DISCURSO
Audiência
com o corpo diplomático creditado junto à Santa Sé
para
as felicitações de início de ano
Sala
Régia do Palácio Apostólico – Vaticano
Segunda-feira,
11 de janeiro de 2015
Excelências, Senhoras e Senhores!
De coração vos dou as boas-vindas a este encontro
anual, em que tenho oportunidade de vos apresentar os meus votos para o novo
ano e reflectir convosco sobre a situação deste nosso mundo, abençoado e amado
por Deus e todavia atribulado e aflito por tantos males. Agradeço ao novo
Decano do Corpo Diplomático, senhor Armindo Fernandes do Espírito Santo Vieira,
Embaixador de Angola, as amáveis palavras que me dirigiu em nome de todo o
Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé; desejo aqui fazer memória
especial – quase um mês depois da sua morte – dos falecidos Embaixadores de
Cuba, Rodney Alejandro López Clemente, e da Libéria, Rudolf P. von Ballmoos.
Aproveito a ocasião também para dirigir uma
saudação particular a quantos participam pela primeira vez neste encontro,
notando com satisfação que, no decurso do ano passado, aumentou ainda mais o
número de Embaixadores residentes em Roma. Trata-se de um sinal importante da
atenção com que a comunidade internacional segue a actividade diplomática da
Santa Sé. E outra prova disso mesmo são os Acordos internacionais assinados ou
ratificados durante o ano findo. Em particular, desejo mencionar aqui as
convenções específicas em matéria de tributação assinadas com a Itália e os
Estados Unidos da América, que demonstram o crescente empenho da Santa Sé em
prol duma maior transparência nas questões económicas. Não menos importantes,
porém, são os acordos de carácter geral, visando regular aspectos essenciais da
vida e da actividade da Igreja nos diferentes países, como o Acordo assinado em
Díli com a República Democrática de Timor-Leste.
De igual modo, desejo recordar a troca dos
Instrumentos de Ratificação do Acordo com o Chade sobre o estatuto jurídico da
Igreja Católica no país, bem como o Acordo assinado e ratificado com a
Palestina. Trata-se de dois acordos que, juntamente com o Memorando de
Entendimento entre a Secretaria de Estado e o Ministério dos Negócios
Estrangeiros do Kuwait, demonstram, para além do mais, que a convivência
pacífica entre membros de religiões diferentes é possível quando se reconhece a
liberdade religiosa e se assegura uma real possibilidade de colaborar para a
edificação do bem comum, no respeito mútuo da identidade cultural de cada um.
Aliás toda a experiência religiosa, vivida
autenticamente, só pode promover a paz. Assim no-lo recorda o Natal que há
pouco celebrámos, contemplando o nascimento dum menino indefeso, cujo «nome é:
Conselheiro admirável, Deus forte, Pai eterno, Príncipe da paz» (cf. Is 9, 5).
O mistério da Encarnação mostra-nos o verdadeiro rosto de Deus, para quem o
poder não significa força e destruição, mas amor; a justiça não significa
vingança, mas misericórdia. Precisamente nesta perspectiva, quis proclamar o
Jubileu extraordinário da Misericórdia, inaugurado excepcionalmente em Bangui
durante a minha viagem apostólica ao Quénia, Uganda e República
Centro-Africana. Num país longamente atribulado pela fome, a pobreza e os
conflitos, onde a violência fratricida dos últimos anos deixou feridas
profundas nos espíritos, dilacerando a comunidade nacional e gerando miséria
material e moral, a abertura da Porta Santa da Catedral de Bangui pretendeu ser
um sinal de encorajamento para erguerem o olhar, retomarem o caminho e
reencontrarem as razões do diálogo. Lá onde se abusou do nome de Deus para cometer
injustiça, quis reiterar, juntamente com a comunidade muçulmana da República
Centro-Africana, que «quem afirma crer em Deus deve ser também um homem ou uma
mulher de paz»1 e, consequentemente, de misericórdia, porque nunca se pode
matar em nome de Deus. Só uma forma ideologizada e extraviada de religião pode
pensar fazer justiça em nome do Omnipotente, massacrando deliberadamente
pessoas indefesas, como aconteceu nos sanguinários ataques terroristas dos
meses passados na África, Europa e Médio Oriente.
A misericórdia foi, de certo modo, o «fio condutor»
que guiou as minhas viagens apostólicas já no ano passado. Refiro-me, antes de
mais nada, à visita a Sarajevo, cidade profundamente ferida pela guerra nos
Balcãs e capital dum país, a Bósnia-Herzegovina, que se reveste dum significado
especial para a Europa e o mundo inteiro. Como encruzilhada de culturas, nações
e religiões, tem-se esforçado, com resultados positivos, por construir sem
cessar novas pontes, valorizar aquilo que une e olhar as diferenças como
oportunidades de crescimento no respeito por todos. Isto é possível através dum
diálogo paciente e confiante, que sabe assumir os valores da cultura de cada um
e acolher o bem proveniente das experiências alheias.2
Depois, penso na viagem à Bolívia, Equador e
Paraguai, onde encontrei povos que não se rendem diante das dificuldades e, com
coragem, determinação e espírito de fraternidade, enfrentam os numerosos
desafios que os afligem, a começar pela pobreza generalizada e as desigualdades
sociais. Durante a viagem a Cuba e aos Estados Unidos da América, pude abraçar
dois países que, depois de prolongada divisão, decidiram escrever nova página
na história, empreendendo um caminho de avizinhamento e reconciliação.
Em Filadélfia, por ocasião do Encontro Mundial das
Famílias, bem como durante a viagem ao Sri Lanka e às Filipinas e com o recente
Sínodo dos Bispos, recordei a importância da família, que é a primeira e mais
importante escola de misericórdia, na qual se aprende a descobrir o rosto
amoroso de Deus e onde cresce e se desenvolve a nossa humanidade. Conhecemos os
numerosos desafios que, infelizmente, a família tem de enfrentar neste tempo em
que está «ameaçada pelos crescentes esforços de alguns em redefinir a própria
instituição do matrimónio mediante o relativismo, a cultura do efémero, a falta
de abertura à vida».3 Hoje há um medo generalizado à condição definitiva que a
família supõe e, quem o paga, são sobretudo os mais novos, muitas vezes frágeis
e desorientados, e os idosos que acabam por ser esquecidos e abandonados. Pelo
contrário, «da fraternidade vivida na família, nasce a solidariedade na
sociedade»,4 que nos leva a ser responsáveis uns pelos outros. Isto só é
possível se nas nossas casas, bem como na sociedade, não deixarmos sedimentar incómodos
e ressentimentos, mas dermos lugar ao diálogo, que é o melhor antídoto contra o
individualismo tão largamente espalhado na cultura do nosso tempo.