Quem recebe um profeta, receberá recompensa de
profeta; quem um justo, recompensa de justo (cfr. Mt 10,41); quem a Cristo,
recompensa cristã. Esse é o argumento que eu gostaria de desenvolver hoje tendo
presente o versículo anterior: “Quem vos recebe, a mim recebe. E quem me
recebe, recebe aquele que me enviou” (Mt 10,40). Em que consiste essa
recompensa cristã?
Há uma recompensa temporal e uma eterna. É Jesus
quem nos diz: “Em verdade vos digo: ninguém há que tenha deixado casa ou
irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou filhos, ou terras por causa de mim e por
causa do Evangelho que não receba, já neste século, cem vezes mais casas,
irmãos, irmãs, mães, filhos e terras, com perseguições e no século vindouro a
vida eterna” (Mc 10,29-30). Por tão agradável seguimento está prometido tão
grande tesouro! Jesus não quer que abandonemos as pessoas queridas, mas que
Deus tenha o primeiro lugar nas nossas vidas; não está fazendo propaganda de
uma “teologia da prosperidade” – como tantas seitas atuais –, mas está falando
daquelas coisas que não faltam àqueles que amam a Deus: alegria, a pesar dos
pesares; não está falando de um tempo eterno, mas simplesmente da eternidade.
Para sempre? Será que não enjoaremos? De fato, na
terra, qualquer coisa que fazemos, por prazenteira que seja, entedia quando
demasiada. Uma pessoa que gosta de doce deleita-se com uma caixinha de
chocolates; mas se lhe derem cem caixinhas do mesmo chocolate, essa pessoa não
aguentará, pode até mesmo chegar a não querer comer chocolates na vida.
Será que contemplar a Deus por toda a eternidade
não é uma atividade monótona e até mesmo chata? Se assim for, vale a pena ir ao
céu? Conta-se que um diabinho disse a um homem que estava indeciso em
converter-se ou não ao cristianismo que não valia a pena ser cristão e depois
ir ao céu porque ele teria que praticar um montão de virtudes chatas e depois
ir ao céu monótono e enjoado. As virtudes aborrecidas a que se referia era a
obediência, a castidade, o desprendimento dos bens materiais, a bondade, o
perdão. O diabo, para convencê-lo disse também que enquanto no céu os
bem-aventurados contemplam sempre o rosto de Deus, no inferno se contempla
sempre coisas diferentes e que, além do mais, existiria muita festa, muito
álcool, mulheres, prazeres. O pobre coitado que estava pensando em converter-se
tomou uma decisão: “- vou pensar nisso da conversão depois”.
Talvez o problema da proposta cristã que poderíamos
fazer aos nossos semelhantes seria mostrar um cristianismo chato, enjoado,
empenhado na prática dumas virtudes caducas e que, no fim de tudo, nos levaria
a um céu mais chato ainda. Se um cristão passa essa imagem aos outros, estaria
fazendo um mal apostolado.
As virtudes cristãs são alegres, dão otimismo à
vida e nos colocam sempre em disposição de entregar-nos mais e mais aos outros
e a Deus por amor aos outros. O céu não pode ser algo monótono. A explicação
que mais me convence é aquela que diz que a felicidade inicial que
experimentarmos ao ver a Deus permanecerá para sempre, por estarmos na
eternidade. Mas, ao mesmo tempo, me inclino muito por aquilo que diz S.
Gregório de Nissa: a bem-aventurança eterna saciará todos os nossos desejos,
mas não se trata dum estaticismo cuja novidade já não tenha cabida. Não! Deus é
infinito e a nossa alegria será sempre a de quem já recebeu todo o necessário
para a sua felicidade eterna, mas que parte dessa felicidade é a descoberta de
realidades sempre novas. Um teólogo moderno, Jean Daniélou, expressou tudo isso
de uma maneira verdadeiramente poética: a nossa viagem terminar-se-á não na
ascensão a uma cima definitiva, mas no maravilhoso descobrimento de que os
países descobertos são apenas uma promessa de “lugares” ainda mais belos que os
conhecidos até então e que estão por descobrir.