"Já não vivo eu, mas é Cristo que vive em mim", escreve S. Paulo, mostrando que o cristianismo é um caminho de negação do eu para que apareça verdadeiramente quem nós somos. Esta verdade sobre nós dorme sob a capa densa dos nossos desejos e medos. É necessário, pois, negar este eu superficial a partir do qual a imensa maioria de nós age. É preciso fazer a experiência da "kenonis", do rebaixamento que o próprio Cristo fez, a fim de que se manifeste quem nós somos, manifestação pela qual a terra inteira geme em dores de parto.
É esta a proposta de Jesus: "quem quiser me seguir, negue-se". Ainda ontem, eu lia das revelações de Jesus a Sta Brígida: "somente irá entrar no céu os que se humilham e se mortificam". E o que são a humilhação e a mortificação senão o rebaixamento da alma e do corpo, respectivamente? Este falso eu que todos trazemos, altivo e inconstante, não é quem de fato nós somos. Ou descobrimos a nossa verdadeira identidade - e para isso, é preciso procurar em Deus - ou morreremos e nos daremos conta da grande mentira que fomos e que estaremos - Deus nos livre - condenados a estender pela eternidade.
Se a via da conversão é mesmo uma via de negação do próprio eu, pouquíssima gente faz progressos no mundo. Antes, se poderia dizer que o cristianismo, como é pregado nos moldes atuais pela maioria, se encontra precisamente no rumo oposto, isto é: o da promoção do próprio ego. Não à toa Jesus diz que são pouquíssimos os que encontram o Caminho.
"Lembra-te sempre de que não realizas nada de virtuoso, esforçando-te para te dominares. De fato, que virtude há em tomar pá e picareta para tentar sair de uma galeria subterrânea, onde se tenha caído por falta de atenção? Não é natural, pois, utilizar as ferramentas entregues por alguém de fora, para escapar dessa atmosfera sufocante e tenebrosa? O contrário não seria pura estupidez? Essa parábola te pode ensinar a sabedoria. As ferramentas são os instrumentos da salvação, os mandamentos do Evangelho, os santos sacramentos da Igreja, que foram postos à disposição de cada cristão por ocasião do santo batismo. Sem uso, não terão nenhum proveito. Porém, utilizados com discernimento, permitirão que abras o caminho para a liberdade e para a luz. " (Tito Colliander, Caminho dos Ascetas, Iniciação à Vida Espiritual).