“Não
se deu conta ainda de que o mundo se libertou das trevas da ignorância, dos
preconceitos, dos tabus, da tirania, do despotismo, graças ao iluminismo?”
Quantas e quantas vezes em meu combate, em
discussões mais acaloradas, não ouvi uma sentença mais ou menos nestes termos:
“Não se deu conta ainda de que o mundo se libertou das trevas da ignorância,
dos preconceitos, dos tabus, da tirania, do despotismo, graças ao iluminismo?”
É preciso, pois, estudar e entender melhor o que
foi o iluminismo e suas consequências. Há uma vasta e excelente literatura
sobre o assunto. Todavia, nunca é demais tentar informar um público maior, não
dado a leituras mais densas, um público que acaba sendo enganado pela
propaganda ideológica subversiva que doura o iluminismo como se representasse
um grande avanço da humanidade, uma descoberta libertadora do homem, que o
tivesse tornado essencialmente melhor que o homem antigo, o homem histórico, ou
ainda mais perfeito que o homem redimido e feito filho de Deus pelo batismo e
membro do corpo místico de Cristo a Santa Igreja Católica.
A primeira coisa que cumpre dizer é que o
iluminismo não representa absolutamente um período de desenvolvimento e
aprofundamento da filosofia ou de um progresso do conhecimento humano em geral.
Não houve disparate que não fosse sustentado pelos “filósofos das luzes”, como,
por exemplo, a negação da causalidade por David de Hume, um dos precursores do
iluminismo. Ele, contraditoriamente, queria descobrir a causa que levava o
homem a confundir a sucessão constante entre dois fenômenos com a relação
de causa e efeito! E o pior é que tal absurdo lhe valeu a a admiração de outros
autores que aumentaram e sofisticaram ainda mais os seus erros.
Acrescente-se ainda que os verdadeiros métodos
científicos modernos não devem nada ao iluminismo. Bacon é anterior ao
iluminismo e certamente ficaria horrorizado com o que alguns iluministas
disseram sobre a ciência. E debocharia do otimismo pueril de muitos deles.
Outra acusação que se deve fazer contra o
iluminismo é quanto ao seu endeusamento da razão. O hino iluminista à razão
está longe de ser um reconhecimento reverente da capacidade da inteligência
humana de conhecer a natureza humana e o mundo, adequar as coisas às
necessidades do homem e promover, enfim, a ciência e a cultura. Pelo contrário,
há no iluminismo uma tendência a rebaixar o homem à condição de irracional. É
verdade que tal tendência prevalece, sobretudo, em um Rousseau,
justamente por isso classificado, sob certos aspectos, como um opositor do
iluminismo.
Entretanto, é inegável que o fruto próprio do
iluminismo tenha sido um amesquinhamento da razão humana considerada inepta
para conhecer a realidade e reduzida a instrumento (por contraditório que
pareça) de manipulação da realidade. O endeusamento da razão significa apenas
um desprezo da fé, seja porque basta uma religião natural (o homem é bom e não
precisa de uma religião redentora) seja porque o homem não pode sequer saber
racionalmente se Deus existe.