Primeira
Pregação da Quaresma
A
ADORAÇÃO EM ESPÍRITO E VERDADE
Reflexão sobre a Constituição
Sacrosanctum Concilium
O Concílio
Vaticano II: um afluente, não o rio
Nessas meditações quaresmais eu gostaria de
continuar a reflexão sobre outros grandes documentos do Vaticano II, depois de
meditar no Advento, na Lumen Gentium. Mas creio que é útil fazer uma premissa.
O Vaticano II é um afluente, não é o rio. Em seu famoso trabalho sobre “O
Desenvolvimento da Doutrina Cristã”, o beato Cardeal Newman declarou
enfaticamente que parar a tradição em um ponto do seu curso, mesmo sendo um
concílio ecumênico, seria torna-la uma morta tradição e não uma “tradição
viva”. A tradição é como uma música. O que seria de uma melodia que parasse
numa nota, repetindo-a ad infinitum? Isso acontece com um disco que arranha e
sabemos o efeito que produz.
São João XXIII queria que o Concílio fosse para a
Igreja “como um novo Pentecostes”. Em um ponto, pelo menos, essa oração foi
ouvida. Após o Concílio houve um despertar do Espírito Santo. Ele não é mais “o
desconhecido” na Trindade. A Igreja tornou-se mais consciente de sua presença e
de sua ação. Na homilia da Missa crismal da Quinta-feira Santa de 2012, o Papa
Bento XVI afirmava:
“Quem olha para a história da época pós-conciliar é
capaz de reconhecer a dinâmica da verdadeira renovação, que frequentemente
assumiu formas inesperadas em movimentos cheios de vida e que torna quase
palpável a vivacidade inesgotável da Santa Igreja, a presença e a ação eficaz
do Espírito Santo”.
Isso não significa que nós podemos desprezar os
textos do Concílio ou ir além deles; significa reler o Concílio à luz dos seus
próprios frutos. Que os concílios ecumênicos possam ter efeitos não
compreendidos no momento, por aqueles que fizeram parte deles, é uma verdade
evidenciada pelo próprio cardeal Newman sobre o Vaticano I[1], porém
testemunhada mais vezes na história. O concílio ecumênico de Éfeso do 431, com
a definição de Maria como Theotokos, Mãe de Deus, procurava afirmar a unidade
da pessoa de Cristo, não aumentar o culto à Virgem, mas, de fato, o seu fruto
mais evidente foi precisamente este último.
Se há uma área em que a teologia e a vida da Igreja
Católica foi enriquecida nestes 50 anos de pós-concílio, é certamente a
relacionada ao Espírito Santo. Em todas as principais denominações cristãs,
estabeleceu-se nesses últimos tempos, aquilo que, com uma expressão cunhada por
Karl Barth, foi chamada de “a Teologia do Terceiro artigo”. A teologia do
terceiro artigo é aquela que não termina com o artigo sobre o Espírito Santo,
mas começa com ele; que leva em conta a ordem com que se formou a fé cristã e o
seu credo, e não só o seu produto final. Foi, de fato, à luz do Espírito Santo
que os apóstolos descobriram quem era realmente Jesus e a sua revelação sobre o
Pai. O credo atual da Igreja é perfeito e ninguém sequer sonha em muda-lo,
porém, ele reflete o produto final, o último estágio alcançado pela fé, não o
caminho através do qual se chega a isso, enquanto que, em vista de uma renovada
evangelização, é vital para nós conhecer também o caminho por meio do qual se
chega à fé, não só a sua codificação definitiva que proclamamos no credo de
memória.
A esta luz aparece claramente as implicações de
determinadas afirmações do concílio, mas aparecem também os vazios e lacunas a
serem preenchidos, em especial, precisamente sobre o papel do Espírito Santo.
Já tomava nota desta necessidade São João Paulo II, quando, por ocasião do XVI
centenário do concílio ecumênico de Constantinopla, em 1981, escrevia em sua
Carta Apostólica, a seguinte afirmação:
“Todo o trabalho de renovação da Igreja, que o
Concílio Vaticano II tão providencialmente propôs e iniciou […] não pode ser
realizado a não ser no Espírito Santo, isto é, com a ajuda da sua luz e do seu
poder[2]".