terça-feira, 18 de outubro de 2016

Homilética: 30° Domingo do Tempo Comum - Ano C: "Deus justifica os humildes e os pecadores".




A falta de conhecimento próprio é causa de muitos erros na nossa vida. Pensamos que somos o que não somos e não consideramos o que realmente somos. Frequentemente sofremos à toa, simplesmente porque não nos conhecemos. O desconhecimento de quem somos pode levar-nos inclusive à depressão quando vemos a nossa imagem desfigurada por alguém. O que acontece é que essa imagem que formamos de nós mesmos não é a nossa verdadeira imagem, mas uma mera caricatura. Não serve para nada! Qual é a nossa verdadeira imagem, então?

A falta de conhecimento próprio pode levar-nos tanto à baixa estima quanto à vanglória. Alguns “se vangloriavam como se fossem justos, e desprezavam os outros” (Lc 18,9). Vangloriamo-nos, isto é, temos uma glória vã, porque não nos conhecemos. Uma das consequências é a falta de critério em relação às nossas ações e às dos outros: excessivo rigor para com os outros, extrema misericórdia para conosco mesmos. Não adianta! Enganar-nos a nós mesmos não é o caminho.

Como conhecer-nos a nós mesmos? Em primeiro lugar, dispondo-nos a obter esse conhecimento com humildade para aceitar-nos como somos. Deus nos ama não apesar de sermos dessa ou daquela maneira, mas com tudo o que somos e temos. É diante de Deus que alcançaremos o verdadeiro conhecimento sobre nós mesmos, pois nos conhece melhor que nós mesmos. Em segundo lugar é muito importante perder o medo de chamar as coisas pelo nome: soberba, preguiça, gula, luxúria, etc. Nada de eufemismos como: autoafirmação do eu, falta de disposição, apetite abundante para a mesa ou para a cama etc. Quando não tivermos medo de saber quem somos, isto é, sem assustar-nos e quando saibamos conviver pacificamente conosco mesmos, lutando por ser melhores, o nosso conhecimento próprio irá de progresso em progresso.

É interessante que às vezes não dizemos algumas verdades às pessoas porque sabemos que vão se ofender ou que ficarão brabas, ou ainda, que deixarão de falar conosco. Será que Deus não nos dá um maior conhecimento sobre nós mesmos porque sabe que ficaríamos irritados, não nos aceitaríamos ou, ainda, colocaríamos a culpa nele? Como é importante dizer ao Senhor: “Pode me mostrar, Senhor, quem sou eu. Por favor, me mostra pouco a pouco, à medida que me prepares, mas, não deixe de fazer com que eu progrida nesse conhecimento”. A sinceridade com Deus é muito importante, e o mesmo se diga da sinceridade para com os demais. Dessa maneira, seremos homens e mulheres de critério, de personalidade, firmes.

Os santos se consideravam tão pouca coisa e, ao mesmo tempo, era muito conscientes da sua dignidade de filhos de Deus, a tal ponto de ignorar as ofensas pessoais que os outros pudessem dirigir-lhes. Sabiam que qualquer coisa que os outros pudessem dizer deles ainda era pouco diante daquele conhecimento que Deus lhes ia concedendo. E, no entanto, esse conhecimento os mantinha em paz porque estava fundamentado no fato de sentirem-se filhos muito amados de Deus e na humildade cada vez maior que Deus lhes concedia.

Ao conhecermo-nos a nós mesmos, tampouco iremos por aí alardeado: pobre de mim! Eu sou tão pequeno, tão humilde, não sei fazer nada. Uma das frases mais bonitas daquele delicioso romance de Dickens, David Cooperfield, é a seguinte: “estou convencido que o homem que sabe o que vale não deixa de ser modesto”, com autêntica modéstia e com otimismo.

Para ajudar no nosso conhecimento próprio, um propósito que poderíamos fazer nesse domingo é o de realizar, diariamente, o nosso exame de consciência. Talvez sejam úteis essas três perguntinhas: no dia de hoje, o que eu fiz de bom? O que eu fiz de mal? O que eu posso fazer melhor? A cada uma dessas perguntas correspondem três atitudes, respectivamente: agradecer, pedir perdão, pedir ajuda.

Comentário dos textos bíblicos

Leituras: Eclo 35,15b-17.20-22a; Sl 33; 2Tm 4,6-8.16-18; Lc 18,9-14



Caros irmãos e irmãs, reunidos ao redor do altar para a celebração dominical, temos diante dos olhos mais um texto evangélico, o qual continua ressaltando a importância da oração, sequenciando os ensinamentos dos domingos anteriores nas parábolas do amigo inoportuno (cf. Lc 11,5-8) e da viúva e do juiz iníquo (cf. Lc 18,1-8).  O enfoque didático para este domingo é, porém, bem diverso.  Naquelas parábolas Jesus quer mostrar a força e a eficácia da oração, enquanto que no texto deste domingo, somos advertidos sobre o modo pelo qual rezamos.

Assim como o publicano e o fariseu, muitos deixaram suas casas e vieram “ao templo para rezar”; por isso, esta parábola narrada por Jesus, refere-se diretamente a nós. Trata-se da parábola do fariseu e do cobrador de impostos, também conhecido como publicano. O texto começa apresentando os dois protagonistas, que representam linhas diametralmente opostas da sociedade judaica do tempo de Jesus.  Os fariseus formavam um dos grupos de maior impacto na sociedade palestina. Eram os defensores intransigentes da Torá. No dia a dia, procuravam cumprir escrupulosamente a Lei e esforçavam-se por ensiná-la ao povo.

O termo fariseu significa “separado”, ou seja, era um grupo separado dos impuros, portanto, pretendia fazer de Israel um povo santo, isto é, puro, na observância radical da Lei. Eles acreditavam na ressurreição e esperavam o Messias, que viria para restaurar o poder político e levar Israel ao cumprimento da Torá. O Messias chegaria no momento definido por Deus. Até que isso acontecesse, o povo devia se preparar.  O grupo era composto de doutores da Lei, escribas, sacerdotes, pequenos comerciantes e artesãos. O projeto messiânico dos fariseus era o de fortalecer a Torá oral e a tradição.

Tratava-se de um grupo sério do judaismo, verdadeiramente empenhado na santificação do povo de Deus. No entanto, o seu fundamentalismo em relação à Torá será, várias vezes, criticado por Jesus, por afirmarem a superioridade da Lei, desprezando as pessoas e criando no povo um sentimento de culpa em virtude do pecado e de indignidade que oprimia as consciências.

O outro personagem da parábola é um cobrador de impostos, que representava uma classe de funcionários subalternos encarregados de recolher os impostos devidos ao Império Romano.  Eram mal vistos pelo povo, por estarem a serviço de uma potência dominadora e, principalmente, por abusarem de suas atribuições em proveito próprio. Tinham fama de utilizar este ofício para enriquecer de modo injusto. Segundo as prescrições da época, estavam permanentemente atingidos pela impureza. Não podiam sequer fazer penitência, pois eram incapazes de conhecer todos aqueles a quem tinham defraudado e a quem deviam uma reparação.

Se um publicano, antes de aceitar esta função, fizesse parte de uma comunidade dos fariseus, era imediatamente expulso e não podia ser reabilitado, a não ser depois de abandonar esse trabalho. Quem exercia tal ofício, estava privado de certos direitos cívicos, políticos e religiosos; por exemplo, não podia ser juiz, nem prestar testemunho em tribunal, sendo equiparado ao escravo.  Por esta razão, um judeu observante evitava toda espécie de comunhão com um cobrador de impostos (cf. Mc 2,13-17), pois ele era considerado um pecador público.

No fariseu e no publicano da parábola, Jesus põe em confronto dois tipos de atitude face a Deus.  O fariseu é o modelo de um homem irrepreensível perante a Lei, que cumpre todas as regras e leva uma vida íntegra. Ele está consciente de que ninguém o pode acusar de cometer ações injustas, nem contra Deus, nem contra os irmãos e, aparentemente, é verdade, pois a parábola não nos diz que ele estivesse mentindo. Evidentemente, está contente e tinha razões para isso, por não ser como o publicano que também está no Templo. Os fariseus tinham consciência da sua superioridade moral e religiosa, sobretudo em relação aos pecadores notórios.

Por outro lado, o publicano é o modelo do pecador. Explora os pobres, pratica injustiças e não cumpre as obras da Lei. Ele tem, aliás, consciência da sua indignidade, pois a sua oração consiste apenas em pedir: “Meu Deus, tende compaixão de mim que sou pecador” (v.13).   A sua oração é breve, não é tão longa como aquela do fariseu.  Uma significativa oração.  Os gestos de arrependimento e as poucas e simples palavras testemunham a sua consciência acerca da sua condição. A sua oração é essencial. Age com humildade, seguro somente de ser um pecador necessitado de piedade. Se o fariseu não pedia nada, porque já tinha tudo, o publicano só pode implorar a misericórdia de Deus. O publicano mostra a todos nós a condição necessária para receber o perdão do Senhor: a humildade.

O comentário final de Jesus sugere que o publicano se reconciliou com Deus. Ele se apoia apenas em Deus e não nos seus méritos, que parecem não existir.  Ele apresenta-se diante de Deus de mãos vazias e sem quaisquer pretensões e pede-lhe apenas compaixão.  O publicano pela sua humildade conquistou a Deus, pois Ele exalta os humildes, conforme nos diz a Virgem Maria no canto do Magnificat (cf. Lc 1,46-55).

O desfecho da cena da parábola é que o publicano voltou para casa justificado por Deus, pois encontrou graça diante dele, e o fariseu, não.  O sentido está claro nas palavras finais: “Este último voltou justificado para casa”.  A oração humilde justifica, isto é, torna o homem agradável a Deus.  A soberba fecha as portas para a misericórdia divina.

A oração, realizada com sinceridade, é caminho que conduz a Deus, que ouvirá a súplica do arrependido. A missão do povo de Deus é a de ser santo como Deus é santo. A santidade de Deus, na qual o judeu se inspira, passa pela vivência e pelo anúncio da sua justiça.

Como nos recorda o Evangelho desse domingo, temos necessidade de humildade, para reconhecer os nossos limites, os nossos erros e omissões, para formar verdadeiramente a nossa identidade de cristãos. Sem humildade, não reconhecemos os nossos próprios defeitos.

A oração supõe atitude de humildade diante de Deus e abertura da alma; assim como o publicano que tem consciência de suas faltas e confia no amor e na misericórdia de Deus.  Ele se dá conta de que o contato com o Deus santo exige uma conversão radical de sua má conduta.  Seu itinerário espiritual está vazio.  Ele não tem boas obras para apresentar ao Senhor. Jesus aprova a atitude do publicano porque na sua oração ele não julga ninguém, mas a si mesmo.  Reconhece-se pecador e confia em Deus.  Ele se arrepende e age com profunda humildade.

Se a humildade é necessária em todos os atos de nossa vida, muito mais necessária se faz à nossa oração, já que implica no reconhecimento de nossa fraqueza.  Se recorremos a Jesus é porque nos consideramos necessitados.

A oração do publicano deve ser o modelo de nossa oração: humilde, sincera, cheia de confiança.  Entre as várias fórmulas de ato de contrição sugeridos no ritual do sacramento da penitência, está justamente essa oração do publicano: “Jesus, filho de Deus, tende piedade de mim, que sou pecador” (v.13).

É esta humildade que a Virgem Maria exprime no cântico do Magnificat, quando expressa que Deus “Olhou para a humildade da sua serva” (Lc 1, 48). Que ela, como nossa mãe, nos ajude a rezar com coração humilde e nos conceda este dom, para que a nossa oração possa atravessar as nuvens do céu, conforme lemos na primeira leitura (cf. Eclo 35,20), que ela possa subir até Deus e descer cheia de frutos.  Assim seja.

PARA REFLETIR

No Domingo passado, a Palavra de Deus nos falava da oração. Vimos, naquela ocasião, que rezar nos coloca diante de Deus com toda a nossa vida: a oração é a atitude fundamental do homem de fé. Quem não reza é ateu, fechado em si, na sua auto-suficiência. Para quem não reza – ou não reza de verdade, com espírito de orante -, Deus na passa de um objeto. Neste sentido, Santo Agostinho dizia que “a fé não é para os soberbos, mas para os humildes”. Somente aquele que se sabe pequeno e frágil, imperfeito e limitado diante de Deus reza de verdade. Por isso o Eclesiástico afirma que “a prece do humilde atravessa as nuvens”. E aqui não se trata simplesmente de uma oração de momento, mas de uma atitude de vida: atravessa as nuvens os desejos do coração daquele que vive a vida diante de Deus e não fechado em si mesmo: “Bendirei o Senhor Deus em todo tempo, seu louvor estará sempre em minha boca!” – Vejam: é este o verdadeiro orante, porque é este o verdadeiro crente: aquele que sabe bendizer a Deus em todo o tempo – seja no tempo bom, seja no mau. “Seu louvor estará sempre em minha boca!”

Pensando nisso, meditemos na parábola de Jesus, sobre a atitude dos dois homens que sobem ao Templo para rezar… Por que Jesus a contou? Contou-a “para alguns que confiavam na sua própria justiça, isto é, na sua própria retidão, nos seus próprios méritos, na sua própria santidade e desprezavam os outros”. Como reza o fariseu? Santo Agostinho explica que ele nem sequer reza: “Procura nas suas palavras o que ele pediu. Não encontras nada! Foi para rezar, mas não rezou a Deus; só louvou a si próprio! Mais ainda: não lhe bastou não rezar, não lhe bastou louvar a si próprio e ainda insultou aquele que rezava de verdade!” O fariseu, na verdade, é incapaz de uma verdadeira comunhão com Deus: ele somente tem a si próprio ante seus olhos, ele é o seu próprio Deus, a sua própria satisfação e, quando se mede com os outros, é para insultar e desprezar interiormente… Bem diferente de Jesus, que tinha tudo para nos acusar e, no entanto, quando nos olha, é para ter compaixão, para perdoar, para nos estender a mão.

E o publicano? Qual a sua atitude? “Ficou à distância, e nem se atrevia a levantar os olhos para o céu; mas batia no peito, dizendo: ‘Meu Deus, tem piedade de mim que sou pecador!”’ De modo poético, diz Santo Agostinho que “o remorso o afastava, mas a piedade o aproximava; o remorso o rebaixava; mas a esperança o elevava”. Eis a atitude do homem aberto para Deus, daquele que se vê na luz do Senhor: tem consciência do seu nada, da sua miséria, do seu pecado, mas sabe que é amado por Deus; sabe que o que de bom possui e faz é dom da graça do Senhor! E porque assim vive e assim procede, esse pobre pecador experimenta a misericórdia de Deus, daquele que, como diz o Salmo, “volta sua face contra os maus, para da terra apagar sua lembrança. Do coração atribulado ele está perto e conforta os de espírito abatido” . Como termina a parábola? Deixem-me ainda citar Santo Agostinho: “Escutaste o contraste entre o fariseu e o publicano; escuta agora a sentença. Escutaste o soberbo acusador e o réu humilde. Escuta, agora, o Juiz: ‘Em verdade eu vos digo: aquele publicano saiu do templo justificado, não o fariseu’. Senhor, dize-nos o motivo! Perguntas o por quê? Eis: ‘ Porque quem se exalta, será humilhado, e quem se humilha, será exaltado’. Ouviste a sentença; guarda-te bem de caíres no motivo; ouviste a sentença; preserva-te da soberba!”

Meus caros, não é esta a nossa grande tentação? Achar que somos bons, que somos justos diante de Deus, que mereceríamos um prêmio de honra ao mérito. E, ainda mais: do alto da nossa auto-suficiência, quantas e quantas vezes julgamos, condenamos e executamos os outros! No entanto, se nos recordássemos os nossos pecados com sinceridade, como o publicano, não nos acharíamos grandes diante de Deus e não julgaríamos nem condenaríamos, como o fariseu. Pensemos nos tantos benefícios que do Senhor recebemos, pensemos nos nossos pecados e na nossa preguiça para amá-lo como ele deve ser amado, pensemos nas nossas incoerências e infidelidades, pensemos nas nossas fraquezas… Se assim o fizermos, não teremos a pretensão de merecer nada diante de Deus, seremos humildes e também mais compreensivos com as fraquezas dos irmãos. Nunca percamos de vista o seguinte: aquele que se acha merecedor diante do Senhor, merece, na verdade somente a sua repreensão, pois ainda não compreendeu de fato que Deus nos amou primeiro e não só nos chamou à vida, como também deu-nos o seu Filho quando ainda estávamos nos nossos pecados! Estejamos atentos ao exemplo de São Paulo, na segunda leitura de hoje. Ele, que tinha tanto de se gloriar, porque combateu o bom combate, com toda humildade esperou do Senhor o prêmio da coroa da justiça. Que diferença do fariseu! Este, confiava na sua própria justiça; o Apóstolo esperou na justiça do Senhor. Por isso, na fraqueza experimentou a força do Senhor e, na tribulação, experimentou que o Senhor lutou por ele…

Que este mesmo Senhor nos dê a graça de um coração humilde, que coloque somente nele a confiança, o repouso e a esperança da salvação. Assim, seremos livres da soberba e justos diante de Deus. Amém.

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