O próximo Sínodo dos Bispos foi precedido por um
alvoroço da mídia que lhe atribui um significado histórico maior do que o seu
âmbito eclesiológico de mera assembléia consultiva da Igreja. Alguns lamentam
pela guerra teológica que o Sínodo anuncia, mas a história de todos os
encontros episcopais (este é o significado etimológico do termo e do seu
sinônimo “concílio”) sempre foi marcada por conflitos teológicos e debates
ásperos sobre erros e divisões que ameaçavam a comunidade cristã desde o seu
início.
Hoje a questão da comunhão para divorciados é só
mais uma vertente de uma discussão que abrange conceitos doutrinários muito
mais complexos, como o da natureza humana e da lei natural. Esse debate parece
refletir na esfera antropológica, as especulações trinitárias e cristológicas
que abalaram a Igreja durante o Concílio de Nicéia (325) e da Calcedônia (451).
Naquela época se discutia para determinar a natureza da Santíssima Trindade,
que é um só Deus em três Pessoas, e para definir em Jesus Cristo a Pessoa do
Verbo, que subsiste em duas naturezas, a divina e a humana. A adoção por parte
do Concílio de Nicéia, do termo grego homoousios, que em latim foi traduzido
como consubstantialis e, logo após com o Concílio de Calcedônia, com as
palavras “da mesma natureza” da substância divina, para afirmar a perfeita
igualdade entre o Verbo e o Pai, marcou uma data memorável na história do
Cristianismo e encerrou uma era de perplexidade, confusão, e drama de
consciência semelhante àquela em que estamos inseridos. Naqueles anos, a igreja
estava dividida entre a “direita” de Santo Atanásio e a “esquerda” dos
seguidores de Ário (a definição é do historiador dos Concílios Karl Joseph von
HEFELE). Entre os dois polos oscilava o terceiro partido dos semi-arianos,
divididos em várias facções. Ao homoousios de Nicéia, que significa “da mesma
substância” foi contraposto o termo homoiousios que significa “de substância
semelhante”. Não se tratava de uma mera questão de terminologia. A diferença
entre essas duas palavras, aparentemente insignificante, esconde um abismo: de
uma parte a identidade com Deus, e da outra, uma certa analogia ou semelhança,
o que faz de Jesus Cristo um simples homem.
A melhor reconstrução histórica deste período
é a do cardeal John Henry Newman, em seu livro “Os arianos do IV século”(tr.
Ele. Jaca Book, Milano 1981), um estudo aprofundado, que destaca a
responsabilidade do clero e a coragem do “povo” na manutenção da fé ortodoxa. O
diácono Atanásio, campeão da ortodoxia, ao ser eleito bispo, foi forçado por
bem cinco vezes a abandonar sua diocese para percorrer o caminho do exílio. No
ano 357 o Papa Libério excomungou Atanásio e dois anos mais tarde, os Concílios
de Rimini e Selêucia, que constituíam uma espécie de grande concílio ecumênico
representando o Ocidente e o Oriente, abandonaram o termo “consubstancial” de
Nicéia e estabeleceram um equivocado meio-termo entre Santo Atanásio e os
Arianos. Foi então que São Jerônimo cunhou a frase segundo a qual “o
mundo gemeu e percebeu com espanto que tinha se tornado Ariano”.
Atanásio e os defensores da fé ortodoxa foram
acusados de ficarem presos a questões de palavras e de serem encrenqueiros e
intolerantes. As mesmas acusações que agora são dirigidas àqueles que dentro e
fora dos debates sinodais levantam uma voz de intransigente firmeza na defesa
do ensinamento perene da Igreja sobre o matrimônio cristão, como é o caso dos
cinco cardeais (Burke, Brandmüller, Caffara De Paolis e Müller) os quais,
depois de terem se manifestado individualmente, reuniram suas ações em defesa
da família em um livro que se tornou um manifesto, “Permanecer na verdade de
Cristo: o casamento e a Comunhão na Igreja Católica”, que acaba de ser
publicado pelas Edições Cantagalli Siena. A mesma editora Cantagalli foi
responsável pela publicação de mais um texto fundamental, “Divorciados
recasados. A práxis da Igreja primitiva” do jesuíta Henri CROUZEL.