A pedofilia é tratada como uma "doença" tanto pelo Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais (DSM), como pela Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados (CID). O que poucos percebem, no entanto, é que tais classificações não representam qualquer consenso, muito menos uma verdade absoluta sobre o tema na comunidade científica.
A concepção de doença mental ou transtorno é mais uma necessidade de classificação do que um dado explicativo.
Quando falamos de doença mental a divergência começa pelo termo "mental".
O que é a mente? Como é possível definir o conceito de "doença" acerca de algo que não compreendemos plenamente?
Cérebro é uma coisa. Este é um dado objetivo. A mente é outra coisa. Ela é um conceito e, portanto, um dado subjetivo.
O que temos, na prática, em relação ao conhecimento psicológico e psiquiátrico, são classificações que visam nortear o trabalho de quem lida com o comportamento humano, mas não últimas verdades acerca do que é ou não uma doença - da mente -, de fato.
Desde 1904, quando o psiquiatra alemão Emil Kraepelin desenvolveu o primeiro sistema diagnóstico dos transtornos psiquiátricos que viria até hoje ser o principal fundamento da DSM, pouco evoluímos na compreensão das verdadeiras causas das assim chamadas "doenças mentais". Aevolução se deu muito mais no controle dos sintomas, proporcionado pelo avanço tecnológico que permitiu entender melhor os mecanismos fisiológicos, por exemplo, da ansiedade (antiga neurose), depressão (melancolia) e vários outros quadros do comportamento e emoções humanas, ampliados pela endocrinologia e neurologia.
Entretanto, apesar do esforço em tentar enquadrar a complexidade do comportamento/mente humano sob a lógica do modelo biomédico de saúde, ainda não podemos dizer com certeza que sabemos a causa, por exemplo, da esquizofrenia, da psicose ou depressão.
Caso o leitor não esteja familiarizado com o assunto, talvez fique confuso nesse momento. "Não descobrimos a causa dessas e outras doenças mentais?", pode se perguntar. Resposta: ainda estamos tentando chegar em um consenso sobre o que é "mental" (risos).
Não podemos confundir tratamento de sintomas com o conhecimento da doença. A psiquiatria moderna é capaz de tratar muitos sintomas, e controlá-los, mas pouco sabe sobre às causas das "doenças mentais". Temos muitas teorias e especulações, mas poucas conclusões.
É por essa razão que geralmente costumamos dizer que a causa do transtorno "A", "B" ou "C" é "multifatorial", ou causado por fatores "genéticos, circunstanciais e ambientais". Essa é muito mais uma fórmula de explicação diagnóstica para quase tudo o que não compreendemos plenamente no campo da saúde mental e do comportamento humano, do que a definição de uma doença, de fato.
Thomas S. Szasz, psiquiatra húngaro ex-professor da Universidade de Nova York, em "Ideologia e Doença Mental" (1977) faz diferença entre doença cerebral e mental, afirmando que é um problema "epistemológico" confundir a relação entre o que é "mental" com o "físico", mas também com o que é moral e ético. Com base nisso ele questiona:
"Qual é a norma da qual o desvio é considerado uma doença mental? Essa questão não pode ser respondida facilmente, mas qualquer que seja a norma, podemos estar certos de uma coisa: esta deve ser estabelecida em termos de conceitos psicossociais, éticos e legais.".
Em outras palavras, Szasz, para quem "doenças mentais não existem" e que tal conceito não passa de um "mito", está afirmando que há questões típicas do comportamento e da própria índole humana que devem ser tratadas como problemas de ordem moral, ética, existencial. Diferentemente de um desvio orgânico que pode ser observado, por exemplo, em uma sífilis cerebral, o "desvio de comportamento" pode ser muito bem entendido sob a perspectiva da moralidade.
"Sugiro que a ideia de doença mental esteja agora sendo trabalhada para obscurecer certas dificuldades que no presente possam ser inerentes - não que sejam irremovíveis - às relações sociais das pessoas. Se isso é verdade, o conceito funciona como um disfarce: em vez de chamar atenção para necessidades, aspirações e valores humanos conflitantes, o conceito de doença mental produz uma 'coisa' moral e impessoal - uma 'doença' - como uma explicação para problemas existenciais.", diz o autor.
Com base nisso, ele afirma que o "mito" da doença mental está sendo criado para explicar e mascarar problemas da mesma forma que alguns utilizaram a religião no passado:
"A crença na doença mental, como algo diferente do problema do homem em conviver com seus semelhantes, é a própria herdeira da crença em demônios e feitiçaria. Assim, a doença mental existe ou é 'real' exatamente no mesmo sentido no qual as feiticeiras existiam ou eram 'reais'."