Fica
claro que esse é um assunto novo e que a sociedade precisa entender melhor o
que significa, especialmente num país em que 89,4 % se dizem cristãos. O que é um Estado
laico em uma sociedade profundamente religiosa?
Estado
laico é o Estado livre e neutro que, por não assumir uma identidade religiosa,
dá espaço para que todas as religiões existam e se expressem. Mas fica a
pergunta: qual o papel social da religião? A religião pode e tem condições de
exercer um papel social, ou deve ficar no âmbito privado?
O
relativismo filosófico, isto é, a idéia de que não é possível encontrar uma
verdade com a razão fora do âmbito científico, leva à conseqüência necessária
do relativismo ético e religioso: a ética e a religião não têm pressupostos
racionais e o bem a e verdade comum não podem ser encontrados neles, mas se
trata de escolhas pessoais. Como conseqüência, a ética e a religião não têm
nenhum valor público.
Também um
fruto necessário na sociedade democrática é que todo desejo e todo tipo de
expressão religiosa deve, então, se tornar direito. Mas, será que é verdade que
a razão se reduz apenas à racionalidade matemático-experimental? Será que
somente a ciência tem pressupostos racionais, e a verdade não científica deve
se impor somente pelo desejo da maioria (ou de uma minoria mais organizada)?
Querer
retirar o papel social e público das religiões, em especial do cristianismo,
significa mutilar a sua essência. Um cristão que reduz sua fé a aspectos intimistas,
privados e individuais, é uma caricatura deformada do ser cristão. Por outro
lado, não é razoável que o Estado e a sociedade prescindam de toda riqueza
ética, antropológica e social das religiões. Como esquecer ou ignorar que os
melhores fundamentos da sociedade ocidental foram herdados do cristianismo em
meio a heranças pagãs e bárbaras? Onde melhor aprendemos sobre os direitos
humanos, o cuidado com os mais fracos, o valor da cultura e da ciência, da
educação e da higiene, o direito internacional e tantos outros patrimônios
humanos sociais?
Entretanto,
a causa da laicidade, que deveria ser um espaço de pluralismo, em que,
inclusive a realidade amplamente religiosa do povo brasileiro tenha lugar nos
valores da sociedade, tornou-se espaço para a ideologia “laica”, ou
seja, a ideologia da irreligião, em que a fé não pode ter opinião ou expressão
pública. Essa ideologia “laica” é uma ideologia religiosa, porque a irreligião
não é uma posição neutra, mas uma opção religiosa de fobia à religião.
A tensão
desse diálogo é a realidade velada de que, na verdade, uma nova religião tenta
se impor às outras. O homem
é um ser autotranscendente, isto é, tem a necessidade de ancorar a sua
existência e valores em algo acima dele mesmo. Outrora, esse algo era o Deus
cristão; e a âncora de fé eram a Igreja e o Rei. Mas, não continuamos a ser
teocráticos? Agora, o Deus é o Estado e a âncora de fé é o povo. Uma vez que
se retirou Deus como o ser que fundamenta os valores, restou o homem. Mas o
homem não seria capaz de iluminar a própria existência. Na democracia sem Deus,
o homem crê nele mesmo, mas nele mistificado na coletividade sem face, ou seja,
não em alguém, mas em todos sem identidade, mascarando sua fé na bela idéia de
que cidadãos unidos fundamentam a autoridade, o bem, a verdade. Negando Deus,
foi preciso criar outro deus que desse fundamento às coisas, à sociedade; e
esse fundamento é o próprio homem, mas, como ele mesmo é incapaz disso, a forma
de transcender-se foi divinizar o povo, crendo nele sem ter fé.
O
Laicismo, enraizado na idéia de uma democracia fundamentada numa sociedade em
que Deus deve ficar calado e escondido, é um perigoso engodo, porque, na
verdade, é a fabricação de uma religiosidade do Estado, tão típico dos Estados
totalitários (realidade explícita no Terceiro Reich nazista). A tirania democrática tem formas
diferentes; nela, grupos organizados e capitalizados se impõem, moldam as
massas e impõem a todos sua ideologia. Um processo mais lento do que dos
tiranos, mas que preserva a aura de que tudo foi feito e decidido de forma
legítima por um segmento que representa o povo.
A
democracia em sociedades laicas é a melhor forma de governo que se tem.
Todavia, corremos o risco de criarmos novas formas de teocracia se não
reconhecermos tantas outras conquistas da humanidade e prescindirmos da
consciência religiosa do homem como elemento importante na construção de uma
sociedade justa e livre.
André Luis Botelho de Andrade
Fundador e Moderador Geral da Comunidade Católica Pantokrator
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Comunidade Católica Pantokrator
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