domingo, 15 de setembro de 2013

Instrução sobre alguns aspectos da Teologia da Libertação


CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ
LIBERTATIS NUNTIUS

INSTRUÇÃO SOBRE ALGUNS ASPECTOS 
DA TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO



INTRODUÇÃO

O Evangelho de Jesus Cristo é mensagem de liberdade e força de libertação. Esta verdade essencial tornou-se, nos últimos anos, objeto da reflexão dos teólogos, com uma nova atenção que, em si mesma, é rica de promessas.

A libertação é antes de tudo e principalmente libertação da escravidão radical do pecado. Seu objetivo e seu termo é a liberdade dos filhos de Deus, que é dom da graça. Ela exige, por uma conseqüência lógica, a libertação de muitas outras escravidões, de ordem cultural, econômica, social e política, que, em última análise, derivam todas do pecado e constituem outros tantos obstáculos que impedem os homens de viver segundo a própria dignidade. Discernir com clareza o que é fundamental e o que faz parte das conseqüências é condição indispensável para uma reflexão teológica sobre a libertação.

Na verdade, diante da urgência dos problemas, alguns são levados a acentuar unilateralmente a libertação das escravidões de ordem terrena e temporaldando a impressão de relegar ao segundo plano a libertação do pecado e, portanto, de não lhe atribuir praticamente a importância primordial que lhe compete. A apresentação dos problemas por eles proposta torna-se, por isso, confusa e ambígua. Outros, com a intenção de chegar a um conhecimento mais exato das causas das escravidões que desejam eliminar, servem-se, sem a suficiente precaução crítica, de instrumentos de pensamento que é difícil, e até mesmo impossível, purificar de uma inspiração ideológica incompatível com a fé cristã e com as exigências éticas que dela derivam.


A Congregação para a Doutrina da Fé não pretende tratar aqui o vasto tema da liberdade cristã e da libertação em si mesmo. Propõe-se a fazê-lo num documento posterior, no qual porá em evidência, de maneira positiva, toda a sua riqueza, tanto para a doutrina como para a prática.

A presente Instrução tem uma finalidade mais precisa e mais limitada: quer chamar a atenção dos Pastores, dos teólogos e de todos os fiéis para os desvios e perigos de desvios, prejudiciais à fé e à vida cristã, inerentes a certas formas da teologia da libertação que usam, de maneira insuficientemente crítica, conceitos assumidos de diversas correntes do pensamento marxista.

Esta advertência não deve, de modo algum, ser interpretada como uma desaprovação de todos aqueles que querem responder generosamente e com autêntico espírito evangélico à"opção preferencial pelos pobres". Nem pode, de maneira alguma, servir de pretexto para aqueles que se refugiam numa atitude de neutralidade e de indiferença diante dos trágicos e urgentes problemas da miséria e da injustiça. Pelo contrário, é ditada pela certeza de que os graves desvios ideológicos que ela aponta levam inevitavelmente a trair a causa dos pobres. Mais do que nunca, convém que grande número de cristãos, com uma fé esclarecida e decididos a viver a vida cristã na sua totalidade, se empenhem, por amor a seus irmãos deserdados, oprimidos ou perseguidos, na luta pela justiça, pela liberdade e pela dignidade humana. Hoje mais do que nunca, a Igreja propõe-se a condenar os abusos, as injustiças e os atentados à liberdade, onde quer que eles aconteçam e quaisquer que sejam seus autores, e lutar, com os seus próprios meios, pela defesa e promoção dos direitos do homem, especialmente na pessoa dos pobres.

I - UMA ASPIRAÇÃO

1. A poderosa e quase irresistível aspiração dos povos à libertação constitui um dos principais sinais dos tempos que a Igreja deve perscrutar e interpretar à luz do Evangelho. Este fenômeno marcante de nossa época tem uma amplidão universal; manifesta-se, porém, em formas e em graus diferentes, conforme os povos. É, sobretudo entre os povos que experimentam o peso da miséria e entre as camadas deserdadas que esta aspiração se exprime com vigor.

2. Esta aspiração traduz a percepção autêntica, ainda que obscura, da dignidade do homem, criado "à imagem e semelhança de Deus" (Gn1, 26-27), rebaixada e menosprezada por múltiplas opressões culturais, políticas, raciais, sociais e econômicas, que muitas vezes se acumulam.

3. Ao revelar-lhes a sua vocação de filhos de Deus, o Evangelho suscitou no coração dos homens a exigência e a vontade positiva de uma vida fraterna, justa e pacífica, na qual cada pessoa possa encontrar o respeito e as condições da sua auto-realização espiritual e material. Esta exigência encontra-se, sem dúvida, na raiz da aspiração de que falamos.

4. Por conseqüência, o homem já não está disposto a sujeitar-se passivamente ao peso esmagador da miséria, com suas seqüelas de morte, doença e depauperamento. Sente profundamente esta miséria como uma intolerável violação da sua dignidade original. Muitos fatores, entre os quais é preciso incluir o fermento evangélico, contribuíram para o despertar da consciência dos oprimidos.

5. Já não se ignora, mesmo nos segmentos da população ainda dominados pelo analfabetismo, que, graças ao maravilhoso progresso das ciências e das técnicas, a humanidade, em constante crescimento demográfico, seria capaz de assegurar a cada ser humano um mínimo de bens exigidos pela sua dignidade de pessoa.

6. O escândalo das gritantes desigualdades entre ricos e pobres - quer se trate de desigualdades entre países ricos e países pobres, ou de desigualdades entre camadas sociais dentro de um mesmo território nacional - já não é tolerado. De um lado, atingiu-se uma abundância jamais vista até agora, que favorece o desperdício; e, de outro lado, vive-se ainda numa situação de indigência, marcada pela privação dos bens de primeira necessidade, de modo que já não se conta mais o número das vítimas da subnutrição.

7. A falta de eqüidade e de sentido de solidariedade nos intercâmbios internacionais reverte de tal modo em benefício dos países industrializados, que a distância entre ricos e pobres aumenta sem cessar. Daí o sentimento de frustração, entre os povos do Terceiro Mundo, e a acusação de exploração e de colonialismo econômico lançada contra os países industrializados.

8. A recordação dos estragos causados por um certo tipo de colonialismo e de suas conseqüências aviva muitas vezes feridas e traumatismos.

9. A Sé Apostólica, na linha do Concílio Vaticano II, bem como as Conferências Episcopais, não têm cessado de denunciar o escândalo que constitui a gigantesca corrida armamentista que, além das ameaças que faz pesar sobre a paz, absorve enormes somas, uma parcela das quais seria suficiente para acudir às necessidades mais urgentes das populações privadas do necessário.

II – EXPRESSÕES DESTA ASPIRAÇÃO

1. A aspiração pela justiça e pelo reconhecimento efetivo da dignidade de cada ser humano, como qualquer outra aspiração profunda, exige ser esclarecida e orientada.

2. Com efeito, é um dever usar de discernimento acerca das expressões, teóricas e práticas, desta aspiração. Pois existem numerosos movimentos políticos e Sociais que se apresentam como porta-vozes autênticos da aspiração dos pobres e como habilitados, mesmo com o recurso a meios violentos, a realizar as transformações radicais que poriam fim à opressão e à miséria do povo.

3. Deste modo, a aspiração pela justiça encontra-se muitas vezes prisioneira de ideologias que ocultam ou pervertem o seu sentido, propondo à luta dos povos para a sua libertação objetivos que se opõem à verdadeira finalidade da vida humana e pregando meios de ação que implicam o recurso sistemático à violência, contrários a uma ética que respeite as pessoas.

4. A interpretação dos sinais dos tempos à luz do Evangelho exige, pois, que se perscrute o sentido da aspiração profunda dos povos pela justiça, mas, ao mesmo tempo, que se examinem, com um discernimento crítico, as expressões teóricas e práticas que são componentes desta aspiração.

III - A LIBERTAÇÃO, TEMA CRISTÃO

1. Considerada em si mesma, a aspiração pela libertação não pode deixar de encontrar eco amplo e fraterno no coração e no espírito dos cristãos.

2. Assim, em consonância com esta aspiração, nasceu o movimento teológico e pastoral conhecido pelo nome de "teologia da libertação":num primeiro momento nos países da América Latina, marcados pela herança religiosa e cultural do cristianismo; em seguida, nas outras regiões do Terceiro Mundo, bem como em alguns ambientes dos países industrializados.

3. A expressão "teologia da libertação" designa primeiramente uma preocupação privilegiada, geradora de compromisso pela justiça,voltada para os pobres e para as vítimas da opressão. A partir desta abordagem podem-se distinguir diversas maneiras, freqüentemente inconciliáveis, de conceber a significação cristã da pobreza e o tipo de compromisso pela justiça que ela exige. Como todo movimento de idéias, as "teologias da libertação" englobam posições teológicas diversificadas; suas fronteiras doutrinais são mal definidas.

4. A aspiração pela libertação, como o próprio termo indica, refere-se a um tema fundamental do Antigo e do Novo Testamento. Por isso,tomada em si mesma a expressão "teologia da libertação" é uma expressão perfeitamente válida: designa, neste caso, uma reflexão teológica centrada no tema bíblico da libertação e da liberdade e na urgência de suas incidências práticas. A convergência entre as aspiração pela libertação e as teologias da libertação não é pois fortuita. O significado desta convergência não pode ser compreendido corretamente senão à luz da especificidade da mensagem da Revelação, autenticamente interpretada pelo Magistério da Igreja.

IV - FUNDAMENTOS BÍBLICOS

1. Uma teologia da libertação corretamente entendida constitui, pois, um convite aos teólogos a aprofundar certos temas bíblicos essenciais, com o espírito atento às graves e urgentes questões que a atual aspiração pela libertação e os movimentos de libertação, eco mais ou menos fiel dessa aspiração, põem à Igreja. Não é possível esquecer, por um só instante, as situações de dramática miséria de onde brota a interpelação assim lançada aos teólogos.

2. A experiência radical da liberdade cristã constitui aqui o primeiro ponto de referência. Cristo, nosso Libertador, libertou-nos do pecado e da escravidão da lei e da carne, que constitui a marca da condição do homem pecador. É, pois, a vida nova da graça, fruto da justificação, que nos torna livres. Isto significa que a mais radical das escravidões é a escravidão do pecado. As demais formas de escravidão encontram, pois, na escravidão do pecado, a sua raiz mais profunda. É por isso que liberdade, no pleno sentido cristão, caracterizada pela vida no Espírito, não pode ser confundida com a licença de ceder aos desejos da carne. Ela é vida nova na caridade.

3. As "teologias da libertação" recorrem amplamente à narração do Livro do Êxodo. Este constitui, de fato, o acontecimento fundamental na formação do povo eleito. É preciso não perder de vista, contudo, que a significação específica do acontecimento provém de sua finalidade, já que esta libertação está orientada para a constituição do povo de Deus e para o culto da Aliança celebrado no Monte Sinai.
Por isso, a libertação do Êxodo não pode ser reduzida a uma libertação de natureza prevalentemente ou exclusivamente política. É significativo, de resto, que o termo libertação seja às vezes substituído na Sagrada Escritura pelo outro, muito semelhante, de redenção.

4. Jamais se apagará da memória de Israel o episódio que originou o Êxodo. Ele é o ponto de referência quando, após a destruição de Jerusalém e o exílio de Babilônia, o povo eleito vive na esperança de uma nova libertação e, para além dessa, na expectativa de uma libertação definitiva. Nessa experiência, Deus é reconhecido como o Libertador. Ele estabelecerá com seu povo uma nova Aliança, marcada pelo dom do seu Espírito e pela conversão dos corações.

5. As múltiplas angústias e desgraças experimentadas pelo homem fiel ao Deus da Aliança servem de tema para diversos salmos:lamentações, pedidos de socorro, ações de graças referem-se à salvação religiosa e à libertação. Nesse contexto, a desgraça não se identifica pura e simplesmente com uma condição social de miséria ou com a sorte de quem sofre opressão política. Ela inclui também a hostilidade dos inimigos, a injustiça, a morte e a culpa. Os salmos nos remetem a uma experiência religiosa essencial: somente de Deus se espera a salvação e o remédio. Deus, e não o homem, tem o poder de mudar as situações de angústia. Assim, os "pobres do Senhor" vivem numa dependência total e confiante na providência amorosa de Deus. Aliás, durante toda a travessia do deserto, o Senhor nunca deixou de prover à libertação e à purificação espirituais de seu povo.

6. No Antigo Testamento, os profetas, desde Amós, não cessam de recordar, com particular vigor, as exigências da justiça e da solidariedade e de formular um juízo extremamente severo sobre os ricos que oprimem o pobre. Tomam a defesa da viúva e do órfão.Proferem ameaças contra os poderosos: a acumulação de iniquidade acarretará necessariamente terríveis castigos. Isto porque não se concebe a fidelidade à Aliança sem a prática da justiça. A justiça em relação a Deus e a justiça em relação aos homens são inseparáveis.Deus é o defensor e o libertador do pobre.

7. Semelhantes exigências encontram-se também no Novo Testamento. Ali são até radicalizadas, como demonstra o discurso das Bem-aventuranças. Conversão e renovação devem operar-se no mais íntimo do coração.

8. Já anunciado no Antigo Testamento, o mandamento do amor fraterno estendido a todos os homens constitui agora a suprema norma da vida social. Não há discriminações ou limites que possam opor-se ao reconhecimento de todo e qualquer homem como o próximo.

9. A pobreza por amor ao Reino é exaltada. E na figura do pobre somos levados a reconhecer a imagem e como que a presença misteriosa do Filho de Deus que se fez pobre por nosso amor. Este é o fundamento das inexauríveis palavras de Jesus sobre o Juízo, em Mt 25,31-46. Nosso Senhor é solidário com toda desgraça; toda desgraça leva a marca de sua Presença.

10. Contemporaneamente, as exigências da justiça e da misericórdia, já enunciadas no Antigo Testamento, são aprofundadas a ponto de revestirem no Novo Testamento uma significação nova. Aqueles que sofrem ou são perseguidos são identificados com Cristo. A perfeição que Jesus exige de seus discípulos (Mt 5,18) consiste no dever de serem misericordiosos "como vosso Pai é misericordioso" (Lc 6,36).

11. É à luz da vocação cristã ao amor fraterno e à misericórdia que os ricos são severamente admoestados para que cumpram o seu dever.  São Paulo, perante as desordens na Igreja de Corinto, acentua vigorosamente a ligação que existe entre tomar parte no sacramento do amor e repartir o pão com o irmão que se encontra em necessidade.

12. A Revelação do Novo Testamento nos ensina que o pecado é o mal mais profundo, que atinge o homem no cerne da sua personalidade. A primeira libertação, ponto de referência para as demais, é a do pecado.

13. Se o Novo Testamento se abstém de exigir previamente, como pressuposto para a conquista desta liberdade, uma mudança da condição política e social, é, sem dúvida, para salientar o caráter radical da emancipação trazida por Cristo, oferecida a todos os homens, sejam eles livres ou escravos politicamente. Contudo, a Carta a Filemon mostra que a nova liberdade, trazida pela graça de Cristo, deve necessariamente ter repercussão também no campo social.

14. Não se pode, portanto, restringir o campo do pecado, cujo primeiro efeito é o de introduzir a desordem na relação entre o homem e Deus, àquilo que se denomina "pecado social". Na verdade, só uma adequada doutrina sobre o pecado permitirá insistir sobre a gravidade de seus efeitos sociais.

15. Não se pode tampouco situar o mal unicamente ou principalmente nas "estruturas" econômicas, sociais ou políticas, como se todos os outros males derivassem destas estruturas como de sua causa: neste caso, a criação de um "homem novo" dependeria da instauração de estruturas econômicas e sócio-políticas diferentes. Há, certamente, estruturas iníquas e geradoras de iniqüidade, e é preciso ter a coragem de mudá-las. Fruto da ação do homem, as estruturas boas ou más são conseqüências antes de serem causas. A raiz do mal se encontra, pois, nas pessoas livres e responsáveis, que devem ser convertidas pela graça de Jesus Cristo, para viver e agir como criaturas novas, no amor ao próximo, na busca eficaz da justiça, do autodomínio e do exercício das virtudes.

Ao estabelecer como primeiro imperativo a revolução radical das relações sociais e ao criticar, a partir desta posição, a busca da perfeição pessoal, envereda-se pelo caminho da negação do sentido da pessoa e de sua transcendência, e destroem-se a ética e o seu fundamento,que é o caráter absoluto da distinção entre o bem e o mal. Ademais, sendo a caridade o princípio da autêntica perfeição, esta não pode ser concebida sem abertura aos outros e sem espírito de serviço.

V - A VOZ DO MAGISTÉRIO

1. Para responder ao desafio lançado à nossa época pela opressão e pela fome, o Magistério da Igreja, com a preocupação de despertar as consciências cristãs para o sentido da justiça, da responsabilidade social e da solidariedade para com os pobres e os oprimidos, relembra repetidamente a atualidade e a urgência da doutrina e dos imperativos contidos na Revelação.

2. Limitamo-nos a mencionar aqui apenas algumas destas intervenções: os pronunciamentos pontifícios mais recentes, Mater et Magistra e Pacem in terrisPopulorum progressio e Evangelii nuntiandi. Mencionemos ainda a carta ao Cardeal Roy, Octogesima adveniens.

3. O Concílio Vaticano II, por sua vez, tratou as questões da justiça e da liberdade na Constituição pastoral Gaudium et spes.

4. O Santo Padre insistiu em diversas oportunidades neste tema, particularmente nas encíclicas Redemptor hominisDives in Misericordiae Laborem exercens. As numerosas intervenções que relembram a doutrina dos direitos do homem tocam diretamente nos problemas da libertação da pessoa humana diante dos diversos tipos de opressão de que é vítima. É preciso citar, especialmente neste contexto, o discurso proferido diante da XXXVI Assembléia geral da ONU, em Nova Iorque, no dia 2 de outubro de 1979. No dia 28 de janeiro do mesmo ano, João Paulo II, ao abrir a Terceira Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, em Puebla, havia recordado que a verdade completa sobre o homem é a base da verdadeira libertação. Este texto constitui um documento de referência direta para a teologia da libertação.

5. Por duas vezes, em 1971 e 1974, o Sínodo dos Bispos tratou de temas que se referem diretamente à concepção cristã da libertação: o tema da justiça no mundo e o tema da relação entre a libertação das opressões e a libertação integral ou a salvação do homem. Os trabalhos dos Sínodos de 1971 e de 1974 levaram Paulo VI a esclarecer, na Exortação apostólica Evangelii nuntiandi, a relação que existe entre a evangelização e a libertação ou a promoção humana.

6. A preocupação da Igreja pela libertação e pela promoção humana traduziu-se também no fato da constituição da Pontifícia Comissão Justiça e Paz.

7. Numerosos episcopados, de acordo com a Santa Sé, têm lembrado também eles a urgência e os caminhos para uma autêntica libertação humana. Neste contexto convém fazer menção especial dos documentos das Conferências Gerais do Episcopado Latino-Americano de Medelím, em 1968, e de Puebla, em 1979. Paulo VI esteve presente na abertura de Medelím, João Paulo II na de Puebla. Ambos os Papas trataram do tema da conversão e da libertação.

8. Seguindo as pegadas de Paulo VI, insistindo na especificidade da mensagem do Evangelho, especificidade que deriva da sua origem divina, João Paulo II, no discurso de Puebla, lembrou quais são os três pilares sobre os quais deve assentar uma autêntica teologia da libertação: a verdade sobre Jesus Cristo, a verdade sobre a Igreja e a verdade sobre o homem .

VI - UMA NOVA INTERPRETAÇÃO DO CRISTIANISMO

1. Não se pode esquecer a ingente soma de trabalho desinteressado realizado por cristãos, pastores, sacerdotes, religiosos e leigos que, impelidos pelo amor a seus irmãos que vivem em condições desumanas, se esforçam por prestar auxílio e proporcionar alívio aos inumeráveis males que são frutos da miséria. Entre eles, alguns se preocupam por encontrar os meios eficazes que permitam pôr fim, o mais depressa possível, a uma situação intolerável.

2. O zelo e a compaixão, que devem ocupar um lugar no coração de todos os pastores, correm por vezes o risco de se desorientar ou de serem desviados para iniciativas não menos prejudiciais ao homem e à sua dignidade do que a própria miséria que se combate, se não se prestar suficiente atenção a certas tentações.

3. O sentimento angustiante da urgência dos problemas não pode levar a perder de vista o essencial, nem fazer esquecer a resposta de Jesus ao Tentador (Mt 4,4): "Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus" (Dt 8,3). Assim, sucede que alguns, diante da urgência de repartir o pão, são tentados a colocar entre parênteses e a adiar para amanhã a evangelização: primeiro o pão, a palavra mais tarde. É um erro fatal separar as duas coisas, até chegar a opô-las. O senso cristão, aliás, espontaneamente sugere a muitos que façam uma e outra.

4. A alguns parece até que a luta necessária para obter justiça e liberdade humanas, entendidas no sentido econômico e político, constitua o essencial e a totalidade da salvação. Para estes, o Evangelho se reduz a um evangelho puramente terrestre.

5. É em relação à opção preferencial pelos pobres, reafirmada com vigor e sem meios termos, após Medelín, na Conferência de Puebla, de um lado, e à tentação de reduzir o Evangelho da salvação a um evangelho terrestre, de outro lado, que se situam as diversas teologias da libertação.

6. Lembremos que a opção preferencial, definida em Puebla, é dupla: pelos pobres e pelos jovens. É significativo que a opção pela juventude seja, de maneira geral, totalmente silenciada.

7. Dissemos acima (cf. IV, 1) que existe uma autêntica "teologia da libertação", aquela que lança raízes na Palavra de Deus, devidamente interpretada.

8. Mas sob um ponto de vista descritivo, convém falar das teologias da libertação, pois a expressão abrange posições teológicas, ou até mesmo ideológicas, não apenas diferentes, mas até, muitas vezes, incompatíveis entre si.

9. No presente documento, tratar-se-á somente das produções daquela corrente de pensamento que, sob o nome de "teologia da libertação", propõe uma interpretação inovadora do conteúdo da fé e da existência cristã, interpretação que se afasta gravemente da fé da Igreja, mais ainda, constitui uma negação prática dessa fé.

10. Conceitos tomados por empréstimo, de maneira a crítica, à ideologia marxista e o recurso a teses de uma hermenêutica bíblica marcada pelo racionalismo encontram-se na raiz da nova interpretação, que vem corromper o que havia de autêntico no generoso empenho inicial em favor dos pobres.

VII - A ANÁLISE MARXISTA

1. A impaciência e o desejo de ser eficazes levaram alguns cristãos, perdida a confiança em qualquer outro método, a voltarem-se para aquilo que chamam de "análise marxista".

2. Seu raciocínio é o seguinte: uma situação intolerável e explosiva exige uma ação eficaz que não pode mais ser adiada. Uma ação eficaz supõe uma analise científica das causas estruturais da miséria. Ora, o marxismo aperfeiçoou um instrumental para semelhante análise. Bastará, pois, aplicá-lo à situação do Terceiro Mundo e, especialmente, à situação da América Latina.

3. Que o conhecimento científico da situação e dos possíveis caminhos de transformação social seja o pressuposto de uma ação capaz de levar aos objetivos prefixados, é evidente. Vai nisto um sinal de seriedade no compromisso.

4. O termo "científico", porém, exerce uma fascinação quase mítica; nem tudo o que ostenta a etiqueta de científico o é necessariamente. Por isso, tomar emprestado um método de abordagem da realidade é algo que deve ser precedido de um exame crítico de natureza epistemológica. Ora, este prévio exame crítico falta a várias "teologias da libertação".

5. Nas ciências humanas e sociais, convém estar atento antes de tudo à pluralidade de métodos e de pontos de vista, cada um dos quais põe em evidência um só aspecto da realidade; esta, em virtude de sua complexidade, escapa a uma explicação unitária e unívoca.

6. No caso do marxismo, tal como se pretende utilizar na conjuntura de que falamos, tanto mais se impõe a crítica prévia, quanto o pensamento de Marx constitui uma concepção totalizante do mundo, na qual numerosos dados de observação e de análise descritiva são integrados numa estrutura filosófico-ideológica, que determina a significação e a importância relativa que se lhes atribui. Os a priori ideológicos são pressupostos para a leitura da realidade social. Assim, a dissociação dos elementos heterogêneos que compõem este amálgama epistemologicamente híbrido torna-se impossível, de modo que, acreditando aceitar somente o que se apresenta como análise, se é forçado a aceitar, ao mesmo tempo, a ideologia. Por isso, não é raro que sejam os aspectos ideológicos que predominem nos empréstimos que diversos "teólogos da libertação" pedem aos autores marxistas.

7. A advertência de Paulo VI continua ainda hoje plenamente atual: através do marxismo, tal como é vivido concretamente, podem-se distinguir diversos aspectos e diversas questões propostas à reflexão e à ação dos cristãos. Entretanto, "seria ilusório e perigoso chegar ao ponto de esquecer o vínculo estreito que os liga radicalmente, aceitar os elementos da análise marxista sem reconhecer suas relações com a ideologia, entrar na prática da luta de classes e de sua interpretação marxista sem tentar perceber o tipo de sociedade totalitária à qual este processo conduz".

8. É verdade que desde as origens, mais acentuadamente, porém, nestes últimos anos, o pensamento marxista se diversificou, dando origem a diversas correntes que divergem consideravelmente entre si. Na medida, porém, em que se mantêm verdadeiramente marxistas, estas correntes continuam a estar vinculadas a um certo número de teses fundamentais que não são compatíveis com a concepção cristã do homem e da sociedade. Neste contexto, certas fórmulas não são neutras, mas conservam a significação que receberam na doutrina marxista original. É o que acontece com a "luta de classes". Esta expressão continua impregnada da interpretação que Marx lhe deu e não poderia,por conseguinte, ser considerada como um equivalente, de caráter empírico, da expressão "conflito social agudo". Aqueles que se servem de semelhantes fórmulas, pretendendo reter apenas certos elementos da análise marxista, que de resto seria rejeitada na sua globalidade,alimentam pelo menos um grave mal-entendido no espírito de seus leitores.

9. Lembremos que o ateísmo e a negação da pessoa humana, de sua liberdade e de seus direitos encontram-se no centro da concepção marxista. Esta contém de fato erros que ameaçam diretamente as verdades de fé sobre o destino eterno das pessoas. Ainda mais: querer integrar na teologia uma "análise" cujos critérios de interpretação dependam desta concepção atéia significa embrenhar-se em desastrosas contradições. O desconhecimento da natureza espiritual da pessoa, aliás, leva a subordiná-la totalmente à coletividade e, deste modo, a negar os princípios de uma vida social e política em conformidade com a dignidade humana.

10. O exame crítico dos métodos de análise tomados de outras disciplinas impõe-se de maneira particular ao teólogo. É a luz da fé que fornece à teologia seus princípios. Por isso, a utilização, por parte dos teólogos, de elementos filosóficos ou das ciências humanas tem um valor "instrumental" e deve ser objeto de um discernimento crítico de natureza teológica. Em outras palavras, o critério final e decisivo da verdade não pode ser, em última análise, senão um critério teológico. É à luz da fé, e daquilo que ela nos ensina sobre a verdade do homem e sobre o sentido último de seu destino, que se deve julgar da validade ou do grau de validade daquilo que as outras disciplinas propõem, de resto, muitas vezes à maneira de conjectura, como sendo verdades sobre o homem, sobre a sua história e sobre o seu destino.

11. Aplicados à realidade econômica, social e política de hoje, certos esquemas de interpretação tomados de correntes do pensamento marxista podem apresentar, à primeira vista, alguma verossimilhança na medida em que a situação de alguns países oferece analogias com aquilo que Marx descreveu e interpretou, em meados do século passado. Tomando por base estas analogias, operam-se simplificações que,abstraindo de fatores essenciais específicos, impedem, de fato, uma análise verdadeiramente rigorosa das causas da miséria, mantêm as confusões.

12. Em certas regiões da América Latina, a monopolização de grande parte das riquezas por uma oligarquia de proprietários desprovidos de consciência social, a quase ausência ou as carências do estado de direito, as ditaduras militares que conculcam os direitos elementares do homem, o abuso do poder por parte de certos dirigentes, as manobras selvagens de um certo capital estrangeiro, constituem outros tantos fatores que alimentam um violento sentimento de revolta junto àqueles que, deste modo, se consideram vítimas impotentes de um novo colonialismo de cunho tecnológico, financeiro, monetário ou econômico. A tomada de consciência das injustiças é acompanhada por um pathos que pede muitas vezes emprestado ao marxismo seu discurso, apresentado abusivamente como sendo um discurso "científico".

13. A primeira condição para uma análise é a total docilidade à realidade que se pretende descrever. Por isso, uma consciência crítica deve acompanhar o uso das hipóteses de trabalho que se adotam. É necessário saber que elas correspondem a um ponto de vista particular, o que tem por conseqüência inevitável sublinhar unilateralmente certos aspectos do real, deixando outros na sombra. Esta limitação, que deriva da natureza das ciências sociais, é ignorada por aqueles que, à guisa de hipóteses reconhecidas como tais, recorrem a uma concepção totalizante, como é o pensamento de Marx.

VIII - SUBVERSÃO DO SENSO DA VERDADE E VIOLÊNCIA

1. Esta concepção totalizante impõe assim a sua lógica e leva as "teologias da libertação" a aceitar um conjunto de posições incompatíveis com a visão cristã do homem. Com efeito, o núcleo ideológico, tomado do marxismo e que serve de ponto de referência, exerce a função de principio determinante. Este papel lhe é confiado em virtude da qualificação de científico, quer dizer, de necessariamente verdadeiro, que lhe é atribuída. Neste núcleo, podem-se distinguir diversos componentes.

2. Na lógica do pensamento marxista, a "análise" não é dissociável da práxis e da concepção da história à qual esta práxis está ligada. A análise é, pois, um instrumento de crítica e a crítica não passa de uma etapa do combate revolucionário. Este combate é o da classe do proletariado investido de sua missão histórica.

3. Em conseqüência, somente quem participa deste combate pode fazer uma análise correta.

4. A consciência verdadeira é, pois, uma consciência "partidarista". Pelo que se vê, é a própria concepção da verdade que aqui está em causa e que se encontra totalmente subvertida: não existe verdade - afirma-se - a não ser na e pela práxis "partidarista".

5. A práxis e a verdade que dela deriva são práxis e verdade partidaristas, porque a estrutura fundamental da história está marcada pela luta de classes. Existe, pois, uma necessidade objetiva de entrar na luta de classes (que é o reverso dialético da relação de exploração que se denuncia). A verdade é a verdade de classe não há verdade senão no combate da classe revolucionária.

6. A lei fundamental da história, que é a lei da luta de classes, implica que a sociedade esteja fundada sobre a violência. À violência que constitui a relação de dominação dos ricos sobre os pobres deverá responder a contra violência revolucionária, mediante a qual esta relação será invertida.

7. A luta de classes é, pois, apresentada como uma lei objetiva e necessária. Ao entrar no seu processo, do lado dos oprimidos, "faz-se" a verdade, age-se "cientificamente". Em conseqüência, a concepção da verdade vai de par com a afirmação da violência necessária e, por isso, com a do amoralismo político. Nesta perspectiva, a referência a exigências éticas, que prescrevam reformas estruturais e institucionais radicais e corajosas, perde totalmente o sentido.

8. A lei fundamental da luta de classes tem um caráter de globalidade e de universalidade. Ela se reflete em todos os domínios da existência,religiosos, éticos, culturais e institucionais. Em relação a esta lei, nenhum destes domínios é autônomo. Em cada um esta lei constitui o elemento determinante.

9. Quando se assumem estas teses de origem marxista é, em particular, a própria natureza da ética que é radicalmente questionada. De fato, o caráter transcendente da distinção entre o bem e o mal, princípio da moralidade, encontram-se implicitamente negado na ótica da luta de classes.

IX - TRADUÇÃO "TEOLÓGICA" DESTE NÚCLEO IDEOLÓGICO

1. As posições aqui expostas encontram-se às vezes enunciadas com todos os seus termos em alguns escritos de "teólogos da libertação".Em outros, elas se deduzem logicamente das premissas colocadas. Em outros ainda, elas são pressupostas em certas práticas litúrgicas(como por exemplo a "Eucaristia" transformada em celebração do povo em luta), embora quem participe destas práticas não esteja plenamente consciente disso. Estamos, pois, diante de um verdadeiro sistema, mesmo quando alguns hesitam em seguir a sua lógica até o fim. Como tal, este sistema é uma perversão da mensagem cristã, como esta foi confiada por Deus à Igreja. Esta mensagem se encontra,pois, posta em xeque, na sua globalidade, pelas "teologias da libertação".

2. Não é o fato das estratificações sociais, com as conexas desigualdades e injustiças, é a teoria da luta de classes como lei estrutural fundamental da história que é recebida por estas "teologias da libertação", na qualidade de princípio. A conclusão a que se chega é que a luta de classes, entendida deste modo, divide a própria Igreja e em função dela se devem julgar as realidades eclesiais. Pretende-se ainda que afirmar que o amor, na sua universalidade, é um meio capaz de vencer aquilo que constitui a lei estrutural primária da sociedade capitalista, seria manter, de má fé, uma ilusão falaz.

3. Dentro desta concepção, a luta de classes é o motor da história. A história torna-se assim uma noção central. Afirmar-se-á que Deus se fez história. Acrescentar-se-á que não existe senão uma única história, na qual já não é preciso distinguir entre história da salvação e história profana. Manter a distinção seria cair no "dualismo". Semelhantes afirmações refletem um imanentismo historicista. Tende-se, deste modo, a identificar o Reino de Deus e o seu advento com o movimento de libertação humana e a fazer da mesma história o sujeito de seu próprio desenvolvimento como processo da auto-redenção do homem por meio de luta de classes. Esta identificação está em oposição com a fé da Igreja, como foi relembrada pelo Concílio Vaticano II.

4. Nesta linha, alguns chegam até ao extremo de identificar o próprio Deus com a história e a definir a fé como "fidelidade à história", o que significa fidelidade comprometida com uma prática política, afinada com a concepção do devir da humanidade concebido no sentido de um messianismo puramente temporal.

5. Por conseguinte, a fé, a esperança e a caridade recebem um novo conteúdo: são "fidelidade à história", "confiança no futuro", "opção pelos pobres". É o mesmo que dizer que são negadas em sua realidade teologal.

6. Desta nova concepção deriva inevitavelmente uma politização radical das afirmações da fé e dos juízos teológicos. Já não se trata somente de chamar a atenção para as conseqüências e incidências políticas das verdades de fé que seriam respeitadas antes de tudo em seu valor transcendente. Toda e qualquer afirmação de fé ou de teologia se vê subordinada a um critério político, que, por sua vez, depende da teoria da luta de classes, como motor da história.

7. Apresenta-se, por conseguinte, o ingresso na luta de classes como uma exigência da própria caridade; denuncia-se como atitude desmobilizadora e contrária ao amor pelos pobres a vontade de amar, de saída, todo homem, qualquer que seja a classe a que pertença, e de ir ao seu encontro pelas vias não-violentas do diálogo e da persuasão. Mesmo afirmando que ele não pode ser objeto de ódio, afirma-se com a mesma força que, pelo fato de pertencer objetivamente ao mundo dos ricos, ele é, antes de tudo, um inimigo de classe a combater.Como conseqüência, a universalidade do amor ao próximo e a fraternidade transformam-se num princípio escatológico que terá valor somente para o "homem novo" que surgirá da revolução vitoriosa.

8. Quanto à Igreja, a tendência é de encará-la simplesmente como uma realidade dentro da história, sujeita ela também às leis que, segundo se pensa, governam o devir histórico na sua imanência. Esta redução esvazia a realidade específica da Igreja, dom da graça de Deus e mistério da fé. Contesta-se, igualmente, que a participação na mesma mesa eucarística de cristãos que, por acaso, pertençam a classes opostas, tenha ainda algum sentido.

9. Na sua significação positiva, a Igreja dos pobres indica a preferência, sem exclusivismo, dada aos pobres, segundo todas as formas de miséria humana, porque eles são os prediletos de Deus. A expressão significa ainda que a Igreja, como comunhão e como instituição, assim como os membros da mesma Igreja, tomam consciência, em nosso tempo, das exigências da pobreza evangélica.

10. Mas as "teologias da libertação", que têm o mérito de haver revalorizado os grandes textos dos profetas e do Evangelho acerca da defesa dos pobres, passam a fazer um amálgama pernicioso entre o pobre da Escritura e o proletariado de Marx. Perverte-se, deste modo, o sentido cristão do pobre e o combate pelos direitos dos pobres transforma-se em combate de classes na perspectiva ideológica da luta de classes. A Igreja dos pobres significa, então, Igreja classista, que tomou consciência das necessidades da luta revolucionária como etapa para a libertação e que celebra esta libertação na sua liturgia.

11. É necessário fazer uma observação análoga a respeito da expressão Igreja do povo. Do ponto de vista pastoral, pode-se entender com essa expressão os destinatários prioritários da evangelização, aqueles para os quais, em virtude de sua condição, se volta primeiro que tudo o amor pastoral da Igreja. É possível referir-se também à Igreja como "povo de Deus", ou seja, como o povo da Nova Aliança realizada em Cristo.

12. As "teologias da libertação", a que aqui nos referimos, porém, entendem por Igreja do povo a Igreja da luta libertadora organizada. O povo assim entendido chega mesmo a tornar-se, para alguns, objeto de fé.

13. A partir de semelhante concepção da Igreja do povo, elabora-se uma crítica das próprias estruturas da Igreja. Não se trata apenas de uma correção fraterna dirigida aos Pastores da Igreja, cujo comportamento não reflita o espírito evangélico de serviço e se apegue a sinais anacrônicos de autoridade que escandalizam os pobres. Trata-se, sim, de pôr em xeque a estrutura sacramental e hierárquica da Igreja, tal como a quis o próprio Senhor. São denunciados na Hierarquia e no Magistério os representantes objetivos da classe dominante, que é preciso combater. Teologicamente, esta Posição equivale a afirmar que o povo é a fonte dos ministérios e, portanto, pode dotar-se de ministros à sua escolha, de acordo com as necessidades de sua missão revolucionária histórica.

X - UMA NOVA HERMENÊUTlCA

1. A concepção partidarista da verdade, que se manifesta na práxis revolucionária de classe, corrobora esta posição. Os teólogos que não compartilham as teses da "teologia da libertação", a hierarquia e sobretudo o Magistério romano são assim desacreditados a priori, como pertencentes à classe dos opressores. A teologia deles é uma teologia de classe. Os argumentos e ensinamentos não merecem, pois, ser examinados em si mesmos, uma vez que refletem simplesmente os interesses de uma classe. Por isso, decreta-se que o discurso deles é, em princípio, falso.

2. Aparece aqui o caráter global e totalizante da "teologia da libertação". Por isso mesmo, deve ser criticada não nesta ou naquela afirmação que ela faz, mas a partir do ponto de vista de classes que ela adota a priori e que nela funciona como princípio hermenêutico determinante.

3. Por causa deste pressuposto classista, torna-se extremamente difícil, para não dizer impossível, conseguir com alguns "teólogos da libertação" um verdadeiro diálogo, no qual o interlocutor seja ouvido e seus argumentos sejam discutidos objetivamente e com atenção. Com efeito, estes teólogos, mais ou menos conscientemente, partem do pressuposto de que o ponto de vista da classe oprimida e revolucionária, que seria o mesmo deles, constitui o único ponto de vista da verdade. Os critérios teológicos da verdade vêem-se, deste modo, relativizados e subordinados aos imperativos da luta de classes. Nesta perspectiva, substitui-se a ortodoxia, como regra correta da fé, pela idéia da ortopráxis, como critério de verdade. A este respeito, é preciso não confundir a orientação prática, própria à teologia tradicional, do mesmo modo e pelo mesmo título que lhe é própria também a orientação especulativa, com um primado privilegiado, conferido a um determinado tipo de práxis. Na realidade, esta última é a práxis revolucionária que se tornaria assim critério supremo da verdade teológica. Uma metodologia teológica sadia toma em consideração sem dúvida, a práxis da Igreja e nela encontra um de seus fundamentos, mas isto porque essa práxis é decorrência da fé e constitui uma expressão vivenciada dessa fé.

4. A doutrina social da Igreja é rejeitada com desdém. Esta procede, afirma-se, da ilusão de um Possível compromisso, próprio das classes médias, destituídas de sentido histórico.

5. A nova hermenêutica inserida nas "teologias da libertação" conduz a uma releitura essencialmente política da Escritura. É assim que se atribui a máxima importância ao acontecimento do Êxodo, enquanto libertação da escravidão política. Propõe-se igualmente uma leitura política do Magnificat. O erro aqui não está em privilegiar uma dimensão política das narrações bíblicas, mas em fazer desta dimensão a dimensão principal e exclusiva, o que leva a urna leitura redutiva da Escritura.

6. Quem assim procede, coloca-se por isso mesmo na perspectiva de um messianismo temporal, que é uma das expressões mais radicais da secularização do Reino de Deus e de sua absorção na imanência da história humana.

7. Privilegiar deste modo a dimensão política é o mesmo que ser levado a negar a radical novidade do Novo Testamento e, antes de tudo, a desconhecer a pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, bem como o caráter específico da libertação que ele nos traz e que é fundamentalmente libertação do pecado, fonte de todos os males.

8. Aliás, pôr de lado a interpretação autorizada do Magistério, denunciada como interpretação de classe, é afastar-se automaticamente da Tradição. É, por isso mesmo, privar-se de um critério teológico essencial para a interpretação e acolher, no vazio assim criado, as teses mais radicais da exegese racionalista. Retoma-se, então, sem espírito crítico, a Oposição entre o "Jesus da história" e o "Jesus da fé".

9. Conserva-se, sem dúvida, a letra das fórmulas da fé, especialmente a de Calcedônia, mas atribui-se a essas fórmulas uma nova significação, que constitui urna negação da fé da Igreja. De um lado, rejeita-se a doutrina cristológica apresentada pela Tradição, em nome do critério de classe; e, de outro lado, pretende-se chegar ao "Jesus da história" a partir da experiência revolucionária da luta dos pobres pela sua libertação.

10. Pretende-se reviver uma experiência análoga à que teria sido a de Jesus. A experiência dos pobres lutando por sua libertação, que teria sido a de Jesus, e só ela revelaria assim o conhecimento do verdadeiro Deus e do Reino.

11. É claro que a fé no Verbo encarnado, morto e ressuscitado por todos os homens, a quem "Deus fez Senhor e Cristo", é negada. Toma o seu lugar uma "figura" de Jesus, uma espécie de símbolo que resume em si mesmo as exigências da luta dos oprimidos.

12. Propõe-se, assim, uma interpretação exclusivamente política da morte de Cristo. Nega-se, desta maneira, seu valor salvífico e toda a economia da redenção.

13. A nova interpretação atinge, assim, todo o conjunto do mistério cristão.

14. De modo geral, ela opera o que se poderia chamar de inversão dos símbolos. Assim, em lugar de ver no Êxodo com São Paulo uma figura do batismo se tenderá ao extremo de fazer deste um símbolo da libertação política do povo.

15. Pelo mesmo critério hermenêutico, aplicado à vida eclesial e à constituição hierárquica da Igreja, as relações entre a hierarquia e a "base" tornam-se relações de dominação que obedecem à lei da luta de classes. A sacramentalidade, que está na raiz dos ministérios eclesiásticos e que faz da Igreja uma realidade espiritual que não se pode reduzir a uma análise puramente sociológica, é simplesmente ignorada.

16. Verifica-se ainda a inversão dos símbolos no domínio dos sacramentos. A Eucaristia não é mais entendida na sua verdade de presença sacramental do sacrifício reconciliador e como dom do Corpo e do Sangue de Cristo. Torna-se celebração do povo na sua luta. Por conseguinte, a unidade da Igreja é radicalmente negada. A unidade, a reconciliação, a comunhão no amor não mais são concebidas como um dom que recebemos de Cristo. É a classe histórica dos pobres que, mediante o combate, construirá a unidade. A luta de classes é o caminho desta unidade. A Eucaristia torna-se, deste modo, Eucaristia de classe. Nega-se também, ao mesmo tempo, a força triunfante do amor de Deus que nos é dado.

XI - ORIENTAÇÕES

1. Chamar a atenção para os graves desvios que algumas "teologias da libertação" trazem consigo não deve, de modo algum, ser interpretado como uma aprovação, ainda que indireta, aos que contribuem para a manutenção da miséria dos povos, aos que dela se aproveitam, aos que se acomodam ou aos que ficam indiferentes perante esta miséria. A Igreja, guiada pelo Evangelho da misericórdia e pelo amor ao homem, escuta o clamor pela justiça e deseja responder com todas as suas forças.

2. Um imenso apelo é assim dirigido à Igreja. Com audácia e coragem, com clarividência e prudência, com zelo e força de ânimo, com um amor aos pobres que vai até ao sacrifício, os pastores, como muitos já fazem, hão de considerar como tarefa prioritária responder a este apelo.

3. Todos aqueles, sacerdotes, religiosos e leigos que, auscultando o clamor pela justiça, quiserem trabalhar na evangelização e na promoção humana, fá-lo-ão em comunhão com seu bispo e com a Igreja, cada um na linha de sua vocação eclesial específica.

4. Conscientes do caráter eclesial de sua vocação, os teólogos colaborarão lealmente e em espírito e diálogo com o Magistério da Igreja. Saberão reconhecer no Magistério um dom de Cristo à sua Igreja e acolherão a sua palavra e as suas orientações com respeito filial.

5. Somente a partir da tarefa evangelizadora, tomada em sua integralidade, se compreendem as exigências de urna promoção humana e de uma libertação autênticas. Esta libertação tem como pilares indispensáveis a verdade sobre Jesus Cristo, o Salvador, a verdade sobre a Igreja, a verdade sobre o homem e sobre a sua dignidade. É à luz das bem-aventuranças, da bem-aventurança dos pobres de coração em primeiro lugar, que a Igreja, desejosa de ser, no mundo inteiro, a Igreja dos pobres, quer servir a nobre causa da verdade e da justiça. Ela se dirige a cada homem e, por isso mesmo, a todos os homens. Ela é a "Igreja universal. A Igreja do mistério da encarnação. Não é a Igreja de uma classe ou de uma só casta. Ela fala em nome da própria verdade. Esta verdade é realista". Ela leva a ter em conta "cada realidade humana, cada injustiça, cada tensão, cada luta".

6. Uma defesa eficaz da justiça deve apoiar-se na verdade do homem, criado à imagem de Deus e chamado à graça da filiação divina. O reconhecimento da verdadeira relação do homem com Deus constitui o fundamento da justiça, enquanto regula as relações entre os homens. Esta é a razão pela qual o combate pelos direitos do homem, que a Igreja não cessa de promover, constitui o autêntico combate pela justiça.

7. A verdade do homem exige que este combate seja conduzido por meios que estejam de acordo com a dignidade humana. Por isso, o recurso sistemático e deliberado à violência cega, venha esta de um lado ou de outro, deve ser condenado. Pôr a confiança em meios violentos na esperança de instaurar uma maior justiça é ser vítima de uma ilusão fatal. Violência gera violência e degrada o homem. Rebaixa a dignidade do homem na pessoa das vítimas e avilta esta mesma dignidade naqueles que a praticam.

8. A urgência de reformas radicais que incidam sobre estruturas que segregam a miséria e constituem, por si mesma, formas de violência, não pode fazer perder de vista que a fonte da injustiça se encontra no coração dos homens. Não se obterão, pois, mudanças sociais que estejam realmente a serviço do homem senão fazendo apelo às capacidades éticas da pessoa e à constante necessidade de conversão interior. Pois, na medida em que colaborarem livremente, por sua própria iniciativa e em solidariedade, nestas necessárias mudanças, os homens, despertados no sentido de sua responsabilidade, crescerão em humanidade. A inversão entre moralidade e estruturas é própria de urna antropologia materialista, incompatível com a verdade do homem.

9. É, pois, igualmente ilusão fatal crer que novas estruturas darão origem por si mesmas a um "homem novo", no sentido da verdade do homem. O cristão não pode desconhecer que o Espírito Santo que nos foi dado é a fonte de toda verdadeira novidade e que Deus é o senhor da história.

10. A derrubada, por meio da violência revolucionária, de estruturas geradoras de injustiças, não é, pois, ipso facto o começo da instauração de um regime justo. Um fato marcante de nossa época deve ocupar a reflexão de todos aqueles que desejam sinceramente a verdadeira libertação dos seus irmãos. Milhões de nossos contemporâneos aspiram legitimamente a reencontrar as liberdades fundamentais de que estão privados por regimes totalitários e ateus, que tomaram o poder por caminhos revolucionários e violentos, exatamente em nome da libertação do povo. Não se pode desconhecer esta vergonha de nosso tempo: pretendendo proporcionar-lhes liberdade, mantêm-se nações inteiras em condições de escravidão indignas do homem. Aqueles que, talvez por inconsciência, se tornam cúmplices de semelhantes escravidões, traem os pobres que eles quereriam servir.

11. A luta de classes como caminho para uma sociedade sem classes é um mito que impede as reformas e agrava a miséria e as injustiças. Aqueles que se deixam fascinar por este mito deveriam refletir sobre as experiências históricas amargas às quais ele conduziu. Compreenderiam então que não se trata, de modo algum, de abandonar uma via eficaz de luta em prol dos pobres em troca de um ideal desprovido de efeito. Trata-se, pelo contrário, de libertar-se de uma miragem para se apoiar no Evangelho e na sua força de realização.

12. Uma das condições para uma necessária retificação teológica é a revalorização do magistério social da Igreja. Este magistério não é, de modo algum, fechado. É, ao contrário, aberto a todas as novas questões que não deixam de surgir no decorrer dos tempos. Nesta perspectiva, a contribuição dos teólogos e dos pensadores de todas as regiões do mundo para a reflexão da Igreja é, hoje, indispensável.

13. Do mesmo modo, a experiência daqueles que trabalham diretamente na evangelização e na promoção dos pobres e dos oprimidos é necessária à reflexão doutrinal e pastoral da Igreja. Neste sentido, é preciso tomar consciência de certos aspectos da verdade a partir da práxis, se por práxis se entende a prática pastoral e uma prática social que conserva sua inspiração evangélica.

14. O ensino da Igreja em matéria social proporciona as grandes orientações éticas. Mas, para que possa atingir diretamente a ação, ele precisa de pessoas competentes, do ponto de vista científico e técnico, bem como no domínio das ciências humanas e da política. Os pastores estarão atentos à formação destas pessoas competentes, profundamente impregnadas pelo Evangelho. São aqui visados, em primeiro lugar, os leigos, cuja missão específica é a de construir a sociedade.

15. As teses das "teologias da libertação" estão sendo largamente difundidas, sob uma forma ainda simplificada, nos cursos de formação ou nas comunidades de base, que carecem de preparação catequética e teológica e de capacidade de discernimento. São assim aceitas por homens e mulheres generosos, sem que seja possível um juízo crítico.

16. É por isso que os pastores devem vigiar sobre a qualidade e o conteúdo da catequese e da formação que devem sempre apresentar a integralidade da mensagem da salvação e os imperativos da verdadeira libertação humana, no quadro desta mensagem integral.

17. Nesta apresentação integral do mistério cristão, será oportuno acentuar os aspectos essenciais que as "teologias da libertação" tendem especialmente a desconhecer ou eliminar: transcendência e gratuidade da libertação em Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem; soberania de sua graça; verdadeira natureza dos meios de salvação, e especialmente da Igreja e dos sacramentos. Tenham-se presentes a verdadeira significação da ética, para a qual a distinção entre o bem e o mal não pode ser relativizada; o sentido autêntico do pecado; a necessidade da conversão e a universalidade da lei do amor fraterno. Chame-se a atenção contra uma politização da existência, que, desconhecendo ao mesmo tempo a especificidade do Reino de Deus e a transcendência da pessoa, acaba sacralizando a política e abusando da religiosidade do povo em proveito de iniciativas revolucionárias.

18. E freqüente dirigir aos defensores da "ortodoxia" a acusação de passividade, de indulgência ou de cumplicidade culpáveis diante de situações intoleráveis de injustiça e de regimes políticos que mantêm estas situações. A conversão espiritual, a intensidade do amor a Deus e ao próximo, o zelo pela justiça e pela paz, o sentido evangélico dos pobres e da pobreza são exigidos a todos, especialmente aos pastores e aos responsáveis. A preocupação pela pureza da fé não subsiste sem a preocupação de dar a resposta de um testemunho eficaz de serviço ao próximo e, em especial, ao pobre e ao oprimido, através de uma vida teologal integral. Pelo testemunho de sua capacidade de amar, dinâmica e construtiva, os cristãos lançarão, sem dúvida, as bases desta "civilização do amor" de que falou, depois de Paulo VI, a Conferência de Puebla. De resto, são numerosos os sacerdotes, religiosos ou leigos que se consagram de um modo verdadeiramente evangélico à criação de uma sociedade justa.

CONCLUSÃO

As palavras de Paulo VI, na Profissão de fé do povo de Deus, exprimem, com meridiana clareza, a fé da Igreja, da qual ninguém pode afastar-se sem provocar, juntamente com a ruína espiritual, novas misérias e novas escravidões.

“Nós professamos que o Reino de Deus iniciado aqui na Terra, na Igreja de Cristo, não é deste mundo, cuja figura passa, e que seu crescimento próprio não se pode confundir com o progresso da civilização, da ciência ou da técnica humanas, mas consiste em conhecer cada vez mais profundamente as insondáveis riquezas de Cristo, em esperar cada vez mais corajosamente os bens eternos, em responder cada vez mais ardentemente ao amor de Deus e em difundir cada vez mais amplamente a graça e a santidade entre os homens. Mas é este mesmo amor que leva a Igreja a preocupar-se constantemente com o bem temporal dos homens. Não cessando de lembrar a seus filhos que eles não têm aqui na Terra uma morada permanente, anima-os também a contribuir, cada qual segundo a sua vocação e os meios de que dispõem, para o bem de sua cidade terrestre, a promover a justiça, a paz e a fraternidade entre os homens, a prodigalizar-se na ajuda aos irmãos, sobretudo aos mais pobres e mais infelizes. A intensa solicitude da Igreja, esposa de Cristo, pelas necessidades dos homens, suas alegrias e esperanças, seus sofrimentos e seus esforços, nada mais é do que seu grande desejo de lhes estar presente para os iluminar coma luz de Cristo e reuni-los todos nele, seu único Salvador. Esta solicitude não pode, em hipótese alguma, comportar que a própria Igreja se conforme às coisas deste mundo, nem que diminua o ardor da espera pelo seu Senhor e pelo Reino eterno”

O Sumo Pontífice João Paulo II, no decorrer de uma Audiência concedida ao Cardeal Prefeito que subscreve este documento, aprovou apresente Instrução, deliberada em reunião ordinária da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, e ordenou que a mesma fosse publicada.

Roma, Sede da Sagrada Congregação Para a Doutrina da Fé, 6 de agosto de 1984, na Festa da Transfiguração do Senhor.


JOSEPH Card. RATZINGER
Prefeito.

†ALBERTO BOVONE
Arcebispo titular de Cesarea de Numidia
Secretário.


_________________________________ 
Fonte: Vaticano/Veritatis splendor.
Disponível em: Derradeiras Graças.


sábado, 14 de setembro de 2013

A Angústia da Contradição


Chama a atenção de qualquer pessoa a aversão que grande parte dos protestantes nutre pela Igreja Católica. Bons e maus têm seguidores ou simpatizantes por todos os lados. As ideias mais inaceitáveis encontram adeptos e defensores em todo o canto. Por exemplo, nota-se em tempos de eleições todo o tipo de ideia ou ideologia. As propostas mais estranhas são aceitas ao menos por pequena parte do eleitorado. Dependendo do cargo que se pretende ocupar e da quantidade de votos necessários para eleição de determinado candidato, pode-se colocar no poder a partir de meros 50.000 votos ou menos, alguém com ideias contestadas as vezes por milhões de pessoas. 

No entanto, contrariando a tendência natural do ser humano pela pluralidade, quando o assunto é a Igreja Católica, apenas com algumas raras exceções, percebemos nitidamente a aversão e ideias pré concebidas por parte dos irmãos protestantes.

Todos são maus no catolicismo? Não há e nunca houve um sacerdote justo ? Não há uma só doutrina ou dogma católicos que estejam certos?

Ora, se a máxima protestante estiver correta de que placa de igreja não salva ninguém, também estará correta a afirmação de que placa de igreja não condena ninguém. Então por que tão grande hostilidade se é o protestante quem diz que placa de igreja nada garante e consequentemente assume que esta mesma placa não pode condenar?


O protestante vive uma angústia infernal. E por que ? O protestante estabeleceu para si próprio o princípio Sola Scriptura: tudo tem de ser explicado pela Bíblia. Entretanto, o protestante admite e com razão que a Bíblia é a palavra infalível de DEUS. Sendo assim, uma vez que a palavra de DEUS é infalível, não se pode admitir que duas pessoas interpretem de modos diferentes o mesmo texto bíblico.

É exatamente este um dos telhados de vidro do protestantismo. Não há protestante que concorde com outro protestante integralmente em matéria de fé e doutrina. E todo se dizem certos. E todos dizem que foram inspirados pelo Espírito Santo.

Sinceramente, acreditamos que muitos protestantes abraçaram o protestantismo por boa-fé e estes mesmos agem com sinceridade diante de DEUS. Para estes, é evidente que uma angústia perturbadora lhes assalta a todo o momento. No caso das seitas e de seus falsos pregadores não se deve falar em angústia ou receios, já que para estes o evangelho e Jesus são apenas meios de se ganhar dinheiro. Eles mesmo não acreditam no que pregam.

Estamos falando para os protestantes sérios e comprometidos com o cristianismo e que por questão de justiça somos forçados a dizer que repudiam e contestam as inovações e modismos introduzidos pelos falsos mestres. Um bom número de protestantes se posiciona de forma firme contra as novidades e blasfêmias introduzidas no meio cristão pelos inúmeros falsos profetas que andam por aí.

Pois bem. Se um e outro protestante não concordam em matéria de fé e doutrina, é certo que pelo menos um deles está errado. E quem está errado, portanto, fazendo diferente do que ensina a Bíblia que é a palavra de DEUS infalível, por certo estaria praticando heresia na visão do outro protestante que lhe faz oposição. Não por acaso, não há protestante que não tenha sido acusado de heresia por outro protestante e não há protestante que não acuse outros de heresias.

Surge a agonia infernal que deveria preocupar cada protestante: nem todos estão interpretando as escrituras sagradas corretamente. Como então resolver o problema ?

Se é certo que Jesus só tem uma opinião firme e verdadeira para cada tema e se é certo que ele não muda jamais, como conciliar doutrinas tão divergentes entre si de modo que todos os protestantes sintam-se seguros quanto a salvação ?

Duas situações dão ao protestante a falsa segurança de que sua eventual heresia não lhe condenará ao inferno.

1º situação: A primeira é a salvação garantida. Quem aceita Jesus está salvo e já não importa o tipo de cristianismo ou o Jesus no qual se acredita. Levantou o dedo e fez o favor de “aceitar” Jesus já está salvo. E a maioria diz ainda que salvação garantida não pode ser perdida.

Ou seja, assim como Lutero que disse que o homem deveria pecar o máximo possível que ainda assim seria salvo pela fé, o protestante acredita que tendo “aceitado” Jesus, suas eventuais heresias não serão levadas em conta e neste caso a salvação obtida a partir do “aceita Jesus” é algo que não pode ser perdido ainda que posteriormente ele se torne um herege formal.

Surge porém um problema com esta teoria. Se estão todos salvos e salvação não pode ser perdida, podemos afirmar que pastores, pregações, leitura bíblica, dízimos, DVDs, CDs, música Gospel e mesmo igrejas protestantes são irrelevantes. Se todos estão salvos, por que fazer cultos para quem já está salvo e sendo que tal salvação nem mesmo pode ser perdida ? Esta é a heresia da predestinação de Calvino que levou as ideias de Lutero até as últimas consequências.

Por que pagar dízimos ? Por que leitura da Bíblia ? Por que pregações ? Se todos estão salvos e salvação não pode ser perdida, nem mesmo igrejas protestantes são necessárias. Por que cultos e pregações para pessoas que já estão salvas e pessoas que teoricamente não precisam de pastores ou igrejas já que contam com a “assistência” do Espírito Santo na leitura bíblica de modo que podem interpretar as sagradas escrituras e podem conhecer a sã doutrina ? O protestante não explica e pouco lhe importa que a doutrina da salvação garantida não faça sentido algum.

Para resolver esta nova angústia, pois qualquer pessoa de bom senso pode concluir que a salvação não é algo automático e imutável, mas depende de nossas ações e perseverança, uma outra situação de certo modo recobra a “paz” do protestante quanto a salvação:

2º situação: O outro critério usado pelo protestantismo para trazer segurança aos seus filhos quanto a salvação foi nutrir aversão pela Igreja Católica. Combate-se um inimigo imaginário e que deve ser enfrentado por todos. Este suposto inimigo seria o maior herege de todos. Culpado por tudo. Já tem gente culpando a Igreja Católica pelas atuais divisões das divisões no protestantismo...

Assim, quando o Senhor lhes cobrar as doutrinas estranhas ao evangelho que eles pregaram, certamente dirão que combateram os maiores hereges ou o maior fabricante de heresias que já existiu!

As doutrinas protestantes alimentam-se basicamente do anti catolicismo. Os regimes totalitários utilizam-se deste expediente, criando inimigos imaginários que devem ser combatidos e que servem como cortinas de fumaça para que ninguém tenha que enfrentar os seus próprios desmandos e equívocos.

Uns elegem determinadas nações como inimigos. Outros elegem a imprensa, uns acusam os governos ou a ONU e muitos outros elegeram o papa ou a Igreja Católica como principais inimigos.

Seria natural que muitos protestantes ou evangélicos, como são conhecidos no Brasil, chamassem os católicos de irmãos em Cristo quando entre eles várias afinidades são evidenciadas. Seria natural que evangélicos defendessem católicos quando estes se destacam por iniciativas ou ações. Seria lícito esperarmos apoio para eventuais discursos de sacerdotes em defesa de princípios cristãos comuns ou na defesa da fé.

Mas, nada disto ocorre. Se um católico confessa Jesus Cristo como Senhor, lá vem uma crítica por causa de um pronome ou uma vírgula usada. Se temos procissão somos idólatras. Se batemos palmas não temos respeito. Se não batemos palmas somos frios. Se tem celibato, deveríamos casar. E assim por diante. Mesmo nas críticas, um grupo de evangélicos acusa a igreja de ter modificado a doutrina. Então vem outro grupo e acusa a Igreja Católica de ser dogmática, arcaica e que nunca se moderniza. Nem nas críticas os protestantes conseguem consenso.

Escândalos ou erros de sacerdotes católicos 500 anos atrás causam maior indignação aos evangélicos do que um fato ainda mais grave praticado por um dos seus pares no presente. Isto é estranho ! O protestante nos aponta o dedo e nos diz que somos ímpios. Ora, se somos ímpios, seria mais natural que pecássemos. E sendo eles o “Povo de DEUS”, não seria natural que fossem mais intolerantes com seus próprios erros ?

Mas não é assim que funciona. Um católico 600 anos atrás que tenha cometido crimes é lembrado rotineiramente e todos os católicos atuais parecem ter que pagar pela infâmia ou escândalo causado séculos atrás. Entretanto, quando o evangélico se depara com escândalos e desmandos em seu próprio meio, muitos se ocupam de defender o indefensável, enquanto outros tratam com desprezo e descaso as ocorrências de tais abusos ou desvios.

Mais estranho ainda é o fato de que na Igreja Católica nunca se defendeu que não há pecadores entre nós. Pelo contrário. A inerrância da Igreja refere-se as questões de fé, moral e doutrina. Nunca foi dito que filhos da Igreja estão imunes ao pecado.

Quanto aos escândalos, o próprio Jesus nos adverte que cuidaria daqueles através dos quais os escândalos são introduzidos. Na prática Jesus está nos dizendo que sempre se encarregaria de purificar sua igreja. Quem torna Lutero “indispensável” em verdade não creu na promessa de Jesus.

O fato é que não compreendendo a diferença entre infalibilidade e “impecabilidade” os protestantes criaram igrejas que supostamente não deveriam ter pecadores. Evidente que tal situação não foi possível. Isto eles já descobriram. Lutero não demorou a concluir.

Falta coragem de assumir que além de edificar igrejas com pecadores, agora os protestantes já não contam com o dom da infalibilidade que é reservado exclusivamente à Igreja Católica e APOSTÓLICA, a única que Jesus Cristo instituiu e disto o protestante-evangélico-crente não poderá fugir, já que admite e confessa que suas igrejas foram fundadas por homens. Por exclusão, se há uma igreja divina esta não pode ser protestante. E se a Igreja de Jesus não fosse católica, mas fundada por homens, então pelo menos também teríamos o direito de interpretar como os protestantes, alegando ainda que fomos inspirados pelo Espírito Santo em nossas interpretações privadas.

Não por acaso, as heresias vistas em larga escala no meio cristão são patrocinadas exclusivamente pelo protestantismo. Unção da galinha, unção do cachorro, unção do zoológico, unção do chifre, unção da meia, unção do helicóptero, unção da vaca, batismo em parque de diversões, teologia da prosperidade, pregação pelo aborto, pregação pelo divórcio, unção do riso, regressão ao útero materno, unção da vassoura, transferência de unção, descarrego, fogueiras santas, desafios financeiros e tantas outras que demandariam um texto ainda maior. Já tem gente até dizendo que ajudar os pobres desvia recursos da “igreja”. Que horror!!!

Ora, Jesus disse que devemos temer mais aqueles que matam a alma do que aqueles que matam o corpo. Em outras palavras, as heresias podem ser mais nocivas do que os erros comuns a todos os homens. Que situação conflitante vive o cristão que nega a Igreja Apostólica e Católica! Sua auto suficiência não lhe permite retroceder. Desesperados, precisaram construir um inimigo maior e supostamente mais herege. E para não ter surpresas, nada melhor do que um conceito que “garante” salvação. Por via das dúvidas, melhor ainda é fazer desta salvação um tesouro que não pode ser perdido e que seja independente do cristianismo que se pratica ou do Jesus que cada um segue.

Dois protestantes e um católico estão conversando. O primeiro protestante se diz favorável ao aborto. O segundo se diz contrário. O católico que participa da conversa concorda com este segundo protestante que é contrário ao aborto. Qual a dupla entre os três que citamos que se auto denominará como “irmãos” em Cristo ? Resposta: Os dois protestantes, ainda que absurdamente divergentes entre si e ainda que um deles se afine em termos de doutrina mais com o católico do que com o outro protestante.

O dedicado e comprometido protestante não compreende que ele vive um ciclo vicioso e viciado. Vicioso porque se repete. Viciado porque todos cometem os mesmos erros. Se o protestante defende a livre interpretação da Bíblia terá que conviver com os ignorantes e os maus que se utilizam da Palavra de DEUS para proveito próprio. 

Pensa este protestante que o meio de evitar as heresias e deformações seja o estudo bíblico mais aprofundado. Tem gente clamando por um vigoroso e generalizado estudo bíblico no meio protestante como forma de combater as heresias. Engana-se este evangélico de boa-fé. Quanto mais estudo e teologia sem o alicerce de um magistério confiável, mais e mais a cada dia surgirão novos pseudo mestres e “sábios” que eventualmente condenarão até mesmo os bons professores e estes novos “sábios” fundarão novas seitas que produzirão novos “estudiosos” que, seguindo os passos dos primeiros também se dividirão e introduzirão novas heresias. E o ciclo se repete ininterruptamente.

Todo aquele que estuda a Bíblia fora da orientação das autoridades legítimas constituídas pelo Senhor Jesus acaba pensando saber mais do que os outros. Quanto mais “sábio”, mais se pretende ensinar e menos se pretende aprender.

Um aluno de escola regular estuda história sob a tutela do professor. Ele não pode mudar a seu bel prazer os fatos ocorridos e alterar a ordem dos acontecimentos ou as personagens envolvidas. O professor está presente para lhe corrigir e restabelecer a verdade para que os demais não sejam contaminados pelos enganos daquele aluno.

Sem magistério confiável que define todas as coisas, cada qual está por conta própria e tudo fica ainda pior quando todos se dizem inspirados pelo Espírito Santo, o que dá “certeza” a cada intérprete de que sua doutrina é a doutrina correta.

Por outro lado, constituir um magistério que defina todas as coisas aniquilaria o próprio protestantismo que pretendia, segundo seus adeptos, promover a liberdade na interpretação da Bíblia e o rompimento com submissão de qualquer espécie, em especial a submissão à Igreja de Roma e ao Santo Padre.

O protestantismo não tem saída. Não há como evitar o progresso em larga escala de maus pregadores, hereges e seitas de toda ordem.


O genial e santíssimo São Tomás de Aquino, Doutor da Igreja disse e o disse bem: “Espero nunca ter ensinado nenhuma verdade que não tenha aprendido de Vós. Se, por ignorância, fiz o contrário, revogo tudo e submeto todos meus escritos ao julgamento da Santa Igreja Romana"

Em contraste com a humildade do sábio, santo e doutor católico, disse o orgulhoso e soberbo Martinho Lutero pai de todas as seitas e evangélicos: “Quem não crê como eu está destinado ao inferno. O meu juízo e o juízo de DEUS são a mesma coisa.”

Cada protestante é uma espécie de super Papa infalível para si mesmo. Sua leitura bíblica é sempre superior à leitura bíblica alheia. Apenas os mais acomodados que não desenvolvem o hábito da leitura bíblica é que irão permanecer seguindo pregadores e denominações. E isto é desastroso, pois muitas vezes nos deparamos com ignorantes guiando ignorantes, não importa a boa intenção que tenham. Cria-se assim uma grande confusão e o cristianismo vira uma babel.

Por outro lado, aqueles mais preparados e mais estudiosos logo descobrirão que “sabem mais” do que seus mestres e professores. Estes mesmos farão críticas aos seus próprios pares e definirão por conta própria quem pratica ou não heresias.

A Bíblia nos ensina que as escrituras devem ser examinadas por serem úteis. Exame porém não significa interpretação. Erram os que não examinam a Bíblia. Tornam-se ignorantes e sujeitos a toda a sorte de novidades e ventos de doutrinas. Erram os que ao invés de examinarem resolvem interpretá-la por conta própria. Tornam-se mestres de si próprios, sábios aos seus próprios olhos e juízes de tudo e de todos.

A Igreja é coluna e sustentáculo da verdade (1Tm 3,15). Assim, o próprio texto bíblico confirma a autoridade da Igreja sobre as Escrituras. Afinal de contas não foi a Igreja constituída pela Bíblia, mas a Bíblia apresentada ao homem pela Igreja.

Não por acaso o texto bíblico recomenda que toda Escritura é útil para o aprendizado. Em outras palavras, útil significa auxílio. Confundir utilidade com suficiência é confirmar que todo e qualquer homem pode livremente interpretar a Bíblia e assim não há como condenar heresia alheia se não há antes um magistério confiável que defina previamente o que é heresia.

Ao invés de atender a determinação bíblica de que a fé vem pelo ouvir, a fé do protestante acaba vindo pela sua própria leitura privada da Bíblia.

Quem é o ser humano que deseja ouvir e aprender de outro aquilo que ele julga que pode entender por si próprio ?

Assim, a fé do protestante em Jesus é a fé que cada um entendeu sobre Jesus através de sua leitura bíblica particular. Se por vezes homens mais preparados e estudiosos conseguem aproximar-se da doutrina do Jesus verdadeiro, muitos outros acabam “crendo” em um Jesus que não existe, mas fabricado a partir de conclusões decorrentes da leitura particular de cada um. E este Jesus que se opõe ao Jesus da Bíblia e que cada qual entendeu a partir de sua própria leitura particular da Bíblia, é que será ensinado aos homens que não conhecem o evangelho, e no Brasil, particularmente será ensinado aos católicos que não conhecem a fé que pensam praticar.

Ora, a contradição já se inicia na própria pregação de um protestante para qualquer homem ou mulher. Como pretende o protestante convencer quem quer que seja, se antes mesmo de qualquer coisa quem lhe ouve deve crer que DEUS não constituiu a Igreja como coluna e sustentáculo da verdade e nem concedeu a homem algum o dom da infalibilidade?

A angústia infernal da contradição se dá ainda em última análise a partir do princípio criado pelo protestantismo e ao qual cada protestante está obrigado: o próprio Sola Scriptura “Só a Bíblia”. Ora, somos julgados pelos critérios que estabelecemos para os outros. Se somos misericordiosos, havemos de alcançar misericórdia de DEUS. Mas se somos rígidos, inflexíveis e intolerantes, estamos sujeitos ao julgamento de DEUS na mesma medida.

Quem se obrigou ao “Só a Bíblia” não fomos nós católicos. Não somos seguidores de Lutero. Escutamos a Igreja. O “Só a Bíblia” é um critério protestante, criado por reformadores protestantes e para seus seguidores crentes, evangélicos e protestantes.

Curiosamente, nossos dogmas, costumes de fé e doutrinas são cobradas pelos irmãos a partir do critério que deveria valer somente para eles. E eles próprios não se dão conta de que o “Só a Bíblia” lhes condena, porquanto não havendo concordância no que se refere às questões de fé e doutrina, é óbvio que muitos estão saindo da Bíblia que deveria ser seguida por todos e pela qual todos, sem exceção, estão obrigados.

Quem cobra “Só a Bíblia” e nada além dela e concorda que a Bíblia é a palavra infalível de DEUS, obrigou-se ao princípio que pretende impor aos demais.

Quem é o cristão que gritando “Só a Bíblia” poderá desculpar-se por doutrina anti bíblica que tenha pregado ?

Quem é o cristão que gritando “Só a Bíblia” e dizendo-se inspirado pelo Espírito Santo em sua leitura bíblica poderá dizer que não entendeu o que leu ?

Como é seguro ser católico né ? Se fosse possível que a Igreja Católica cometesse erros em matéria de fé e doutrina, ainda assim poderíamos dizer a Jesus que fizemos o que estava nas escrituras e assim não interpretamos a Bíblia porque segundo Pedro nenhuma interpretação é de caráter particular. E poderíamos dizer que acreditamos na Bíblia porque a Igreja Católica nos disse que era para crermos. E também poderemos dizer a Jesus que não confiamos na nossa leitura bíblica, porquanto a mesma Bíblia, em Timóteo, nos ensina que a Igreja é coluna e sustentáculo da verdade. Podemos dizer que deixamos exclusivamente para a Igreja a tarefa de interpretar corretamente as escrituras e nos ensinar como ensinou ao eunuco (At 8, 30,31)e a milhões de convertidos por 2012 anos. E poderemos falar ainda que escutamos o conselho de São Paulo e guardamos as tradições que nos foram transmitidas por escrito ou não. E podemos acrescentar que aprendemos estas tradições com a Igreja. Podemos até dizer que confiamos em Pedro por causa das palavras de Jesus para que ele apascentasse as ovelhas e confirmasse seus irmãos na fé.

Se fosse possível erros na doutrina católica, nós católicos ainda poderíamos culpar a Igreja, São Paulo ou ao Papa. Quem sabe poderíamos ouvir: “Pai, perdoe aos católicos. Eles são leigos e não sabiam o que estavam fazendo.”

Ora, alguém perguntou a Jesus se ele era o filho de DEUS. Ele disse: “Tu o dissestes.” São nossos irmãos separados que dão testemunho de nós quando nos chamam de seguidores de papas ou quando nos dizem que nós não devemos considerar placa de igreja ou que o nome “Igreja Católica” não está na Bíblia.

São os protestantes que reafirmam nossa crença nos santos declarados pela Santa Igreja. São eles que testemunham que aceitamos a Bem Aventurança de Maria. São eles que testemunham sobre nós no que se refere ao batismo, purgatório, sacramentos e Eucaristia. São os protestantes que testemunham sobre a confissão dos pecados ao sacerdote praticada no catolicismo. Em última análise, são os protestantes que dão testemunho que somos ensinados pela Igreja. São eles que nos dizem que pertencemos à Igreja Católica. São eles que testemunham sobre nossa fidelidade a Pedro.

E o protestante que tudo sabe a partir de sua própria leitura bíblica “inspirada” pelo Espírito Santo e que está obrigado ao critério “Só a Bíblia”? O que poderá dizer em sua defesa se era “conhecedor” de todas as coisas, capaz inclusive de apontar a heresia alheia e a trave nos olhos dos outros?

Diante do conflito angustiante ao qual cada cristão protestante está sujeito a partir das escolhas que fez, nada melhor para lhe trazer uma falsa segurança do que acreditar na salvação garantida a partir do “aceita Jesus” e a eleição de um inimigo comum e “destrutivo” que deve ser vencido e que representa a maior de todas as heresias, a Babilônia, o trono do anticristo, um herege idólatra imperdoável.

Nós católicos devemos dar graças ao Senhor pelo seu imenso amor. Conhecendo nossas fraquezas, nossas imperfeições, mazelas, soberba, arrogância, não fomos abandonados à nossa própria sorte ou aos nossos julgamentos parciais e imprecisos. Mas o amor de DEUS pela humanidade excedeu todo entendimento. Depois de nos dar o salvador perpétuo e perfeito, ele instituiu o corpo místico do nosso Senhor Jesus Cristo que é a Igreja de modo que assim se cumpra a promessa do salvador: “Eis que estarei convosco até o fim dos tempos”.

Infelizmente muitos não creram nesta promessa e elegeram Lutero, Calvino, entre outros, como “mestres” e “sábios” a serem seguidos.

A igreja inerrante tudo nos ensina e constitui-se em caminho seguro para nossa santificação rumo à pátria celeste. Já não somos nós que devemos descobrir por conta própria e a partir de nossa leitura bíblica privada a igreja que devemos integrar e amar, as doutrinas que devemos seguir e repudiar, e, nem mesmo precisamos decidir quem é ou não herege ou quem vai ou não para o céu.

O Cristo nos salva. A Igreja nos ensina. O espírito nos santifica. E o Pai julga todas as coisas.

E ainda ganhamos Maria como caminho mais reto e seguro para Cristo. Ela mesmo diz: “Fazei tudo que ele vos disser.”

Diferente dos evangélicos protestantes que repudiam Maria, façamos como João que atendendo ao pedido de Jesus levou Maria para casa. Façamos ainda como Isabel e fiquemos cheios do Espírito Santo ao ouvir o nome de Maria. Tenhamos o comportamento de João Batista e estremeçamos de alegria com a visita da Virgem Santíssima. Façamos como o anjo do Altíssimo e soberano DEUS e digamos em alto e bom som: “Ave Maria”.

E ainda temos os exemplos de nossos santos que dão testemunho do poder do DEUS vivo que é capaz de transformar toda e qualquer criatura humana. Negar que alguém possa ser santo é duvidar que o autor de toda a santidade é capaz de produzir obras perfeitas. Ele mesmo diz: “Sem mim nada podeis fazer.” Quem é santo, é santo por causa de Jesus Cristo. Negar tal verdade é duvidar do poder sem limites de Nosso Senhor Jesus Cristo. Que amor sem medidas do Altíssimo DEUS pela humanidade!

Infelizmente, o protestante está amarrado ao critério que criou para si próprio. Nada melhor do que impor aos católicos o “Leia Bíblia” para se auto convencer que existem outros interpretando de forma ainda mais equivocada do que ele próprio.

Ao contrário da aversão quase que unânime dos protestantes em relação a Igreja Católica e APOSTÓLICA, nossa igreja, a única e verdadeira Igreja de Cristo, nos ensina que nem mesmo estamos autorizados a culpá-los pela divisão do corpo de Cristo ocorrida 500 anos atrás. Somente a Igreja, coluna e sustentáculo da verdade, é que pode definir o que é heresia ou quem é herege.

Nos ensina a Igreja Católica que é justo chamarmos de cristãos nossos irmãos separados que confessam o DEUS uno e trino, e Jesus Cristo como Senhor e nosso único salvador.

Ao contrário dos protestantes que exigem novo batismo para ex católicos, nossa Igreja acata a maior parte dos batismos produzidos nas denominações protestantes, porquanto ninguém pode dizer que Jesus Cristo é senhor se não pela ação do Espírito Santo. Assim, a Igreja não se faz maior do que seu senhor. Acaso é o servo maior do que o mestre?

Pelos frutos, podemos conhecer a árvore. Para quem não tiver medo da verdade não será difícil descobrir onde se encontram em plenitude todos os meios de salvação.

Para os católicos vacilantes, lembramos as palavras de Jesus que nos ensinam que a porta é estreita. Desconfiem daqueles que dizem que não precisam de papa ou que não precisam de Igreja. Estes mesmos que desprezam os sacramentos, a confissão de seus pecados ao sacerdote e que pensam que basta levantar o dedo e aceitar Jesus que já estão salvos. Não é tão fácil assim chegar ao céu. As vidas dos santos, mártires e verdadeiros apóstolos de Cristo confirmam que nunca foi fácil o caminho da salvação.

Desconfiem ainda daqueles que pregam um Jesus triunfalista quando o próprio Senhor nos advertiu que no mundo teríamos tribulações.

A verdadeira igreja de Cristo cuida das almas de seus fiéis. Ministra sacramentos, confissão, indulgências e estimula as boas obras. A verdadeira Igreja trabalha pela santificação das almas e para que se cumpra: “...que nenhum de nós se perca.”

A cada protestante perguntamos como é possível ter certeza do seu próprio acerto e do erro alheio, se um outro protestante com a mesma Bíblia lê, interpreta e faz tudo diferente daquele que julga estar certo ? Ambos entendem que estão certos e um discorda do outro. Tal é a angústia da contradição.

Constituir um inimigo comum e repetir aos quatro ventos a certeza da sua salvação pessoal são questões nas quais o evangélico protestante precisa acreditar desesperadamente. Do contrário, viverá uma permanente angústia infernal e a incerteza completa sobre o que é ou não agradável aos olhos do Senhor. Crer na salvação garantida já não é um ponto de vista teológico, mas uma questão de sobrevivência para o protestantismo.

Ratificamos que todos sem exceção devem fazer suas escolhas livres de quaisquer embaraços e acreditamos que todo homem ou mulher devem aderia a crença ou fé que lhes pareçam mais adequadas.

A paz do Senhor Jesus Cristo esteja convosco.


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Autor: V. de Carvalho com a colaboração de B. Carvalho/Dani Silva, A. Silva e Claudio Maria – Livre divulgação mencionando-se o autor.