Duas vezes no
ano lembra-se a Igreja das Dores de Maria Santíssima: na Sexta-feira que
antecede ao domingo de Ramos, e no dia 15 de setembro. Já antes dessas
solenidades vinha o povo cristão consagrando terna lembrança às Dores da Mãe de
Deus. No século XIII a tendência geral fixa-se na celebração das Sete Dores. A
Ordem dos Servitas, principalmente, fundada em 1240, muito contribuiu para
propagar essa devoção. Pois seus membros deviam santificar a si e aos outros
pela meditação das Dores de Maria e de Seu Filho. Pelos fins do século XV era
quase geral no povo cristão o culto compassivo das dores de Maria. Os poetas de
vários países consagraram-lhe inúmeras poesias. O hino Stabat
Mater dolorosa tem por autor o franciscano Jacopone da Todi (1306). A
festa foi primeiramente introduzida pelo Sínodo de Colônia em 1423, sob o
título de Comemoração das Angústias e Dores da Bem-aventurada Virgem
Maria, para expiação das injúrias cometidas pelos Hussitas contra as imagens
sagradas. Propagou-se rapidamente, tomando o nome de festa de Nossa Senhora da
Piedade. Em 1725 introduziu-a o papa Bento XII no Estado Pontifício, e em 1727
estendeu-a para a Igreja universal. Mas, porque perdia um pouco de seu
valor, por estar na quaresma, Pio VII, em 1804, mandou que fosse celebrada
também no terceiro domingo de setembro. Com a reforma do Breviário, por Pio X,
veio a festa a ter uma data fixa no dia 15 de setembro
(Nota do
tradutor).
I. MARIA FOI
A RAINHA DOS MÁRTIRES POR CAUSA DA DURAÇÃO E INTENSIDADE DE SUAS DORES
Quem poderia ouvir sem comoção a história mais
triste que jamais houve no mundo? Uma nobre e santa senhora tinha um único
filho, o mais amável que se possa imaginar. Era inocente, virtuoso e belo.
Ternamente retribuía o amor de sua mãe. Nunca lhe havia dado o mínimo desgosto,
mas sempre lhe havia testemunhado todo respeito, toda obediência, todo afeto.
Nele, por isso, a mãe tinha posto todo o seu amor, aqui na terra. Ora, que
aconteceu? Pela inveja de seus inimigos, foi esse filho acusado injustamente. O
juiz reconheceu, é verdade, a inocência do acusado e proclamou-a publicamente.
Mas, para não desgostar os acusadores, condenou-o a uma morte infame, como lhe
haviam pedido. E a pobre mãe, para sua maior pena, teve de ver como aquele tão
amante e amado filho lhe era barbaramente arrancado: na flor dos anos.
Fizeram-no morrer diante de seus olhos maternos, à força de torturas e esvaído
em sangue num patíbulo infamante. Que dizeis, piedoso leitor? Não vos excita à
compaixão a história dessa aflita mãe?
Já sabeis de quem estou falando? Esse Filho, tão
cruelmente suplicado, foi Jesus, nosso amoroso Redentor. E essa Mãe foi a
bem-aventurada Virgem Maria, que por nosso amor se resignou a vê-lO sacrificado
à justiça divina pela crueldade dos homens. Portanto é digna de nossa piedade e
gratidão essa dor imensa que Maria sofre por nosso amor. Mais Lhe custou
sofrê-la, do que suportar mil mortes. E se não podemos corresponder dignamente
a tanto amor, demoremo-nos hoje, ao menos por algum tempo, na consideração de
Suas acerbíssimas dores. Digo, por isso: Maria é Rainha dos mártires, porque as
dores de Seu martírio excederam às dos mártires 1º em duração; 2º em
intensidade.
PONTO
PRIMEIRO
Duração
do martírio de Maria
1. Maria é
realmente uma mártir
Jesus é chamado Rei das dores e Rei dos mártires,
porque em Sua vida mortal padeceu mais que todos os outros mártires. Assim
também é Maria chamada com razão Rainha dos Mártires, visto ter suportado o
maior martírio que se possa padecer depois das dores de Seu Filho. Mártir dos
mártires é por isso o nome que lhe dá Ricardo de S. Lourenço. E bem lhe pode
aplicar o texto do profeta Isaías: Ele te há de coroar com uma coroa de
amargura (22, 18). A coroa, com a qual foi constituída Rainha dos mártires, foi
justamente Sua dor tão acerba, que excedeu à de todos os mártires reunidos. É
fora de dúvida o real martírio de Maria, como assaz o provam Dionísio Cartuxo,
Pelbarto, Catarino e outros. Pois, conforme uma sentença incontestada, para ser
mártir é suficiente sofrer uma dor capaz de dar a morte, ainda que em realidade
se não venha a morrer. S. João Evangelista é reverenciado como mártir, não
tenha embora morrido na caldeira de azeite fervendo, senão haja saído dela mais
robustecido, como diz o Breviário. Para a glória do martírio, segundo Tomás,
basta que uma pessoa leve a obediência ao ponto de oferecer-se à morte. Maria,
no sentir do Abade Oger, foi mártir não pelas mãos dos algozes, mas sim pela
acerba dor de Sua alma. Se não lhe foi o corpo dilacerado pelos golpes do
algoz, foi Seu bendito coração transpassado pela Paixão de Seu Filho. E essa
dor foi suficiente para dar-Lhe não uma, porém mil mortes.
Vemos por aí que Maria não só foi verdadeiramente
mártir, mas que Seu martírio excedeu a todos os outros por sua duração. Pois
que foi Sua vida, senão um longo e lento martírio?
2. Duração
do martírio de Maria
Assim como a Paixão de Jesus começou com Seu
nascimento, diz S. Bernardo, também assim sofreu Maria o martírio durante toda
a Sua vida por ser em tudo semelhante ao Filho. Como observa S. Alberto Magno,
o nome de Maria significa, entre outras coisas, amargura do mar.
Aplica-lhe o Santo por isso o texto de Jeremias:
Grande como o mar é a minha dor (Jr 2, 13). Com efeito, e o mar amargo e
salgado. Assim foi também toda a vida de Maria sempre cheia de amarguras,
porque não Lhe desaparecia do espírito a lembrança, da Paixão do Redentor. Mais
iluminada pelo Espírito Santo que todos os profetas, compreendia melhor do que
eles as predições a respeito do Messias, registradas na Escritura. Está isso
acima de toda e qualquer dúvida. Assim instruiu um anjo a S. Brígida, e ainda
ajuntou que Nossa Senhora sentia terna compaixão com o inocente Salvador, mesmo
antes de Lhe ser Mãe. E tudo por causa do conhecimento que possuía sobre
as dores a serem suportadas pelo Verbo Divino, para a salvação dos homens, e
sobre a cruel morte que O aguardava em vista de nossos pecados. Já então
começou, portanto o padecimento de Maria.
Mas sem medida tornou-se essa dor, desde o dia em
que a Virgem ficou sendo Mãe de Jesus. Sofreu daí em diante um perene martírio,
observa Roberto de Deutz, tendo em vista as dores que esperavam por Seu Filho.
E também o que significa a visão de S. Brígida, em Roma, na igreja de S. Maria.
Aí lhe apareceu a Santíssima Virgem em companhia de S. Simeão, e de um anjo que
trazia uma longa espada a gotejar sangue.
Essa espada era um emblema da mui longa e acerba
dor que dilacerou o coração de Maria, durante toda a sua vida. O supra-citado
abade põe nos lábios de Maria as seguintes palavras:
Almas remidas, filhas diletas, não vos deveis
compadecer de mim, só por aquela hora em que assisti à morte de
meu amado Jesus. Pois a espada, prenunciada por Simeão transpassou minha
alma em todos os dias de minha vida. Quando eu aleitava Meu Filho, o
aconchegava ao colo, já contemplava a morte cruel que Lhe estava
reservada. Considerai por isso que áspera e intensa dor eu devia sofrer!
Maria, pois, teve razão para dizer com Davi: A
minha vida se consome na dor e os meus anos em gemidos (SI 30, 11). A
minha dor está sempre ante os meus olhos (SI 37, 18).
Passei toda a Minha vida entre dores e lágrimas,
porque a minha dor, que era a compaixão com Meu Filho, nunca se apartava dos
Meus olhos. Eu estava sempre contemplando todos os Seus tormentos e a morte que
Ele um dia havia de sofrer.
Revelou a Divina Mãe a S. Brígida que, mesmo depois
da morte e da ascensão de Seu Filho ao céu, continuava viva e recente em Seu
materno coração, a lembrança dos sofrimentos dEle. Acompanhava-A até
nos trabalhos e nas refeições. Vulgato Taulero escreve, por isso, que a
Virgem passou toda a Sua vida em perpétua dor, carregando no coração luto
e pesar.
3. O tempo
não mitigou os sofrimentos de Maria
O tempo, que costuma mitigar a dor dos aflitos, não
pôde aliviá-la em Maria. Aumentava-Lhe, pelo contrário, a aflição.
Crescendo, ia Jesus mostrando cada vez mais a Sua beleza e amabilidade. Mas de
outro lado ia também se avizinhando da morte.
Com isso cada vez mais a dor por haver de perdê-lO
apertava também o coração da Mãe. Tal como a rosa que cresce por entre
espinhos, crescia a Mãe de Deus em anos no maior dos sofrimentos. E como
crescem os espinhos à medida que a rosa desabrocha, cresceram também em Maria -
rosa mística do Senhor - os penetrantes espinhos das aflições. Passemos
agora à consideração da intensidade das dores de Nossa Senhora.