A Igreja, celebrando o primeiro domingo da Quaresma,
começa seu itinerário espiritual para chegar às alegrias pascais. Para isso, na
oração de coleta, o sacerdote, unido com a toda comunidade, pede para que
“possamos progredir no conhecimento de Jesus Cristo e corresponder a seu amor
por uma vida santa”. O binômio conhecer - santificar-se é, de fato, o caminho
eclesial assumido na espiritualidade quaresmal. Através de uma contínua leitura
orante da Escritura, os fiéis podem se deixar plasmar pela graça divina
convertendo-se dos seus pecados e configurando-se ao Senhor.
O elenco de leituras pertencentes ao primeiro domingo da
Quaresma se forma com as seguintes passagens escriturísticas: Gn 2,7 – 3,7 (a
narrativa da desobediência de Adão e Eva); Sl 50 (oração de arrependimento do
rei Davi); Rm 5,12-19 (a justificação em Cristo); e Mt 4,1-11(a tentação de
Jesus no deserto). Elas foram escolhidas para servir como uma catequese bíblica
sobre o tema do pecado e da salvação.
Na narrativa da desobediência de Adão e Eva, podemos
encontrar a raiz do mal no coração do homem. Criado por Deus bom e livre, ele,
pela influência enganadora da serpente, delibera em comer do fruto da árvore do
conhecimento do bem e do mal, atentando diretamente contra o preceito divino. A
Igreja entendeu que tal atitude dos primeiros pais ocasionou uma ferida,
chamada de pecado original. Desta forma, os homens estariam chagados e
inclinados em sua vontade ao mal. Esta situação não poderia ser revertida pelas
próprias forças humanas, mas apenas pela intervenção salvífica divina.
O salmo 50 possui como contexto o episódio da relação
entre Davi e a mulher de Urias. O rei de Israel, arrependido do seu duplo
pecado (adultério e assassinato), pede a Deus o seu perdão e o seu favor. Tal
oração sálmica se tornou o modelo da prece elevada ao Senhor para expressar
dor, arrependimento e vontade de conversão. Tudo isso, baseado no amor
misericordioso divino que “não pune os homens conforme suas faltas nem os trata
como exigem suas culpas” (Sl 102). Na liturgia deste domingo, esta peça se
ajusta como resposta diante da narrativa do pecado de Adão e Eva.
O evangelho do embate entre Jesus e o diabo no deserto
revela a vitória do primeiro sobre o segundo. Se no paraíso os primeiros pais
sucumbiram diante das insídias mentirosas da serpente, no deserto o Senhor é
confrontado e vence as ciladas ardilosas do inimigo. Ora, esta vitória de
Cristo é, na realidade, a vitória de todos os homens. Ela serve de chave para
compreender como acontece a investida demoníaca e como superá-la. A leitura
orante da Escritura desmascara a mentira por trás da tentação diabólica e
recoloca a pessoa dentro do projeto salvífico divino.
O apóstolo Paulo, escrevendo aos cristãos de Roma,
constrói um paralelo entre a desobediência radical de Adão e a obediência
contraposta de Jesus Cristo. Nesta medida, o mal causado no princípio (o pecado
e a morte) são cancelados pela graça e pela justificação no Senhor. A fé cristã
prega a vitória de Jesus sendo compartilhada com todos aqueles que se abrem ao
seguimento e à vida nova: “Por um só homem, pela falta de um só homem, a morte
começou a reinar. Muitos mais reinarão na vida, pela mediação de um só, Jesus
Cristo, os que recebem o dom gratuito e superabundante da justiça” (Rm 5,17).
No primeiro
dia da semana, celebrando o mistério pascal de Cristo, pedimos um conhecimento
e uma vivência mais profunda do Evangelho. Se o drama do pecado surge com força
nas leituras, brilha com maior intensidade a vitória de Jesus sobre as
artimanhas demoníacas. Tal vitória é partilhada com todos aqueles que se
decidem a professar a fé em Cristo e a viver em consonância com o projeto do
Pai.
Padre Vitor Gino Finelon
Professor das Escolas de Fé e Catequese Mater
Ecclesiae e Luz e Vida
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Arquidiocese do Rio de Janeiro
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