domingo, 3 de abril de 2016

Nova criatura em Cristo


Minha palavra se dirige a vós, filhos recém-nascidos, pequeninos em Cristo, nova prole da Igreja, graça do Pai, fecundidade da Mãe, germe santo, multidão renovada, flor de nossa honra e fruto do nosso trabalho, minha alegria e coroa, todos vós que permaneceis firmes no Senhor. 

É com palavras do Apóstolo que vos falo: Revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não deis atenção à carne para satisfazer as suas paixões (Rm 13,14), a fim de que, também na vida, vos revistais daquele que revestistes no sacramento. Todos vós que fostes batizados em Cristo vos revestistes de Cristo. O que vale não é mais ser judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher, pois todos vós sois um só, em Jesus Cristo (Gl 3,27-28). 

Nisto reside a força do sacramento: é o sacramento da vida nova que começa no tempo presente pela remissão de todos os pecados passados, e atingirá sua plenitude na ressurreição dos mortos. Pelo batismo na sua morte, fostes sepultados com Cristo, para que, como Cristo ressuscitou dos mortos, assim também leveis uma vida nova (cf. Rm 6,4). 

Agora caminhais pela fé, vivendo neste corpo mortal como peregrinos longe do Senhor. Mas o vosso caminho seguro é aquele mesmo para quem vos dirigis, Jesus Cristo, que se fez homem por amor de nós. Para os seus fiéis ele preparou um grande tesouro de felicidade, que há de revelar e dar abundantemente a todos os que nele esperam, quando recebermos na realidade aquilo que recebemos agora só na esperança. 

Hoje é o oitavo dia do vosso nascimento. Hoje completa-se em vós o sinal da fé que, entre os antigos patriarcas, consistia na circuncisão do corpo no oitavo dia depois do nascimento segundo a carne. Por isso, o próprio Senhor, despojando-se por sua ressurreição da mortalidade da carne e revestindo-se de um corpo não diferente mas imortal, ao ressuscitar consagrou o “dia do Senhor”, que é o terceiro dia depois de sua paixão, mas na contagem semanal dos dias, é o oitavo a partir do sábado, e coincide com o primeiro dia da semana. 

Por conseguinte, também vós participais do mesmo mistério, não ainda na realidade perfeita mas na certeza da esperança,porque recebestes a garantia do Espírito. Com efeito, se ressuscitastes com Cristo, esforçai-vos por alcançar as coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus; aspirai às coisas celestes e não às coisas terrestres. Pois vós morrestes, e a vossa vida está escondida, com Cristo, em Deus. Quando Cristo, vossa vida, aparecer em seu triunfo, então vós aparecereis também com ele, revestidos de glória (Gl 
3,1-4). 



Dos Sermões de Santo Agostinho, bispo 
(Sermo 8, in octava Paschae 1. 4: PL46, 838. 841) (Séc.V)

Uma carta do Inferno


Se o grande autor cristão C. S. Lewis estivesse vivo hoje, talvez pudesse acrescentar ao seu belo livro “Cartas de um Diabo a seu Aprendiz” uma carta mais ou menos assim:

“Meu caro diabinho aprendiz,

A banalidade do mal é um aspecto da nossa realidade que os seres humanos contemplam pouco, mas que nos é extremamente útil. Precisamos explorá-lo cada vez mais.

De fato, se fizéssemos uma leitura com olhos demoníacos do capítulo 3 do Livro do Gênesis, o célebre trecho da tentação de Adão e Eva pela serpente, nosso mestre diabólico maior, no Paraíso, surpreenderíamo-nos com a banalidade do gesto ali descrito: um animalzinho falante oferece uma fruta apetitosa ao casal, e o casal come. Descobrem que estão nus, vestem-se com folhas de figueira e escondem-se, envergonhados com a própria nudez, ao ouvirem os passos de Deus que se aproximava. E isto é tudo: um animalzinho, uma pequena mordida numa fruta apetitosa. E eis o mal instalado no mundo, eis o fim do paraíso, eis a humanidade inteira irremediavelmente comprometida (pelo menos até a redenção em Cristo) pela ferida hereditária do pecado original. Veja como a banalidade do mal é eficiente! E como, diante dela, a reação de Deus parece desproporcional e arrogante!

Como seria fácil até para um humano bem treinado em técnicas jurídicas de tribunal, se devidamente inspirado por um de nós, distorcer a reação aparentemente desproporcional de Deus à banalidade do gesto dos primeiros humanos, de modo a fazer com que pareça desproporcional e autoritária: por que excluir todo o gênero humano do Paraíso por causa de uma mordidinha numa fruta? Uma fruta que, diga-se de passagem, foi criada pelo próprio Deus, e por ele feita apetitosa aos olhos de sua criatura. Não é difícil a um argumentador treinado em retórica jurídica transformar Deus no grande culpado pelo que ocorreu nessa passagem bíblica; as criaturas, Adão e Eva, sem esquecer a serpente, não pediram para ser criadas. Não escolheram morar num paraíso em que uma das frutas lhe era proibida. Além disso, Deus não se comporta como um burguês egoísta, um capitalista possessivo, ao negar ao primeiro casal justo o fruto da árvore que “está no meio do jardim”? E o princípio da proporcionalidade, não estaria desatendido quando, por causa de uma frutinha, Deus condena a serpente a “caminhar sobre seu ventre e comer poeira todos os dias”, sem possibilidade de livramento condicional? Não seria machista, ao condenar somente Eva às dores do parto e a ser dominada pelo marido? Não seria explorador do proletariado ao condenar Adão a extrair seu sustento “com o suor do rosto”, expulsá-lo do Paraíso e retirar dele o acesso à Árvore da Vida, condenando-o, ademais, à crudelíssima “pena de morte”, que nossas sociedades já não admitem no atual estágio de civilização? Ademais, com um gesto militarista, põe à entrada do Paraíso seus “policiais militares”, os querubins com suas espadas em chamas fulgurantes. 

"Deus é maior que os nossos pecados", diz Papa.


CATEQUESE
Praça São Pedro – Vaticano
Quarta-feira, 30 de março de 2016

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

Terminamos hoje as catequeses sobre misericórdia no Antigo Testamento e o fazemos meditando sobre o Salmo 51, também chamado Miserere. Trata-se de uma oração penitencial em que o pedido de perdão é precedido pela confissão da culpa e em que o orante, deixando-se purificar pelo amor do Senhor, torna-se uma nova criatura, capaz de obediência, de firmeza no espírito e de louvor sincero.

O “título” que a antiga tradição hebraica colocou a este Salmo faz referência ao rei Davi e ao seu pecado com Betsabea, a mulher de Urias, o hitita. Conhecemos bem a história. O rei Davi, chamado por Deus a apascentar o povo e a guiá-lo nos caminhos da obediência à lei divina, trai a própria missão e, depois de ter cometido adultério com Betsabea, faz seu marido morrer. Bruto pecado! O profeta Natã diz a ele sua culpa e o ajuda a reconhecê-la. É o momento da reconciliação com Deus, na confissão do próprio pecado. E aqui Davi foi humilde, foi grande!

Quem reza com esse Salmo é convidado a ter os mesmos sentimentos de arrependimento e de confiança em Deus que teve Davi que, mesmo sendo rei, humilhou-se sem ter medo de confessar a culpa e mostrar a própria miséria ao Senhor, convencido, porém, da certeza da sua misericórdia. E não era um pecado pequeno, uma pequena mentira, aquilo que ele tinha feito: tinha cometido adultério e um assassinato!

O Salmo começa com essas palavras de súplica:

“Tende piedade de mim, Senhor, segundo a vossa bondade.
E conforme a imensidade de vossa misericórdia,
apagai a minha iniquidade.
Lavai-me totalmente de minha falta, e purificai-me de meu pecado” (v. 3-4).

A invocação é dirigida ao Deus de misericórdia para que, movido por um amor grande como aquele de um pai ou de uma mãe, tenha piedade, isso é, dê graças, mostre o seu favor com benevolência e compreensão. É um apelo apaixonado a Deus, o único que pode libertar do pecado. São usadas imagens muito plásticas: apaga, lava-me, torna-me puro. Manifesta-se, nessa oração, a verdadeira necessidade do homem: a única coisa de que realmente precisamos na nossa vida é sermos perdoados, livres do mal e das suas consequências de morte. Infelizmente, a vida no faz experimentar, tantas vezes, essas situações; e antes de tudo nessas devemos confiar na misericórdia. Deus é maior que o nosso pecado. Não esqueçamos isso: Deus é maior que o nosso pecado! “Padre, eu não sei dizer isso, fiz tantas coisas ruins!”. Deus é maior que todos os pecados que nós podemos cometer. Deus é maior que o nosso pecado. Vamos dizer juntos? Todos juntos: “Deus é maior que o nosso pecado!”. Mais uma vez: “Deus é maior que o nosso pecado!”. Mais uma vez: “Deus é maior que o nosso pecado!”. E o seu amor é um oceano em que podemos mergulhar sem medo de sermos oprimidos: perdoar, para Deus, significa dar-nos a certeza de que Ele nunca nos abandona. Qualquer coisa pela qual possamos nos censurar, Ele é ainda e sempre maior que tudo (cfr Jo 3, 20), porque Deus é maior que o nosso pecado.

Santa Irene, Santa Quiônia e Santa Ágape.


A Igreja comemora hoje o dia de Santa Irene e suas irmãs, Santa Quiônia e Santa Ágape. As mártires Agápia, Irene e Quiônia eram irmãs e moravam perto da cidade de Aquiléia, no norte da Itália, no final de seculo III. Ainda meninas, elas ficaram órfãs, decidiram não casar e levavam uma vida piedosa.

Essas três irmãs foram martirizadas por volta do ano 304, durante perseguição de Diocleciano por haverem escondido grande parte de livros cristãos em casa. O imperador Diocleciano começou perseguir implacavelmente os cristãos, de modo que todas as prisões eram superlotadas por eles.

Ao saber que foram denunciadas ao imperador, Irene e suas irmãs tentaram refugiar-se nas montanhas, porém foram encontradas e condenadas a morrer queimadas vivas. Foram levadas à presença do governador da Macedônia e submetidas a interrogatório, confessaram sua fé. Ágape e Quiônia foram imediatamente levadas ao martírio e queimadas vivas. Santa Irene foi interrogada novamente. Como manteve firme sua profissão de fé foi colocada nua em um bordéu, como ninguém ousou tocá-la foi levada novamente ao imperador que a condenou a morte, sendo queimada viva juntamente com seus livros.

Na missa dedicada a elas, é feita menção de que elas não tiveram medo nem de feras, nem de mutilações, nem de outras torturas. Santa Anastácia, chamada de Livradora dos Acorrentados, porque ela aliviava as dificuldades dos prisioneiros cristãos, sepultou as santas relíquias. 


Santas mulheres, que preferiram perder a vida da forma mais cruel possível a negar a fé em Cristo Jesus, dai-nos vossa proteção nos tempos em que vivemos, os quais nos levam a grandes perigos de pecar, rogando por nós, agora e sempre. Amém.

sábado, 2 de abril de 2016

Homilética: 2º Domingo da Páscoa - Ano C: "Testemunhas da Ressurreição".



Nestes dias de Páscoa a Liturgia nos fez assistir ao nascimento da fé pascal. Mediante a narração das aparições do Ressuscitado, vimos renascer nos discípulos de Jesus, desanimados e dispersos, a fé e o amor para com Ele: a ressurreição gerou a fé.

Hoje, Jesus aparece no meio da comunidade reunida. Nós também, reunidos com os nossos irmãos na fé, fazemos a experiência do Ressuscitado. Cristo ressuscitado é a razão de ser de nossa existência. Celebrar essa história é motivo de grande alegria para os cristãos. A nossa experiência, sem ser do mesmo modo, não deixa de ser maravilhosa, já que nós contemplamos o corpo eucarístico do Senhor, comungamos o seu Corpo e o seu Sangue. No mistério da Eucaristia está todo o Mistério Pascal do Senhor. Eis aqui um argumento totalmente convincente para que não faltemos a Missa dominical!

O Evangelho ( Jo 20, 19-31) inicia falando do primeiro dia da semana; isto é, o Dia por excelência, pois foi o dia da Ressurreição do Senhor. Jesus veio confortar os amigos mais íntimos: A paz esteja convosco, disse-lhes. Depois mostrou-lhes as mãos e o lado. Nesta ocasião, Tomé não estava com os demais Apóstolos; não pôde, pois, ver o Senhor nem ouvir as suas palavras consoladoras.

Mal o encontraram, disseram-lhe: Vimos o Senhor! Tomé continuava profundamente abalado com a crucifixão e a morte do Mestre; quer ver para crer! Acredito que os Apóstolos devem ter-lhe repetido, de mil maneiras diferentes, a mesma verdade que era agora a sua alegria e a sua certeza: Vimos o Senhor!

As dúvidas de Tomé viriam a servir para confirmar a fé dos que mais tarde haviam de crer n’Ele. Comenta São Gregório Magno: “Porventura pensais que foi um simples acaso que aquele discípulo escolhido estivesse ausente, e que depois, ao voltar, ouvisse relatar a aparição e, ao ouvir, duvidasse, e, duvidando, apalpasse, e, apalpando acreditasse? Não foi por acaso, mas por disposição divina que isso aconteceu. A divina clemência agiu de modo admirável quando este discípulo que duvidava tocou as feridas das carnes do seu Mestre, pois assim curava em nós as chagas da incredulidade… Foi assim, duvidando e tocando, que o discípulo se tornou testemunha da verdadeira ressurreição”.

A resposta de Tomé é um ato de fé, de adoração e de entrega sem limites: Meu Senhor e meu Deus! A fé do Apóstolo brota não tanto da evidência de Jesus, mas de uma dor imensa. O que o levou a adoração e ao retorno ao apostolado não são tanto as provas como o amor. Diz a Tradição que o Apóstolo Tomé morreu mártir pela fé no seu Senhor; consumiu a vida a seu serviço.

Meu Senhor e meu Deus! Estas palavras têm servido de jaculatória a muitos cristãos, e como ato de fé na presença real de Jesus Cristo na Eucaristia, quando se passa diante de um Sacrário ou no momento da Consagração na Missa.

A Ressurreição do Senhor é um apelo para que manifestemos com a nossa vida que Ele vive. As obras do cristão devem ser fruto e manifestação de sua fé em Cristo.

É esta fé que hoje é tão escassa; para muitos que dizem ser crente, a fé não exerce influência alguma nos seus costumes nem na sua vida. Um cristianismo assim, não convence nem converte o mundo. É preciso voltar a acomodar a própria fé ao exemplo da Igreja primitiva; é preciso pedir a Deus uma fé profunda, pois que, no poder da fé, está a certeza da vitória dos cristãos. “Esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé! Quem é que vence o mundo senão Aquele que crê que Jesus é Filho de Deus?” ( 1 Jo 5,4-5).

Oito dias depois da Páscoa, os discípulos estavam em casa quando Jesus veio, estando fechadas as portas, parou no meio deles e disse: “A paz esteja convosco!” Também agora, na nossa assembleia, Jesus vem em nosso meio e nos dá sua paz. Nós, como Tomé, O reconhecemos como nosso Senhor e nosso Deus. Rezemos para que Ele faça de nós uma verdadeira comunidade reunida em Seu nome. 

“Cristo dá força para nos levantarmos”, diz Papa


REGINA COELI
Praça São Pedro – Vaticano
Segunda-feira, 28 de março de 2016

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

Nesta segunda-feira depois da Páscoa, conhecida como “Segunda do Anjo”, os nossos corações ainda estão cheios da alegria pascal. Depois do tempo quaresmal, tempo de penitência e de conversão, que a Igreja viveu com particular intensidade neste Ano Santo da Misericórdia; depois dessas sugestivas celebrações no Tríduo Santo; estamos hoje perante o túmulo vazio de Jesus e meditamos com estupor e reconhecimento o grande mistério da ressurreição do Senhor.

A vida venceu a morte. A misericórdia e o amor venceram o pecado! Há necessidade de fé e de esperança para se abrir a esse novo e maravilhoso horizonte. E nós sabemos que a fé e a esperança são um dom de Deus e devemos pedi-lo: “Senhor, dá-me a fé, dá-me a esperança! Precisamos tanto disso!”. Deixemo-nos tomar pelas emoções que ressoam na sequência pascal: “Sim, estamos certos; Cristo realmente ressuscitou”. O Senhor ressuscitou em meio a nós! Esta verdade marcou de modo indelével a vida dos apóstolos que, depois da ressurreição, sentiram novamente a necessidade de seguirem seu Mestre e, recebendo o Espírito Santo, foram sem medo anunciar a todos o que tinham visto com os seus olhos e experimentado pessoalmente.

Nesse Ano Jubilar, somos chamados a redescobrir e acolher com particular intensidade o confortante anúncio da ressurreição: “Cristo, minha esperança, ressuscitou”. Se Cristo ressuscitou, podemos olhar com olhos e corações novos para todo evento da nossa vida, mesmo àqueles mais negativos. Os momentos de escuridão, de fracasso e também de pecado podem se transformar e anunciar um caminho novo. Quando tocamos o fundo da nossa miséria e da nossa fraqueza, Cristo ressuscitado nos dá a força para nos levantarmos. Se nos confiamos a Ele, a sua graça nos salva! O Senhor crucificado e ressuscitado é a plena revelação da misericórdia, presente e operante na história. Eis a mensagem pascal que ressoa ainda hoje e que ressoará por todo o tempo de Páscoa até Pentecostes.

"Jesus nos oferece a certeza de que a morte foi vencida", afirma o Papa.


MENSAGEM URBI ET ORBI
DO PAPA FRANCISCO

PÁSCOA DE 2016

Sacada Central da Basílica Vaticana
Domingo, 27 de Março de 2016

«Louvai o Senhor porque ele é bom:
porque eterna é a sua misericórdia» (Sl 135,1).

Queridos irmãos e irmãs, feliz Páscoa!

Jesus Cristo, encarnação da misericórdia de Deus, por amor morreu na cruz e por amor ressuscitou. Por isso, proclamamos hoje: Jesus é o Senhor!

A sua Ressurreição realiza plenamente a profecia do Salmo: a misericórdia de Deus é eterna, o seu amor é para sempre, não morre jamais. Podemos confiar completamente N’Ele, e damos-Lhe graças porque por nós Ele desceu até ao fundo do abismo.

Diante dos abismos espirituais e morais da humanidade, diante dos vazios que se abrem nos corações e que provocam ódio e morte, somente uma infinita misericórdia pode nos dar a salvação. Só Deus pode preencher com o seu amor esses vazios, esses abismos, e não permitir que submerjamos, mas continuemos a caminhar juntos em direção à Terra da liberdade e da vida.

O anúncio jubiloso da Páscoa: Jesus, o crucificado, não está aqui, ressuscitou (cf. Mt 28,5-6) oferece-nos a certeza consoladora de que o abismo da morte foi transposto e, com isso, foram derrotados o luto, o pranto e a dor (cf. Ap 21,4). O Senhor, que sofreu o abandono dos seus discípulos, o peso de uma condenação injusta e a vergonha de uma morte infame, faz-nos agora compartilhar a sua vida imortal, e nos oferece o seu olhar de ternura e compaixão para com os famintos e sedentos, com os estrangeiros e prisioneiros, com os marginalizados e descartados, com as vítimas de abuso e violência. O mundo está cheio de pessoas que sofrem no corpo e no espírito, ao passo que as crônicas diárias estão repletas de relatos de crimes brutais, que muitas vezes têm lugar dentro do lar, e de conflitos armados numa grande escala, que submetem populações inteiras a provas inimagináveis.

Cristo ressuscitado indica caminhos de esperança para a querida Síria, um País devastado por um longo conflito, com o seu cortejo triste de destruição, morte, de desprezo pelo direito humanitário e desintegração da convivência civil. Confiamos ao poder do Senhor ressuscitado as conversações em curso, de modo que, com a boa vontade e a cooperação de todos, seja possível colher os frutos da paz e dar início à construção de uma sociedade fraterna, que respeite a dignidade e os direitos de cada cidadão. A mensagem de vida proclamada pelo anjo junto da pedra rolada do sepulcro vença a dureza dos corações e promova um encontro fecundo entre povos e culturas nas outras regiões da bacia do Mediterrâneo e do Oriente Médio, particularmente no Iraque, Iêmen e na Líbia.

A imagem do homem novo, que resplandece no rosto de Cristo, favoreça a convivência entre israelenses e palestinos na Terra Santa, bem como a disponibilidade paciente e o esforço diário para trabalhar no sentido de construir as bases de uma paz justa e duradoura através de uma negociação direta e sincera. O Senhor da vida acompanhe também os esforços para alcançar uma solução definitiva para a guerra na Ucrânia, inspirando e apoiando igualmente as iniciativas de ajuda humanitária, entre as quais a libertação de pessoas detidas.

O Senhor Jesus, nossa paz (Ef 2,14), que ressuscitando derrotou o mal e o pecado, possa favorecer, nesta festa de Páscoa, a nossa proximidade com as vítimas do terrorismo, forma de violência cega e brutal que continua a derramar sangue inocente em diversas partes do mundo, como aconteceu nos ataques recentes na Bélgica, Turquia, Nigéria, Chade, Camarões, Costa do Marfim e Iraque; Possam frutificar os fermentos de esperança e as perspectivas de paz na África; penso de modo particular no Burundi, Moçambique, República Democrática do Congo e o Sudão do Sul, marcados por tensões políticas e sociais.

Com as armas do amor, Deus derrotou o egoísmo e a morte; seu Filho Jesus é a porta da misericórdia aberta de par em par para todos. Que a sua mensagem pascal possa sempre se projetar mais sobre o povo venezuelano nas difíceis condições em que vive e sobre aqueles que detêm em suas mãos os destinos do País, para que se possa trabalhar em vista do bem comum, buscando espaços de diálogo e colaboração ente todos. Que por todos os lados possam ser tomadas medidas para promover a cultura do encontro, a justiça e o respeito mútuo, os quais só podem garantir o bem-estar espiritual e material dos cidadãos.

O Cristo ressuscitado, anúncio de vida para toda a humanidade, reverbera através dos séculos e nos convida não esquecer dos homens e mulheres na sua jornada em busca de um futuro melhor; grupos cada vez mais números de migrantes e refugiados – entre os quais muitas crianças - que fogem da guerra, da fome, da pobreza e da injustiça social. Esses nossos irmãos e irmãs, que nos seus caminhos encontram, com demasiada frequência, a morte ou, ao menos, a recusa dos que poderiam oferecer-lhes hospitalidade e ajuda. Que a próxima rodada da Cúpula Mundial Humanitária não deixe de colocar no centro a pessoa humana com a sua dignidade e possa desenvolver políticas capazes de ajudar e proteger as vítimas de conflitos e de outras situações de emergência, especialmente os mais vulneráveis e os que sofrem perseguição por motivos étnicos e religiosos.

Neste dia glorioso, «alegre-se a terra que em meio a tantas luzes resplandece» (cf. Proclamação da Páscoa), mas ainda assim tão abusada e vilipendiada por uma exploração ávida pelo lucro, o que altera o equilíbrio da natureza. Penso em particular nas regiões afetadas pelos efeitos das mudanças climáticas, que muitas vezes causam secas ou violentas inundações, resultando em crises alimentares em diferentes partes do planeta.

Com os nossos irmãos e irmãs que são perseguidos por causa da sua fé e por sua lealdade ao nome de Cristo e diante do mal que parece prevalecer na vida de tantas pessoas, ouçamos novamente as palavras consoladoras do Senhor: «Não tenhais medo! Eu venci o mundo!» (Jo 16,33). Hoje é o dia radiante desta vitória, porque Cristo calcou a morte e com a sua ressurreição fez resplandecer a vida e a imortalidade (cf. 2Tm 1,10). «Ele nos fez passar da escravidão à liberdade, da tristeza à alegria, do luto à festa, das trevas à luz, da escravidão à redenção. Por isso, proclamemos diante d’Ele: Aleluia!» (Melitão de Sardes, Homilia Pascal).

Para aqueles que em nossas sociedades perderam toda a esperança e alegria de viver, para os idosos oprimidos que na solidão sentem as suas forças esvaindo-se, para os jovens aos quais parece não existir o futuro, a todos eu dirijo mais uma vez as palavras do Ressuscitado: «Eis que faço novas todas as coisas... a quem tiver sede, eu darei, de graça, da fonte da água vivificante» (Ap 21,5-6). Esta mensagem consoladora de Jesus possa ajudar cada um de nós a recomeçar com mais coragem e esperança, para assim construirmos estradas de reconciliação com Deus e com os irmãos. E temos tanta necessidade disto!

Na Vigília Pascal, Papa indica o caminho para não perder a esperança


VIGÍLIA PASCAL NA NOITE SANTA

HOMILIA DO PAPA FRANCISCO

Basílica Vaticana
Sábado Santo, 26 de Março de 2016

«Pedro (…) correu ao sepulcro» (Lc 24, 12). Quais poderiam ser os pensamentos que agitavam a mente e o coração de Pedro durante esta corrida? O Evangelho diz-nos que os Onze, incluindo Pedro, não acreditaram no testemunho das mulheres, no seu anúncio pascal. Antes, aquelas «palavras pareceram-lhes um desvario» (v. 11). Por isso, no coração de Pedro, reinava a dúvida, acompanhada por muitos pensamentos negativos: a tristeza pela morte do Mestre amado e a deceção por tê-Lo renegado três vezes durante a Paixão.

Mas há um detalhe que assinala a sua transformação: depois que ouvira as mulheres sem ter acreditado nelas, Pedro «pôs-se a caminho» (v. 12). Não ficou sentado a pensar, não ficou fechado em casa como os outros. Não se deixou enredar pela atmosfera pesada daqueles dias, nem aliciar pelas suas dúvidas; não se deixou absorver pelos remorsos, o medo e as maledicências sem fim que não levam a nada. Procurou Jesus; não a si mesmo. Preferiu a via do encontro e da confiança e, assim como era, pôs-se a caminho e correu ao sepulcro, donde voltou depois «admirado» (v. 12). Isto foi o início da «ressurreição» de Pedro, a ressurreição do seu coração. Sem ceder à tristeza nem à escuridão, deu espaço à voz da esperança: deixou que a luz de Deus entrasse no seu coração, sem a sufocar.

As próprias mulheres, que saíram de manhã cedo para fazer uma obra de misericórdia, ou seja, levar os perfumes ao sepulcro, viveram a mesma experiência. Estavam «amedrontadas e voltaram o rosto para o chão», mas sobressaltaram-se ao ouvir estas palavras do anjo: «Porque buscais entre os mortos Aquele que está vivo?» (cf. v. 5).

Também nós, como Pedro e as mulheres, não podemos encontrar a vida, permanecendo tristes e sem esperança e permanecendo aprisionados em nós mesmos. Mas abramos ao Senhor os nossos sepulcros selados – cada um de nós os conhece -, para que Jesus entre e dê vida; levemos-Lhe as pedras dos ressentimentos e os penedos do passado, as rochas pesadas das fraquezas e das quedas. Ele deseja vir e tomar-nos pela mão, para nos tirar para fora da angústia. Mas a primeira pedra a fazer rolar para o lado nesta noite é esta: a falta de esperança, que nos fecha em nós mesmos. O Senhor nos livre desta terrível armadilha: sermos cristãos sem esperança, que vivem como se o Senhor não tivesse ressuscitado e o centro da vida fossem os nossos problemas.

Vemos e continuaremos a ver problemas perto e dentro de nós. Sempre existirão, mas esta noite é preciso iluminar tais problemas com a luz do Ressuscitado, de certo modo «evangelizá-los». Evangelizar os problemas. Não permitamos que a escuridão e os medos atraiam o olhar da alma e se apoderem do coração, mas escutemos a palavra do Anjo: o Senhor «não está aqui; ressuscitou!» (v. 6); Ele é a nossa maior alegria, está sempre ao nosso lado e nunca nos dececionará.