Logo
no início deste santo caminho para a Páscoa, a Palavra de Deus nos desvenda
dois mistérios tremendos: o mistério da piedade e o mistério da iniquidade!
Esses dois mistérios atravessam a história humana e se interpenetram
misteriosamente; dois mistérios que nos atingem e marcam nossa vida, e esperam
nossa decisão, nossa atitude, nossa escolha! Um é mistério de Vida; o outro,
mistério de Morte.
Comecemos
pelo mistério da iniquidade: “O pecado entrou no mundo por um só homem. Através
do pecado, entrou a morte. E a morte passou a todos os homens, porque todos
pecaram”. Eis! A vida que vivemos, a vida da humanidade é uma vida de morte,
ferida por tantas contradições, por tantas ameaças físicas, psíquicas,
morais... Viver tornou-se uma luta e, se é verdade que a vida vale a pena de
ser vivida, não é menos verdade que ela também tem muito de peso, de dor, de
pranto, de fardo danado.
Mas, como isso foi possível? Escutemos a primeira leitura: “O Senhor Deus
formou o homem do pó da terra, soprou-lhe nas narinas o sopro da vida e o homem
tornou-se um ser vivente”. Somos obra de Deus, do Seu amor gratuito: do nada
Ele nos tirou e encheu-nos de vida. Mais ainda: “O Senhor Deus plantou um
jardim em Éden, ao oriente, e ali pôs o homem que havia formado”. Vede: o
Senhor não somente nos tirou do pó do nada, não somente nos encheu de vida;
também nos colocou no jardim de delícias, pensou nossa vida como vida de verdade
toda banhada pela luz do oriente. E mais: nosso Deus passeava no jardim à brisa
do dia (cf. Gn 3,8), como amigo do homem.
Eis o mistério da piedade, o plano, o desígnio que Deus concebeu para nós desde
o início, apresentado pela Palavra de modo poético e simbólico: um Deus que é
Deus de amor, de ternura, de carinho, de respeito pela Sua criatura, com a qual
Ele deseja estabelecer uma parceria; um homem chamado a ser plenamente homem:
feliz na comunhão com Deus, feliz em ter no seu Deus sua plenitude e sua Vida;
homem plenamente homem nos limites de homem!
O homem é homem, não é Deus! Somente o Senhor Deus é o Senhor do Bem e do Mal.
Por isso as duas árvores no Éden: a do conhecimento do Bem e do Mal (isto é, o
poder de decidir por si mesmo o que é bem ou mal, certo ou errado) e a árvore
da Vida (da Vida plena, da Vida divina, Vida bem-aventurada). Se o homem
confiasse em Deus, se cumprisse Seu preceito, se reconhecesse seus limites, um
dia comeria do fruto da árvore da Vida...
Mas,
o homem foi seduzido; é seduzido ainda agora: deseja ser seu próprio Deus, sem
nenhum limite, sem nenhuma abertura à graça, como se ele mesmo fosse um
absoluto, dono da sua vida, o sentido mesmo da sua existência! Somente sua
vontade lhe importa, somente sua medida! Hoje, como no princípio, ele pensa que
é a medida de todas as coisas! Eis aqui o seu pecado!
O Diabo o seduziu e o seduz: primeiro distorce o preceito de Deus (“É verdade
que Deus vos disse: ‘Não comereis de nenhuma das árvores do jardim’?”),
semeando no coração do homem a desconfiança e o sentimento de inferioridade;
depois, mente descaradamente: “Não! Vós não morrereis! Vossos olhos se abrirão
e sereis como Deus, conhecendo o bem e o mal!” Ser como Deus, decidindo de modo
autônomo o que é certo e o que é errado; decidindo que a libertinagem é um bem,
que as aventuras com embriões humanos, que o aborto, que a infidelidade feita
de preservativos, que a destruição da família, são um bem... Decidindo
loucamente que levar a sério a religião e a Palavra de Deus é um mal... Ser
como Deus... Eis nosso sonho, nossa loucura, nossa mais triste ilusão! Está aí,
nos meios de comunicação, nas redes sociais, nas novelas e filmes, nas salas
das universidades, nas palavras de tantos sabichões segundo o mundo!
Tudo tão atraente, tudo tão apto para dar conhecimento, autonomia,
felicidade... O resultado: os olhos dos dois se abriram: estavam nus... estamos
nus... somos pó e, por nós mesmos, ao pó tornaremos, inapelavelmente!