DISCURSO
Audiência
com o corpo diplomático creditado junto à Santa Sé
para
as felicitações de início de ano
Sala
Régia do Palácio Apostólico – Vaticano
Segunda-feira,
11 de janeiro de 2015
Excelências, Senhoras e Senhores!
De coração vos dou as boas-vindas a este encontro
anual, em que tenho oportunidade de vos apresentar os meus votos para o novo
ano e reflectir convosco sobre a situação deste nosso mundo, abençoado e amado
por Deus e todavia atribulado e aflito por tantos males. Agradeço ao novo
Decano do Corpo Diplomático, senhor Armindo Fernandes do Espírito Santo Vieira,
Embaixador de Angola, as amáveis palavras que me dirigiu em nome de todo o
Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé; desejo aqui fazer memória
especial – quase um mês depois da sua morte – dos falecidos Embaixadores de
Cuba, Rodney Alejandro López Clemente, e da Libéria, Rudolf P. von Ballmoos.
Aproveito a ocasião também para dirigir uma
saudação particular a quantos participam pela primeira vez neste encontro,
notando com satisfação que, no decurso do ano passado, aumentou ainda mais o
número de Embaixadores residentes em Roma. Trata-se de um sinal importante da
atenção com que a comunidade internacional segue a actividade diplomática da
Santa Sé. E outra prova disso mesmo são os Acordos internacionais assinados ou
ratificados durante o ano findo. Em particular, desejo mencionar aqui as
convenções específicas em matéria de tributação assinadas com a Itália e os
Estados Unidos da América, que demonstram o crescente empenho da Santa Sé em
prol duma maior transparência nas questões económicas. Não menos importantes,
porém, são os acordos de carácter geral, visando regular aspectos essenciais da
vida e da actividade da Igreja nos diferentes países, como o Acordo assinado em
Díli com a República Democrática de Timor-Leste.
De igual modo, desejo recordar a troca dos
Instrumentos de Ratificação do Acordo com o Chade sobre o estatuto jurídico da
Igreja Católica no país, bem como o Acordo assinado e ratificado com a
Palestina. Trata-se de dois acordos que, juntamente com o Memorando de
Entendimento entre a Secretaria de Estado e o Ministério dos Negócios
Estrangeiros do Kuwait, demonstram, para além do mais, que a convivência
pacífica entre membros de religiões diferentes é possível quando se reconhece a
liberdade religiosa e se assegura uma real possibilidade de colaborar para a
edificação do bem comum, no respeito mútuo da identidade cultural de cada um.
Aliás toda a experiência religiosa, vivida
autenticamente, só pode promover a paz. Assim no-lo recorda o Natal que há
pouco celebrámos, contemplando o nascimento dum menino indefeso, cujo «nome é:
Conselheiro admirável, Deus forte, Pai eterno, Príncipe da paz» (cf. Is 9, 5).
O mistério da Encarnação mostra-nos o verdadeiro rosto de Deus, para quem o
poder não significa força e destruição, mas amor; a justiça não significa
vingança, mas misericórdia. Precisamente nesta perspectiva, quis proclamar o
Jubileu extraordinário da Misericórdia, inaugurado excepcionalmente em Bangui
durante a minha viagem apostólica ao Quénia, Uganda e República
Centro-Africana. Num país longamente atribulado pela fome, a pobreza e os
conflitos, onde a violência fratricida dos últimos anos deixou feridas
profundas nos espíritos, dilacerando a comunidade nacional e gerando miséria
material e moral, a abertura da Porta Santa da Catedral de Bangui pretendeu ser
um sinal de encorajamento para erguerem o olhar, retomarem o caminho e
reencontrarem as razões do diálogo. Lá onde se abusou do nome de Deus para cometer
injustiça, quis reiterar, juntamente com a comunidade muçulmana da República
Centro-Africana, que «quem afirma crer em Deus deve ser também um homem ou uma
mulher de paz»1 e, consequentemente, de misericórdia, porque nunca se pode
matar em nome de Deus. Só uma forma ideologizada e extraviada de religião pode
pensar fazer justiça em nome do Omnipotente, massacrando deliberadamente
pessoas indefesas, como aconteceu nos sanguinários ataques terroristas dos
meses passados na África, Europa e Médio Oriente.
A misericórdia foi, de certo modo, o «fio condutor»
que guiou as minhas viagens apostólicas já no ano passado. Refiro-me, antes de
mais nada, à visita a Sarajevo, cidade profundamente ferida pela guerra nos
Balcãs e capital dum país, a Bósnia-Herzegovina, que se reveste dum significado
especial para a Europa e o mundo inteiro. Como encruzilhada de culturas, nações
e religiões, tem-se esforçado, com resultados positivos, por construir sem
cessar novas pontes, valorizar aquilo que une e olhar as diferenças como
oportunidades de crescimento no respeito por todos. Isto é possível através dum
diálogo paciente e confiante, que sabe assumir os valores da cultura de cada um
e acolher o bem proveniente das experiências alheias.2
Depois, penso na viagem à Bolívia, Equador e
Paraguai, onde encontrei povos que não se rendem diante das dificuldades e, com
coragem, determinação e espírito de fraternidade, enfrentam os numerosos
desafios que os afligem, a começar pela pobreza generalizada e as desigualdades
sociais. Durante a viagem a Cuba e aos Estados Unidos da América, pude abraçar
dois países que, depois de prolongada divisão, decidiram escrever nova página
na história, empreendendo um caminho de avizinhamento e reconciliação.
Em Filadélfia, por ocasião do Encontro Mundial das
Famílias, bem como durante a viagem ao Sri Lanka e às Filipinas e com o recente
Sínodo dos Bispos, recordei a importância da família, que é a primeira e mais
importante escola de misericórdia, na qual se aprende a descobrir o rosto
amoroso de Deus e onde cresce e se desenvolve a nossa humanidade. Conhecemos os
numerosos desafios que, infelizmente, a família tem de enfrentar neste tempo em
que está «ameaçada pelos crescentes esforços de alguns em redefinir a própria
instituição do matrimónio mediante o relativismo, a cultura do efémero, a falta
de abertura à vida».3 Hoje há um medo generalizado à condição definitiva que a
família supõe e, quem o paga, são sobretudo os mais novos, muitas vezes frágeis
e desorientados, e os idosos que acabam por ser esquecidos e abandonados. Pelo
contrário, «da fraternidade vivida na família, nasce a solidariedade na
sociedade»,4 que nos leva a ser responsáveis uns pelos outros. Isto só é
possível se nas nossas casas, bem como na sociedade, não deixarmos sedimentar incómodos
e ressentimentos, mas dermos lugar ao diálogo, que é o melhor antídoto contra o
individualismo tão largamente espalhado na cultura do nosso tempo.
Queridos Embaixadores!
Um espírito individualista é terreno fértil para
medrar aquele sentido de indiferença para com o próximo, que leva a tratá-lo
como mero objecto de comércio, que impele a ignorar a humanidade dos outros e
acaba por tornar as pessoas medrosas e cínicas. Porventura não são estes os
sentimentos que muitas vezes nos assaltam à vista dos pobres, dos
marginalizados, dos últimos da sociedade? E são tantos os últimos na nossa
sociedade! Dentre eles, penso sobretudo nos migrantes, com o peso de
dificuldades e tribulações que enfrentam diariamente à procura, por vezes
desesperada, dum lugar onde viver em paz e com dignidade.
Por isso, hoje, queria deter-me a reflectir
convosco sobre a grave emergência migratória que temos estado a enfrentar, para
discernir as suas causas, perspectivar soluções, vencer o medo que
inevitavelmente acompanha um fenómeno assim grande e impressionante, que,
durante o ano de 2015, interessou sobretudo a Europa, mas também várias regiões
da Ásia e o Norte e Centro da América.
«Tem coragem, não tremas, porque o Senhor, teu
Deus, estará contigo para onde quer que fores» (Js 1, 9). É a promessa feita
por Deus a Josué, que mostra como o Senhor acompanha cada pessoa, sobretudo
quem vive numa situação de vulnerabilidade como esta de quem procura refúgio
num país estrangeiro. Na verdade, toda a Bíblia nos conta a história duma
humanidade a caminho, pois é conatural ao homem estar em movimento. A sua
história é feita de muitas migrações, às vezes amadurecidas como consciência do
direito a uma livre escolha, mas frequentemente ditadas por circunstâncias
externas. Do desterro do paraíso terreal até Abraão em marcha para a terra
prometida, da história do Êxodo até à deportação para Babilónia, a Sagrada
Escritura narra incómodos e sofrimentos, desejos e esperanças, que são comuns
aos de centenas de milhares de pessoas em marcha nos nossos dias, com a mesma
determinação de Moisés de alcançar uma terra onde corra «leite e mel» (cf. Ex
3, 17), onde possam viver livres e em paz.
E assim, hoje como então, ouvimos o grito de Raquel
que chora pelos seus filhos, que já não existem (cf. Jr 31, 15; Mt 2, 18). É a
voz dos milhares de pessoas que choram enquanto fogem de guerras horríveis, de
perseguições e violações dos direitos humanos, da instabilidade política ou
social, que frequentemente lhes tornam impossível a vida na própria pátria. É o
grito de quantos se vêem constrangidos a fugir para evitar barbáries
indescritíveis contra pessoas indefesas como crianças e deficientes, ou evitar
o martírio por simples filiação religiosa.
Como então, ouvimos a voz de Jacob que – tendo
ouvido dizer que havia trigo à venda no Egipto – diz aos seus filhos: «Ide lá
comprá-lo, para nós continuarmos vivos e não morrermos» (Gn 42, 2). É a voz
daqueles que fogem da miséria extrema, sem possibilidades de alimentar a
família ou ter acesso aos cuidados médicos e à instrução, fogem da degradação
sem perspectivas de qualquer progresso ou mesmo por causa das alterações
climáticas e de condições climáticas extremas. Sabe-se que, infelizmente, a
fome é ainda uma das chagas mais graves do nosso mundo, com milhões de crianças
que morrem anualmente por causa dela. É triste, porém, constatar que muitas
vezes estes migrantes não se enquadram nos sistemas de protecção baseados nos
acordos internacionais.
Como é possível não ver, em tudo isto, o resultado
daquela «cultura do descarte» que põe em perigo a pessoa humana, sacrificando
homens e mulheres aos ídolos do lucro e do consumo? É grave habituar-se a estas
situações de pobreza e necessidade, aos dramas de tantas pessoas, fazendo com
que se tornem «normalidade». As pessoas já não são vistas como um valor
primário a respeitar e tutelar, especialmente se são pobres ou deficientes, se
«ainda não servem» (como os nascituros) ou «já não servem» (como os idosos).
Tornamo-nos insensíveis a qualquer forma de desperdício, a começar pelo
alimentar, que aparece entre os mais deploráveis, vistas as inúmeras pessoas e
famílias que padecem fome e subalimentação.5
A Santa Sé espera que a I Cimeira Humanitária
Mundial, convocada pelas Nações Unidas para o próximo mês de Maio, possa ter
sucesso, no actual quadro sombrio de conflitos e desastres, na sua pretensão de
colocar a pessoa humana e a sua dignidade no coração de cada resposta humanitária.
É preciso um compromisso comum que inverta decididamente a cultura do descarte
e da violação da vida humana, para que ninguém se sinta negligenciado ou
esquecido nem sejam sacrificadas mais vidas pela falta de recursos e sobretudo
de vontade política.
Infelizmente, hoje como então, ouvimos a voz de
Judá sugerir que se venda o próprio irmão (cf. Gn 37, 26-27). É a arrogância
dos poderosos que instrumentalizam os fracos, reduzindo-os a objectos para fins
egoístas ou por cálculos estratégicos e políticos. Onde é impossível uma
migração regular, os migrantes vêem-se muitas vezes forçados a tomar a opção de
se dirigirem a quem pratica o tráfico ou o contrabando de seres humanos, embora
estejam em grande parte cientes do perigo de perder, durante o percurso, os
bens, a dignidade e até mesmo a vida. Nesta perspectiva, renovo uma vez mais o
apelo a deter o tráfico de pessoas, que mercantiliza os seres humanos,
especialmente os mais fracos e indefesos. Nas nossas mentes e nos nossos
corações, permanecerão indelevelmente gravadas as imagens das crianças mortas
no mar, vítimas dos homens sem escrúpulos e da inclemência da natureza. Depois,
quem sobrevive e chega a um país que o acolhe leva consigo indelevelmente as
cicatrizes profundas destas experiências, além das relacionadas com os horrores
que sempre acompanham guerras e violências.
Como então, também hoje se ouve o Anjo repetir:
«Levanta-te, toma o menino e sua mãe, foge para o Egipto e fica lá até que eu
te avise» (Mt 2, 13). É a voz escutada pelos inúmeros migrantes que nunca
deixariam o seu país se, a isso mesmo, não fossem constrangidos. Entre eles, há
numerosos cristãos que, no decurso dos últimos anos, têm abandonado de forma
cada vez mais maciça as suas terras, onde habitaram desde as origens do cristianismo.
Finalmente, também hoje escutamos a voz do Salmista
que repete: «Junto aos rios de Babilónia nos sentamos a chorar, recordando-nos
de Sião» (Sal 137/136, 1). É o pranto daqueles que de boa vontade regressariam
aos seus países, se lá encontrassem adequadas condições de segurança e de
subsistência. Também aqui penso nos cristãos do Médio Oriente desejosos de
contribuir, como cidadãos de pleno direito, para o bem-estar espiritual e
material das respectivas nações.
Desde há muito tempo que se poderia ter enfrentado
grande parte das causas das migrações; e, deste modo, teria sido possível
prevenir tantas desgraças ou, pelo menos, mitigar as suas consequências mais
atrozes. E hoje, antes que seja tarde demais, muito se pode fazer para impedir
as tragédias e construir a paz. Mas isto significaria pôr em discussão hábitos
e práticas consolidadas, a começar pelas problemáticas relacionadas com o
comércio dos armamentos, até ao problema da conservação de matérias-primas e
energia, aos investimentos, às políticas de financiamento e apoio ao
desenvolvimento, até à grave chaga da corrupção. Além disso, devemos estar
cientes da necessidade que há, em tema de migração, de estabelecer projectos de
médio e longo prazo que ultrapassem a resposta de emergência; deveriam ajudar
realmente à integração dos migrantes nos países de acolhimento e, ao mesmo
tempo, favorecer o desenvolvimento dos países de origem com políticas
solidárias, mas sem condicionar as ajudas a estratégias e práticas
ideologicamente alheias ou contrárias às culturas dos povos a que se destinam.
Sem esquecer outras situações dramáticas –
nomeadamente a que se vive na fronteira entre o México e os Estados Unidos da
América, que tocarei ao de leve quando for a Ciudad Juárez no próximo mês –,
gostaria de dedicar um pensamento especial à Europa. Na verdade, ao longo do
ano passado, viu-se afectada por um fluxo impressionante de refugiados (tendo
muitos deles encontrado a morte na tentativa de a alcançar), que não tem
precedentes na sua história recente, nem mesmo no final da II Guerra Mundial.
Muitos migrantes, originários da Ásia e da África, vêem na Europa um ponto de
referência por princípios, como a igualdade perante a lei, e valores inscritos
na própria natureza de cada ser humano, como a inviolabilidade da dignidade e
da igualdade de cada pessoa, o amor ao próximo sem distinção de origem nem de
raça, a liberdade de consciência e a solidariedade com o seu semelhante.
Todavia estes desembarques maciços nas costas do
Velho Continente parecem fazer vacilar o sistema de acolhimento laboriosamente
construído sobre as cinzas do segundo conflito mundial, que constitui ainda um
farol de humanidade a servir de referência. Perante a imensidão dos fluxos e os
problemas inevitavelmente relacionados, surgiram muitas dúvidas sobre as reais
possibilidades de recepção e adaptação das pessoas, sobre a mudança do meio
cultural e social dos países de acolhimento, bem como a redefinição de alguns
equilíbrios geopolíticos regionais. Relevantes são igualmente os temores pela
segurança, exacerbados desmedidamente pela difusa ameaça do terrorismo
internacional. A vaga migratória actual parece minar as bases daquele «espírito
humanista» que a Europa ama e defende desde sempre.6 Mas não se pode dar ao
luxo de perder os valores e os princípios de humanidade, de respeito pela
dignidade de cada pessoa, de subsidiariedade e de mútua solidariedade, mesmo
que, em alguns momentos da história, possam constituir um fardo difícil de
levar. Por isso, desejo reiterar a minha convicção de que a Europa, ajudada
pelo seu grande património cultural e religioso, possui os instrumentos para
defender a centralidade da pessoa humana e encontrar o justo equilíbrio entre
estes dois deveres: o dever moral de tutelar os direitos dos seus cidadãos e o dever
de garantir a assistência e o acolhimento dos migrantes.7
Ao mesmo tempo, sinto a necessidade de exprimir
gratidão por todas as iniciativas tomadas para favorecer uma recepção digna das
pessoas, nomeadamente o Fundo Migrantes e Refugiados do Banco de Desenvolvimento
do Conselho da Europa, e também pelo empenhamento dos países que demonstraram
uma generosa atitude de partilha; refiro-me, antes de mais nada, às nações
vizinhas da Síria, que deram respostas imediatas de assistência e acolhimento,
sobretudo o Líbano, onde os refugiados constituem um quarto da população total,
e a Jordânia, que não fechou as fronteiras, apesar de abrigar já centenas de
milhares de refugiados. De igual modo, não devemos esquecer os esforços doutros
países empenhados na vanguarda, entre os quais se conta especialmente a Turquia
e a Grécia. Desejo expressar um agradecimento particular à Itália, cujo
decidido empenho salvou muitas vidas no Mediterrâneo e que ainda se ocupa no
seu território dum grande número de refugiados. Espero que o tradicional
sentido de hospitalidade e solidariedade que caracteriza o povo italiano não
fique enfraquecido pelas inevitáveis dificuldades do momento presente, mas, à
luz de sua milenária tradição, seja capaz de acolher e integrar a contribuição
social, económica e cultural que os migrantes possam prestar.
É importante não deixar sozinhas as nações que, na
vanguarda, estão enfrentando a situação actual de emergência, tornando-se
igualmente indispensável dar início a um diálogo franco e respeitoso entre
todos os países implicados no problema – países de origem, de trânsito ou de
recepção – procurando, com maior audácia criativa, soluções novas e
sustentáveis. Realmente, na actual conjuntura, não se pode pensar em soluções
perseguidas de forma individualista por um Estado, porque as consequências das
opções de cada um recaem inevitavelmente sobre toda a comunidade internacional.
Com efeito, sabe-se que as migrações constituirão uma pedra angular do futuro
do mundo, mais do que o têm sido até agora, e que as respostas só poderão ser
fruto dum trabalho comum, que respeite a dignidade humana e os direitos das
pessoas. A Agenda de Desenvolvimento, adoptada em Setembro passado pelas Nações
Unidas para os próximos 15 anos, que aborda muitos dos problemas que impelem à
migração, bem como outros documentos da comunidade internacional visando gerir
a questão migratória, poderão encontrar uma aplicação coerente com as
expectativas se souberem colocar a pessoa no centro das decisões políticas a
todos os níveis, olhando a humanidade como uma única família e os homens como
irmãos, no respeito pelas diferenças e convicções de consciência de cada um.
Com efeito, ao abordar a questão migratória não se
poderão negligenciar as relativas implicações culturais, a começar pelas
relacionadas com a pertença religiosa. O extremismo e o fundamentalismo
encontram terreno fértil não só numa instrumentalização da religião para fins
de poder, mas também no vazio de ideais e na perda de identidade – inclusive
religiosa – que contradistingue dramaticamente o chamado Ocidente. De tal vazio
nasce o medo que impele a ver o outro como um perigo e um inimigo, a fechar-se
em si mesmo, refugiando-se em posições preconceituosas. Por isso o fenómeno
migratório põe um sério interrogativo cultural, ao qual não nos podemos eximir
de responder. Assim o acolhimento pode ser ocasião propícia para uma nova
compreensão e abertura de horizonte, tanto para quem é acolhido, que tem o
dever de respeitar os valores, as tradições e as leis da comunidade que o acolhe,
como para esta última chamada a valorizar aquilo que cada imigrante pode
oferecer para benefício de toda a comunidade. Neste contexto, a Santa Sé renova
o seu compromisso de estabelecer, em campo ecuménico e inter-religioso, um
diálogo sincero e leal que, valorizando as peculiaridades e a identidade
própria de cada um, favoreça uma convivência harmoniosa entre todas as
componentes sociais.
Ilustres Membros do Corpo Diplomático!
O ano de 2015 viu a conclusão de acordos
internacionais importantes, que permitem olhar com esperança para o futuro.
Penso, em primeiro lugar, no chamado Acordo sobre o nuclear iraniano que espero
possa contribuir para favorecer um clima de desanuviamento na região, bem como
na obtenção do esperado acordo sobre o clima na Conferência de Paris. Trata-se
de um entendimento significativo que representa um resultado importante para
toda a comunidade internacional e evidencia uma forte tomada de consciência colectiva
sobre a grave responsabilidade que cada um – tanto indivíduos como nações – tem
de salvaguardar a criação, promovendo «uma cultura do cuidado que permeie toda
a sociedade».8 Naturalmente é fundamental que os compromissos assumidos não
representem apenas um bom propósito, mas constituam para todos os Estados uma
real obrigação de pôr em prática as medidas necessárias para salvaguardar a
nossa amada Terra, em benefício da humanidade inteira, sobretudo das gerações
futuras.
Por sua vez, o ano há pouco iniciado preanuncia-se
cheio de desafios, tendo já assomado ao horizonte não poucas tensões. Penso
sobretudo nos graves contrastes surgidos na região do Golfo Pérsico, bem como
na preocupante experimentação militar realizada na Península Coreana. Espero que
as contraposições dêem lugar à voz da paz e à boa vontade de procurar acordos.
Nesta perspectiva, destaco, com satisfação, a presença de gestos significativos
e particularmente encorajadores; refiro-me em particular ao clima de pacífica
convivência em que se desenrolaram as recentes eleições na República
Centro-Africana, constituindo um sinal positivo da vontade de prosseguir o
caminho rumo a uma plena reconciliação nacional. Além disso, penso nas novas
iniciativas lançadas em Chipre para resolver uma divisão de longa data e aos
esforços empreendidos pelo povo colombiano para superar os conflitos do passado
e alcançar a tão anelada paz. Além disso todos olhamos com esperança para os
passos importantes empreendidos pela comunidade internacional para alcançar uma
solução política e diplomática da crise na Síria, que ponha termo aos
sofrimentos, demasiado longos, da população. Igualmente encorajadores são os
sinais provenientes da Líbia, que permitem esperar num renovado compromisso
para fazer cessar as violências e reencontrar a unidade do país. Por outro
lado, revela-se cada vez mais claramente que só uma acção política conjunta e
concorde poderá contribuir para conter a propagação do extremismo e do
fundamentalismo, com as suas consequências de matriz terrorista, que ceifam
inumeráveis vítimas quer na Síria e na Líbia, quer noutros países, como o
Iraque e o Iémen.
Que este Ano Santo da Misericórdia seja também uma
ocasião de diálogo e reconciliação, visando a edificação do bem comum no
Burundi, na República Democrática do Congo e no Sudão do Sul. E sobretudo que
seja um tempo propício para pôr definitivamente termo ao conflito nas regiões
orientais da Ucrânia; de importância fundamental é o apoio que a comunidade
internacional, os vários Estados e as organizações humanitárias poderão
oferecer ao país, sob os mais variados pontos de vista, para que ele supere a
crise actual.
Mas o desafio maior de todos que nos espera é o de
vencer a indiferença para juntos construirmos a paz,9 que permanece um bem a
perseguir sem cessar. E, entre as muitas partes deste nosso amado mundo que por
ela anseiam ardentemente, conta-se, infelizmente, a Terra que Deus olhou com
predilecção e escolheu para mostrar a todos o rosto da sua misericórdia. A
minha esperança é que este novo ano possa curar as feridas profundas que
separam israelitas e palestinenses, permitindo a convivência pacífica de dois
povos, que – tenho a certeza! – do fundo do coração nada mais pedem senão paz.
Excelências, Senhoras e Senhores!
A nível diplomático, a Santa Sé não deixará jamais
de trabalhar para que a voz da paz possa ser ouvida até aos últimos confins da
terra. Assim, renovo a plena disponibilidade da Secretaria de Estado para
colaborar convosco na promoção dum diálogo constante entre a Sé Apostólica e os
países que representais em benefício de toda a comunidade internacional, com a
íntima certeza de que este ano jubilar poderá ser a ocasião propícia para que a
fria indiferença de tantos corações seja vencida pelo calor da misericórdia,
dom precioso de Deus, que transforma o temor em amor e nos torna artesãos de
paz. Com estes sentimentos, renovo a cada um de vós, às vossas famílias, aos
vossos países os votos mais ardentes de um ano cheio de bênçãos.
Obrigado!
______________________
[1] Encontro
com a comunidade muçulmana, Bangui, 30 de Novembro de 2015.
2 Cf.
Encontro com as Autoridades, Sarajevo, 6 de Junho de 2015.
3Encontro com
as famílias, Manila, 16 de Janeiro de 2015.
4 Encontro
com a sociedade civil, Quito, 7 de Julho de 2015.
5 Cf. Audiência
Geral, 5 de Junho de 2013.
6 Cf.
Discurso ao Parlamento Europeu, Estrasburgo, 25 de Novembro de 2014.
7 Cf. Ibidem.
8 Laudato
si’, 231.
9 Cf.
Mensagem para o XLIX Dia Mundial da Paz, intitulada Vence a indiferença e
conquista a paz, 8 de Dezembro de 2015.
__________________________________________
Boletim da
Santa Sé
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