O Senhor guia a Igreja, o Senhor está presente nela. Seu Espírito vivifica, suscita, orienta, sustenta... Não nos pede licença, não nos consulta: é soberano! Eleva, rebaixa, exalta, humilha... tudo para nos conduzir a Cristo, tudo para o bem da Igreja, tudo para que o mundo reconheça em Jesus o único Salvador, enviado pelo Pai para toda a humanidade.
Afirmo isto pensando na vida religiosa. Ela é uma realidade carismática presente na Igreja: não foi instituída diretamente por Cristo, mas é fruto da ação do Seu Espírito Santo, como sinal do Reino de Deus e das exigências para quem deseja seguir o Cristo Jesus. Foi assim que nasceu aquele modo livre, radical, estranho e aparentemente louco de seguir a Cristo: homens e mulheres que deixavam tudo por causa do Senhor e iam viver no deserto uma vida de oração, penitência, constante meditação da Palavra de Deus e serviço aos pobres. Eram loucos, eram incompreensíveis para o mundo... É isto a vida religiosa: loucura, embriaguez por amor ao Cristo nosso Senhor! É isto, nem mais nem menos! E quando deixa de ser isso, perde o sentido, torna-se insossa e definha!
No decorrer dos tempos, as formas de vida religiosa foram mudando, evoluindo: primeiro, viúvas ou virgens que moravam em comunidade sob o cuidado do Bispo, depois, monges solitários no deserto; posteriormente, as grandes abadias medievais, com 300, 500 monges, dedicados à oração, ao canto dos salmos, ao trabalho no campo e à vida intelectual; mais adiante, os loucos mendicantes – franciscanos, dominicanos e carmelitas -, que tudo deixavam e andavam pelas ruas das cidades européias, pregando e esmolando por amor de Cristo. Viviam em comunidade, na pobreza, castidade e obediência. Na Idade Moderna surgiram os jesuítas, práticos e eficientes, parecendo um exército de Cristo e do Papa, pronto para a batalha. Depois surgiu uma constelação de congregações com um carisma particular. Era uma novidade: uma vida religiosa com o objetivo não somente de viver simplesmente o Evangelho, mas destinada também a um trabalho (carisma) específico: escolas, hospitais, missões, cuidado dos pobres, trabalho paroquial, etc...
O importante era que em toda essa evolução – das origens a hoje – houve sempre algumas características que marcavam a saúde, o vigor e a fidelidade desse modo de viver:
1) a “separação” da família e do modo de viver do mundo para viver “de modo realmente diferente” numa vida de comunidade fraterna por causa de Jesus Cristo;
2) uma intensa vida de piedade e oração, penitência e sobriedade;
3) a clara vivência dos votos de pobreza material, castidade efetiva, física, e obediência muito concreta e custosa;
4) a ruptura com os costumes do mundo (mesmo aqueles costumes honestos e legítimos), expresso no hábito religioso, que identificava e deixava claro para o religioso e para os outros a sua consagração e expresso também no modo de viver simples, recolhido e piedoso de quem abraçava essa vida...
É esta vida religiosa que está em crise. Na verdade, sempre estará em crise, pois ser religioso é ser livre, pobre, simples, radical, apartado do mundo... E há sempre uma tendência de acomodamento, de que, pouco a pouco, as estruturas que os próprios religiosos vão criando com o correr do tempo, sufoquem a simplicidade, a fraternidade originais e vão apagando o Espírito com a praga do comodismo, da frieza e da secularização...
No entanto, sobretudo depois do Vaticano II, com o pretexto de renovação, adaptação aos tempos modernos e de inserção no mundo, a vida religiosa entrou num profundo processo de esfriamento. Não sempre, mas muitíssimas vezes, os religiosos parecem aqueles que deixaram tudo para não deixarem nada: vivem como todo mundo, vestem-se como todo mundo, falam e agem como todo mundo. Os sinais do sagrado, do diferente, da radicalidade, da loucura e incongruência por amor de Cristo, desapareceram.