As três
aparições do Anjo, em 1915, no Cabeço de Aljustrel
Logo desde a
primeira aparição de Nossa Senhora, em Maio de 1917, começou a constar que
tinha havido anteriormente outras manifestações extraordinárias que tinham
envolvido a Lúcia e vários companheiros e companheiras. Numa série de
interrogatórios, o Dr. Manuel Nunes Formigão, foi recolhendo informações: A 27
de Setembro, Lúcia: “O ano passado, nunca me apareceu [Nossa Senhora], nem
antes de Maio deste ano; nem eu disse a pessoa alguma, porque não era exacto”.
A 11 de Outubro,
Maria Rosa, mãe da Lúcia, no dia 11 de Outubro: “Há um ano, vários pequenos (um
irmão do Francisco, João) afirmam que lhes aparecia um vulto, todo embrulhado
num pano branco, sem se lhe ver o rosto, na Cova da Iria e noutros sítios”. No
dia 19 de Outubro, o Dr. Formigão tocou novamente no assunto: “O que viste há
cerca de um ano? Tua mãe diz que tu e outras crianças viram um vulto
embrulhado, que não deixava ver o rosto. Porque foi que me disseste, o mês
passado, que não foi nada?” Perante o silêncio de Lúcia, perguntou-lhe: “Dessa
vez, fugiste?” Lúcia respondeu: “Cuido que fugi”. Num interrogatório, mais
minucioso, no dia 2 de Novembro de 1917, o Dr. Formigão insistiu: “Preciso de
saber o que foi que viste, então, e como foi que as coisas se passaram. É certo
que te apareceu um vulto branco?”. Lúcia referiu, então, os companheiros que
estavam com ela, nas três vezes que o vulto lhes apareceu, “em mais de uma
árvore”, “todo vestido de branco”; “não lhe via os braços nem os pés”;
“demorou-se pouco tempo”; “não sabe o que fosse esse vulto; mas cuida “que não
era Nossa Senhora”.
Depois desta
data, não se ouviu falar mais do “vulto embrulhado”, até ao dia 28 de Setembro
de 1923, no decorrer dos interrogatórios oficiais do processo canónico, em que
foi ouvida a mãe da Lúcia: “No ano anterior ao das Aparições, ouviu a filha
Lúcia e outras dizerem que tinham visto, noutro lugar, uma pessoa embrulhada
num lençol. Não fez caso de tais palavras”.
No
interrogatório oficial, a 8 de Julho de 1924, Lúcia não foi interrogada sobre
as visões do “vulto branco”, nem sobre as aparições do Anjo de Portugal, em
1916.
Mais ninguém se
pronunciou sobre esses assuntos, nem sequer no relatório final do processo
canónico diocesano, redigido pelo Dr. Formigão, aprovado pela comissão, a 14 de
Abril de 1930, e entregue ao Bispo de Leria, que nele se baseou, para redigir a
carta pastoral de 13 de Outubro do mesmo ano.
Finalmente,
Lúcia resolveu contar por escrito, na Segunda Memória, o que vira: “Subimos,
com os nossos rebanhos, até quase ao cimo do monte. […] Um pouco mais ou menos
aí pelo meio-dia, comemos a nossa merenda e, depois dela, convidei as minhas
companheiras para rezarem comigo o Terço, ao que elas anuíram com gosto. Mal
tínhamos começado, quando, diante de nossos olhos, vemos, como que suspensa no
ar, sobre o arvoredo, uma figura como se fosse uma estátua de neve que os raios
do sol tornavam algo transparente”. E descreve mais alguns pormenores, dizendo
que o facto se deu, mais duas vezes. Na Quarta Memória (Dezembro de 1941), a
Irmã Lúcia faz uma síntese destas aparições, que situa em 1915: “Pelo que posso
mais ou menos calcular, parece-me que foi em 1915 que se deu essa aparição do
que julgo ser o Anjo, que não ousou, por então, manifestar-se de todo. Pelo
aspecto do tempo, penso que se deveram dar nos meses de Abril até Outubro –
1915. Na encosta do cabeço que fica voltada para o sul, ao tempo de rezar o
terço, na companhia de três companheiras, de nome Teresa Matias, Maria Rosa
Matias, sua irmã, e Maria Justino, do lugar da Casa Velha, vi que sobre o
arvoredo do vale que se estendia a nossos pés, pairava uma como que nuvem, mais
branca que neve, algo transparente, com forma humana. As minhas companheiras
perguntaram-me o que era. Respondi que não sabia. Em dias diferentes,
repetiu-se mais duas vezes. Esta aparição deixou-me no espírito uma certa impressão
que não sei explicar. Pouco e pouco, essa impressão ia-se desvanecendo; e creio
que, se não são os factos que se lhe seguiram, com o tempo a viria a esquecer
por completo”.