro ordinário da eucaristia”: o bispo ou o padre. Segundamente, há, isto sim, o “ministro ordinário da comunhão” (o bispo, o padre ou o diácono) e o “ministro extraordinário da comunhão”, que são exatamente esses leigos probos, de reputação ilibada, nomeados para coadjuvar o ministro ordinário no momento da comunhão eucarística.


O segundo ponto que tem de ser elucidado toca à obrigação do fiel de comungar ou receber o santíssimo corpo e o santíssimo sangue de nosso Senhor Jesus Cristo. O código canônico é bastante claro: “Todo fiel, depois que recebeu a santíssima eucaristia pela primeira vez, tem a obrigação de receber a sagrada comunhão ao menos uma vez por ano. Esse preceito deve ser cumprido no tempo pascal, a não ser que, por justa causa, se cumpra em outro tempo dentro do ano.” (cânon 920, parágrafos 1.º e 2.º). É óbvio ululante que quem puder, encontrando-se em estado de graça, deve comungar na missa de todo domingo. Por outro lado, se um católico participa da missa dominical, cumprindo, assim, o 3.º mandamento do decálogo, mas não comunga, por um motivo de foro íntimo, que não necessita ser revelado a ninguém, está esse católico em pleno exercício de seus direitos e não deve ser discriminado pela assembleia ou pelo pároco. Não podemos ser mais realistas que o rei! A norma do direito canônico citada acima não dá margens à dúvida.

A teologia do santíssimo sacramento procura equacionar tanto o aspecto do banquete eucarístico (manducação das hóstias consagradas) quanto a nuança do sacrifício. Para alguns estudiosos, esta nuança sacrifical resta um tanto quanto apagada da mente dos participantes da missa. Aliás, o papa emérito trouxe portentosa luz para deslindar esta questão. Ouçamos Bento XVI: “Devemos reaver a consciência de que a eucaristia não é privada de valor se não se recebe a comunhão: nesta percepção, problemas dramaticamente urgentes, como a admissão ao sacramento dos divorciados casados novamente, podem perder muito de seu peso opressivo.”(“A fé em crise?”, p. 99).  


Em dia tão ditoso, apraze-nos findar este artigo com a oitiva de um sermão de pe. Antônio Vieira, SJ, fino teólogo e requintado orador: “A hora em que Cristo instituiu o sacramento [a eucaristia] era já a primeira ou segunda da noite. E o que é que veem os nossos olhos neste hemisfério? Veem que, ausentando-nos o Sol [Cristo] de nós, por uma presença sua de que nos priva, se nos deixa multiplicado em tantas presenças, quanto é o número sem número das estrelas; porque cada uma delas não é outra coisa, senão um espelho do mesmo sol, em que ele, sendo um só e ausente, se nos torna a fazer presente, multiplicado tantas vezes e em tantos lugares, quantos são, desde o oriente ao poente, e desde o setentrião ao meio-dia, os de todo o mundo que vemos. Isto mesmo é que fez o nosso divino sol, Cristo, sacramentando seu sacratíssimo corpo. Ausentou-se de nós, segundo a presença natural; mas por esta presença se deixou conosco em tantas outras, quantos são os lugares e altares de todo o mundo, em que verdadeira e realmente sendo um só, e o mesmo, está multiplicado no sacramento.”
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Fonte: Zenit

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