segunda-feira, 16 de julho de 2018

O que é ser “Pobre em espírito”?


Em Seu notório “Sermão da Montanha”,  Nosso Senhor Jesus Cristo, o Novo Moisés, tal e qual ao Moisés do Antigo Testamento, que ao subir o Monte Sinai recebeu de Deus os Dez Mandamentos, subiu o Monte Tabor e deu-nos as Bem-Aventuranças, uma espécie de Dez Mandamentos do Novo Testamento.  Pelas Bem-aventuranças Ele revelou à toda a gente, de modo mais íntimo, a descrição de Seu rosto,  deixando-nos um modelo concreto para a imitação de Sua caridade.

Há cerca de um ano atrás, eu visitei ambos o Monte Sinai, no Egito e o Monte Tabor, em Israel, na Terra Santa. Santo é justamente o adjetivo mais apropriado para descrever ambos os lugares, não pelo simbolismo de tudo aquilo que representam, mas porque em ambos os casos,  pelo amor e misericórdia de Deus, fomos instruídos no caminho seguro para alcançarmos a verdadeira felicidade, que é perene e nos conduz à Deus.

Foi um programa de rádio que me inspirou a escrever  a entrada de hoje, mas também porque nos dias atuais tanto se fala em felicidade que, por vezes, já nem sabemos mais definí-la. A confusão é tamanha que felicidade virou sinônimo de riqueza, prosperidade, etc… Assim, no mundo de hoje, para amar e ser amado, para ser feliz e fazer alguém feliz ou demonstrar amor, parece que é necessário o dinheiro ou algum meio material.  Acerca disso, o Bem-aventurado John Henry Newman escreveu:

 «A riqueza é a grande divindade deste tempo: é a ela que a multidão, toda a massa dos homens, presta instintiva homenagem. Mede-se a felicidade pela fortuna, como pela fortuna se mede a honorabilidade […] Tudo provém desta convicção: com a riqueza, tudo se pode. A riqueza é, pois, um dos ídolos actuais: outro, é a notoriedade. […] A notoriedade, o facto de se ser conhecido e de dar brado no mundo (a que poderia chamar-se fama de imprensa), acabou por ser considerada como um bem em si mesma, um bem soberano, objecto, até, de verdadeira veneração»

Mas de que modo este pensamento dos nossos dias reconcilia-se com o ensinamento de Cristo: «Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos céus »?

Afinal, o que é ser “pobre em espírito”?

A palavra pobre parece representar “Anya” em Aramaico (em hebraico ‘Ani’), e significa rebaixado, aflito, miserável, pobre, enquanto manso é sim um sinônimo da mesma raiz, “ánwan” (hebraico ‘Anaw’), que convém “curvado” para baixo, humilde, manso, delicado. Alguns estudiosos atribuiriam à antiga palavra também o senso de humildade, outros pensam em “mendigos diante de Deus”, humildemente reconhecendo sua necessidade de ajuda divina. Mas a oposição à “ricos” nas “Bem-aventuranças” do Evangelho de Lucas (Lucas 6,24) aponta especialmente para o significado comum e óbvio, que, no entanto, não deve ser limitado à necessidade econômica e de socorro, mas pode compreender o conjunto da dolorosa condição dos pobres: seu baixo patrimônio, a sua dependência social, a sua exposição à injustiça, indefesos dos ricos e poderosos. 

Apesar da bênção do Senhor, a promessa do reino celestial não é agraciada na real condição externa de tal pobreza. Os verdadeiros bem-aventurados são os pobres “em espírito”, aqueles que por sua livre vontade estão dispostos a suportarem por amor de Deus esta condição dolorosa e humilde, apesar de, no presente, eles serem talvez realmente ricos e felizes, enquanto por outro lado, o homem realmente pobre pode ficar aquém desta pobreza “em espírito”, por ressentir sua condição, desejando para si sempre a riqueza material que não possui.

Mas ai de vós, os ricos, porque já tendes a vossa consolação! (Lucas 6,24)

Mas, então a Igreja Católica ensina que devemos ser pobres?

domingo, 15 de julho de 2018

Nicarágua: Ataques «brutais e arrogantes» contra um centro humanitário


A Arquidiocese de Manágua (capital da Nicarágua) publicou, este sábado, na rede social facebook que o Centro Social Jesus da Divina Misericórdia foi atacado de forma «brutal e arrogante» por polícias e paramilitares.

Para além do ataque à instituição onde se tratavam feridos, refere-se também que foram “mortas duas pessoas” e foram destruídos locais ligados à paróquia.

A Igreja Católica na Nicarágua manifestou a intenção de continuar a mediar o diálogo no país, tendo em vista o fim do clima de violência nesta nação centro-americana, apesar das ameaças de que tem sido alvo.

Numa mensagem partilhada pelo portal ‘Vatican News’, da Santa Sé, os bispos católicos da Nicarágua salientam que vão prosseguir “com o mesmo compromisso e entusiasmo” a “fornecer o serviço que o governo lhes pediu, como mediadores e testemunhas do diálogo nacional”.

O arcebispo de Manágua, cardeal Leopoldo Brenes, e o núncio apostólico D. Waldemar Stanislaw Sommertag, estão na referida paróquia e conseguiram que as ambulâncias entrassem no local para transferirem os feridos.

Os atos de violência ocorreram quando os prelados foram expressar sua proximidade a uma comunidade eclesial na cidade de Diriamba, pelas quatro mortes de seus membros ocorridas durante manifestações contra o governo.

O núncio na Nicarágua, Dom Waldemar Stanislaw Sommertag, disse que o Papa Francisco está “muito preocupado” com o ato de agressão contra os três bispos ocorrido na última segunda-feira e pede “que sejam respeitados os direitos humanos” de todos, não só dos bispos”.

“Nós deixamos de lado as ameaças e confiamos em Deus, que é o Senhor da história, da vida e de cada um de nós.”

Recorde-se que a Conferência Episcopal da Nicarágua tinha suspendido as sessões plenárias com representantes políticos e sociais, por considerar que não estavam reunidas as condições para continuar a desempenhar o seu papel, depois de vários bispos e sacerdotes terem sido vítimas de agressões físicas.

Conceituando a “pobreza” nos evangelhos sinóticos


Nosso país é massivamente cristão, portanto deduzo que todo cristão deva ter sua Bíblia em casa. Sendo assim é importante saber algumas informações, por exemplo, a Bíblia foi escrita originalmente em três idiomas: Hebraico, Aramaico e Grego. Todo o Novo Testamento foi escrito em grego, então o ensinamento de Jesus fora escrito na língua helênica. Nos três primeiros livros do Novo Testamento (Mateus, Marcos e Lucas), Jesus fala em específico aos pobres, mas cada um especifica o “pobre” na qual Jesus está a se referir. Quanto ao evangelho de João, este tem outra linha teológica ao abordar a Boa Nova de Jesus porque usou outras fontes para ser escrito, então deve ser visto de maneira diferente dos três primeiros, logo não será abordado nesse texto.

O idioma grego classifica a pobreza em duas categorias distintas, são elas: os ‘penes’ e os ‘ptochós’. Penes são os que têm uma ocupação, atividade própria, o que consegue viver com o indispensável, trabalha no dia-a-dia a fim de ter algo para comer, ou seja, o necessário para subsistir. Ptochós são os mendigos, indigentes, logo é a palavra que simboliza a pobreza indigesta, indica miséria mesmo. Percebe-se assim que o idioma grego demonstra cuidado nos conceitos porque havia a preocupação em poder delimitar claramente a sociedade e seu modo de organização. Afinal, existe uma diferença considerável entre ambas as classes (penes e ptochós) e os escritores dos evangelhos (livros que falam da vida de Jesus na Bíblia) entendiam sobre isso.

O pobre no evangelho de Marcos (provavelmente o primeiro a ser escrito) é o ptochós aquele mendigo e indigente; em Mateus (que escreve para cristãos de origem judaica) seria a pobreza espiritual; em Lucas “os pobres” são os penes, ou seja, os que precisam trabalhar para sustentar-se.

Porém, quando a Bíblia foi traduzida para o Latim (este um idioma limitado em vocábulos e expressões) usou-se uma mesma palavra para designar essas classes que no idioma original são diferenciadas, e a palavra usada fora: pobre. Não esquecendo que o português, mesmo tendo uma variedade enorme de possibilidades, originou-se do latim. Então a tradução portuguesa da Bíblia manteve a mesma palavra (pobre) para determinar aquilo que nos evangelhos são situações diferentes em cada escrito.

Provavelmente, a Igreja do Oriente mantêm a distinção na sua tradução da Sagrada Escritura. Essa diferença faz com que a interpretação oriental provavelmente seja mais profunda que a dos ocidentais com língua de origem latina. Lembremos também que foram os “ocidentais latinos” que no século XX expuseram a preocupação com o pobre ao dizer que: a Igreja fez sua opção preferencial pelos pobres (através da polêmica Teologia da Libertação). Os pobres, por sua vez, estão fazendo a opção pela Igreja Universal do Reino de Deus.

sábado, 14 de julho de 2018

Igreja em Cuba se solidariza com bispos da Nicarágua por ataques “degradantes”

Dom Silvio José Báez e Cardeal Leopoldo Brenes rezam depois da agressão. Foto: Twitter / @silviojbaez

A Conferência dos Bispos Católicos de Cuba (COCC) se uniu às mostras de solidariedade aos bispos da Nicarágua que foram atacados em 9 de julho por paramilitares e simpatizantes do governo de Daniel Ortega.

Na segunda-feira, o Arcebispo de Manágua, Cardeal Leopoldo Brenes, o Bispo Auxiliar de Manágua, Dom Silvio José Báez, e o Núncio Apostólico, Dom Waldemar Stanilaw Sommertag, foram agredidos fisicamente e verbalmente na Basílica de São Sebastião de Diriamba.

Os bispos viajaram a esta cidade, localizada no sul do país, depois que no domingo, 8 de julho, pelo menos 14 pessoas foram assassinadas durante as repressões do regime contra as manifestações.

Em seu comunicado, os bispos cubanos expressaram a sua "profunda tristeza e horror" ante a barbaridade ocorrida em Diriamba.

"Estes atos de violência e profanação, de crimes e abusos de poder, são verdadeiramente degradantes e, portanto, vivemos o sentido lógico de fraternidade pastoral ante o momento que vivem", indicou a COCC.

Por que mais sacerdotes da Austrália se negam a quebrar segredo de confissão?


A Confraria Australiana do Clero Católico (ACCC, na sigla em inglês), um associação privada ligada à Conferência Episcopal, se uniu a outros bispos e sacerdotes do país que se negam a quebrar o segredo de confissão quando saibam dos casos de abusos sexuais, tal como pretende exigir-lhes uma nova lei.

Em 14 de agosto, a Royal Commission, uma entidade criada na Austrália para investigar os casos de abusos sexuais, propôs que os sacerdotes da Igreja Católica quebrem o segredo de confissão em casos de abuso sexual. Em 7 de junho de 2018, a Assembleia Legislativa do Território de Canberra aprovou esta lei.

Entretanto, unidos à decisão do Arcebispo de Melbourne (Austrália), Dom Denis Hart, e outros sacerdotes nas últimas semanas, a ACCC expressou em um comunicado no dia 2 de julho a "sua profunda objecção" à nova lei, mas esclarece o seu "firme desejo" de proteger "crianças e adultos vulneráveis ​​contra o abuso".

A associação afirmou que o segredo do sacramento "não é meramente uma questão de direito canônico, mas da Lei Divina, da qual a Igreja não tem poder para dispensar". Portanto, explicaram que "nenhum sacerdote está obrigado a cumprir nenhuma lei humana que tente minar a confidencialidade absoluta da confissão".

Nesse contexto, argumentam que a "intenção de proteger as crianças e os adultos vulneráveis ​​é contrariada pela natureza equivocada da legislação que indica uma compreensão radicalmente inadequada do sacramento".

Os sacerdotes também manifestaram várias “impraticabilidades”, assinaladas anteriormente – pelo Arcebispo de Canberra e Goulburn – sobre a nova lei, por exemplo: quando “o penitente confessa atrás de uma grade, como o confessor pode saber com certeza a quem confessará? Ou, como o penitente pode ter certeza de que o sacerdote confessor é quem ele pensa que é? Ou, como assegurará uma condenação além de toda dúvida razoável, exceto pela captura da polícia? Pois os penitentes não precisam especificar (além do tipo de pecados e as vezes que o cometeu) os detalhes dos seus pecados (como o lugar, a hora, os nomes, etc.)”.

De acordo com a lei da Igreja, um sacerdote tem a obrigação de não revelar os conteúdos de uma confissão, mesmo que seja ameaçado de prisão.

Se quebrar o segredo de confissão, um sacerdote incorre em excomunhão latae sententiae (automática).

No parágrafo 1467, o Catecismo da Igreja Católica explica o significado de segredo de confissão: “Dada a delicadeza e a grandeza deste ministério e o respeito devido às pessoas, a igreja declara que todo o sacerdote que ouve confissões está obrigado a guardar segredo absoluto sobre os pecados que os seus penitentes lhe confessaram, sob penas severíssimas. Tão pouco pode servir-se dos conhecimentos que a confissão lhe proporciona sobre a vida dos penitentes”.

"Este segredo, que não admite exceções, é chamado ‘sigilo sacramental’, porque aquilo que o penitente manifestou ao sacerdote fica ‘selado’ pelo sacramento”, assinala.

Um católico a favor do aborto pode comungar?


Diante dos recentes casos de despenalização do aborto em países de maioria católica, como Irlanda, Colômbia, Chile e a possibilidade de que a mesma coisa aconteça na Argentina, surgiu a pergunta de se os fiéis que estão abertamente a favor desta prática podem receber a Eucaristia.

Para resolver esta dúvida, a Igreja emitiu vários documentos. Entre eles a carta "Dignidade para receber a Sagrada Comunhão: Princípios Gerais", enviada em 2004 pelo então Cardeal Joseph Ratzinger, Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, aos bispos dos Estados Unidos.

A carta assinala que, no caso do grave pecado do aborto, “quando a cooperação formal de uma pessoa é manifesta (entendida, no caso de um político católico, como fazer campanha e votar sistematicamente por leis permissivas de aborto e eutanásia), seu pároco deveria reunir-se com ele, instruí-lo a respeito dos ensinamentos da Igreja, informando-lhe que não deve apresentar-se à Sagrada Comunhão até que termine com a situação objetiva de pecado, e advertindo-lhe que de outra maneira se lhe negará a Eucaristia”.

Além disso, adverte que um católico seria “culpável de cooperação formal no mal, e tão indigno para apresentar-se à Sagrada Comunhão, se deliberadamente votasse a favor de um candidato precisamente pela postura permissiva do candidato a respeito do aborto e/ou da eutanásia”.

“Esta decisão, propriamente falando, não é uma sanção ou uma pena. Tampouco é que o ministro da Sagrada Comunhão esteja realizando um juízo sobre a culpa subjetiva da pessoa, senão que está reagindo ante a indignidade pública da pessoa para receber a Sagrada Comunhão devido a uma situação objetiva de pecado”, esclarece o texto.

Em agosto de 2008, o então Prefeito do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica da Santa Sé, Cardeal Raymond L. Burke, explicou que os católicos, especialmente os políticos que apoiam publicamente o aborto, não devem comungar.

O Cardeal também se referiu à responsabilidade da caridade que os ministros da comunhão têm de negá-la caso a solicitem "até que reformem a própria vida".

Igreja Protestante debate se “Deus é homem, mulher ou gênero neutro”


Onze anos atrás, o movimento judaico reformista mudou sua linguagem para referir-se a Deus em seu livro de orações, passando a trocar o masculino pelo “gênero neutro”. Em 2017 foi a vez da Igreja Nacional da Suécia, de confissão luterana, que passou a instruir os pastores e bispos a referir-se a Deus de “uma maneira neutra”. Ou seja, Deus podia ser chamado tanto de “Mãe” quanto de “Pai” nas orações.

Esta semana a cúpula da Igreja Episcopal debate nos Estados Unidos a proposta de revisão de seu “Livro de Oração Comum”, usado nas igrejas da denominação em todo o mundo. Conforme noticia o jornal Washington Post, será tomada uma decisão para determinar se Deus tem (ou não) gênero.

“Enquanto ‘homens’ e ‘Deus’ estiverem na mesma categoria, nosso trabalho em direção à equidade estará incompleto. Eu honestamente acho que isso não importa em alguns aspectos”, disse o reverendo Wil Gafney, professor de Antigo Testamento na Brite Divinity School, Texas.

Ao longo da história do cristianismo, Deus sempre foi tratado em orações como um ser masculino, incluindo termos como “Pai”, “Rei” e “Senhor”. No Novo Testamento, Jesus ensinou a orar a Deus usando o termo masculino.

Porém, Gafney e os outros membros do comitê da Igreja Episcopal tendem e recomendar uma mudança na linguagem, alegando que Deus é “maior do que qualquer gênero”.

As 3 grandes Ordens Religiosas Militares da história da Igreja


Na sua acepção cristã primitiva, a expressão ordo militaris, justaposta a ordo ecclesiasticus (o clero), designava os fiéis leigos com a sua respectiva legislação; todo cristão, por efeito do Batismo e da Crisma, é, sim, um militante de Cristo. À medida que as ordens monásticas se foram desenvolvendo, ordo militaris (ordem militar) passou a ser o título de famílias religiosas organizadas para lutar em defesa da fé, dos pobres e dos oprimidos.

Já que o ideal das ordens militares se prende de perto ao do cavaleiro medieval, será oportuno lembrar, antes do mais, alguns traços característicos deste último.

1. O cavaleiro medieval


Entre os múltiplos elementos com que os invasores bárbaros contribuíram para a formação da cultura e da mentalidade medievais, conta-se a instituição dos cavaleiros. Esta se foi delineando aos poucos: a princípio tinha a índole um tanto brutal que caracterizava tudo que se referia à guerra entre os bárbaros; mas, com o tempo, impregnou-se de mentalidade profundamente cristã. O cavaleiro foi-se mais e mais considerando servo de Deus, portador de missão religiosa; o Senhor Altíssimo lhe era apresentado como o primeiro Soberano, e a fidelidade ou a fé como a virtude básica.

Assim, as normas da cavalaria se tornaram autêntica escola de formação do jovem medieval, cujo programa se resumia no lema: «Minha alma, a Deus; minha vida, ao rei; meu coração, à dama; a honra, para mim». O cavaleiro aprendia não somente o manejo das armas e a técnica do combate, mas, a fim de disciplinar as paixões e servir devidamente aos seus nobres objetivos, era educado na prática das virtudes e do amor (amor a Deus e ao próximo).

A formação do cavaleiro se processava em três etapas:

Até os 7 anos, o candidato ficava sob os cuidados de sua mãe e das amas, que lhe insuflavam os rudimentos da educação cristã; passava a maior parte do tempo em jogos infantis. Aos sete anos, tornava-se pajem ou donzel (domicellus) e geralmente era transferido para a corte de um príncipe ou para o castelo de um senhor feudal, a cujo serviço ele se dedicava tanto em casa como na caça e em viagem. A instrução religiosa era-lhe ministrada pelo capelão do castelo, que, não raro, nos longos serões do inverno, lhe narrava os episódios do Antigo e do Novo Testamento, assim como a vida dos santos. Uma das grandes tarefas do pajem consistia na aprendizagem das sete «probitates» do cavaleiro: a natação, a equitação, o manejo do arco, o duelo, a caça, o jogo do xadrez, a arte da rima. A título de recreio, era-lhe dado ouvir o trovador, que periodicamente visitava o castelo, deleitando os ouvintes com suas canções e com as narrativas dos feitos exímios dos antigos heróis.

Aos 14 anos, o pajem era promovido a escudeiro, recebendo do sacerdote ao pé do altar a espada e o cinturão bentos, ao passo que as esporas de prata lhe eram fixadas aos pés pelos assistentes; estes, em seu nome, prometiam amor e lealdade. De então por diante, a ocupação principal do jovem era o uso das armas, que ele carregava ao acompanhar o seu senhor na guerra e na caça.

Aos 21 anos, o escudeiro era instituído cavaleiro numa cerimônia (dita adubamento) rica de simbolismo. Na véspera do grande dia purificava-se com um banho (comparado a novo batismo), após o qual se revestia de «cotta» (camisa) preta (símbolo da morte), túnica branca (emblema da pureza) e manto vermelho (significativo do sangue que ele devia estar pronto a derramar pela fé). Assim trajado, o candidato ia para a capela, onde passava a noite em «vigília de armas»; de manhã cedo confessava-se e participava da Santa Missa e recebia a Santa Comunhão. Seguia-se a investidura propriamente dita: após a bênção da espada, o candidato ouvia de joelhos a leitura dos seus futuros deveres, entre os quais primavam os de servir a Deus e à Igreja, não mentir, proteger os fracos. Feito isto, os padrinhos lhe impunham uma blusa, um casaco de malha, polainas de ferro e a espada; o cavaleiro jurava solenemente fidelidade aos seus ideais de guerreiro cristão; por fim, para encerrar o rito, o seu senhor tocava-o três vezes com a espada, dizendo: «Em nome de Deus, de São Miguel e de Nossa Senhora, constituo-te cavaleiro».

Infelizmente os varões assim preparados não estiveram sempre à altura do seu nobre programa. Aos poucos, o entusiasmo foi diminuindo; o cavaleiro se tornou burguês e cortesão; a entrada na cavalaria veio a ser obrigatória para que alguém gozasse dos privilégios da nobreza; em suma, o título de cavaleiro passou a ser mera distinção honorífica. Como quer que seja, a instituição, em seus tempos áureos, produziu frutos notáveis tanto no plano natural como no sobrenatural, dentro da sociedade medieval.

À luz destas ideias, entende-se que tenham surgido na Santa Igreja famílias religiosas que professavam empunhar as armas a serviço da mais nobre das causas, que é a do Reino de Cristo.