domingo, 7 de março de 2021

No Iraque, Papa pede união fraterna em mundo dilacerado pelas divisões


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO
 AO IRAQUE
[5-8 DE MARÇO DE 2021]

ENCONTRO COM OS BISPOS, SACERDOTES, RELIGIOSOS E RELIGIOSAS,
 SEMINARISTAS E CATEQUISTAS

DISCURSO DO SANTO PADRE

Catedral Sírio-Católica de Nossa Senhora da Salvação em Bagdá
Sexta-feira, 5 de março de 2021

 
Beatitudes, Excelências Reverendíssimas,
Amados Sacerdotes e Religiosos,
Prezadas Religiosas,
Queridos irmãos e irmãs!

Com paterno afeto, vos abraço a todos. Sinto-me agradecido ao Senhor que, na sua providência, permitiu encontrar-nos hoje. Agradeço a Sua Beatitude o Patriarca Ignace Youssif Younan e a Sua Beatitude o Cardeal Louis Sako as palavras de boas-vindas. Estamos reunidos nesta Catedral de Nossa Senhora da Salvação, abençoados pelo sangue dos nossos irmãos e irmãs que aqui pagaram o preço extremo da sua fidelidade ao Senhor e à sua Igreja. Que a recordação do seu sacrifício nos inspire a renovar a nossa confiança na força da Cruz e da sua mensagem salvífica de perdão, reconciliação e renascimento. Na verdade, o cristão é chamado a testemunhar o amor de Cristo em todo o tempo e lugar. Este é o Evangelho que se deve proclamar e encarnar também neste amado país.

Todos vós, como bispos e sacerdotes, religiosos e religiosas, catequistas e responsáveis leigos, compartilhais as alegrias e os sofrimentos, as esperanças e as angústias dos fiéis de Cristo. As carências do povo de Deus e os árduos desafios pastorais que enfrentais diariamente, agravaram-se neste tempo de pandemia. Há uma coisa, porém, que nunca deve ser bloqueada nem reduzida: o zelo apostólico, que hauris de raízes muito antigas, da presença ininterrupta da Igreja nestas terras desde os primeiros tempos (cf. Bento XVI, Exort. ap. pós-sinodal Ecclesia in Medio Oriente, 5). Sabemos como é fácil ser contagiado pelo vírus do desânimo que às vezes parece difundir-se ao nosso redor. Mas o Senhor deu-nos uma vacina eficaz contra este vírus mau: é a esperança; a esperança, que nasce da oração perseverante e da fidelidade diária ao nosso apostolado. Com esta vacina, podemos prosseguir com energia sempre nova, para partilhar a alegria do Evangelho como discípulos missionários e sinais vivos da presença do Reino de Deus, Reino de santidade, justiça e paz.

Quanta necessidade tem o mundo ao nosso redor de ouvir esta mensagem! Não esqueçamos jamais que Cristo é anunciado sobretudo com o testemunho de vidas transformadas pela alegria do Evangelho. Como vemos pela antiga história da Igreja nestas terras, uma fé viva em Jesus é «contagiosa», pode mudar o mundo. O exemplo dos Santos mostra-nos que seguir Jesus Cristo «não é algo apenas verdadeiro e justo, mas também belo, capaz de cumular a vida dum novo esplendor e duma alegria profunda, mesmo no meio das provações» (Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 167).

As dificuldades fazem parte da experiência diária dos fiéis iraquianos. Nas últimas décadas, vós e os vossos concidadãos tivestes de enfrentar os efeitos da guerra e das perseguições, a fragilidade das infraestruturas básicas e uma luta contínua pela segurança económica e pessoal, que muitas vezes levou a deslocamentos internos e à migração de muitos, inclusive cristãos, para outras partes do mundo. Agradeço-vos, irmãos bispos e sacerdotes, por terdes permanecido junto do vosso povo – junto do vosso povo –, apoiando-o, esforçando-vos por satisfazer as carências das pessoas e ajudando cada um a fazer a sua parte ao serviço do bem comum. O apostolado educativo e o sociocaritativo das vossas Igrejas Particulares constituem um recurso precioso para a vida quer da comunidade eclesial quer da sociedade inteira. Animo-vos a perseverar neste compromisso, a fim de garantir que a Comunidade Católica no Iraque, apesar de pequena como um grão de mostarda (cf. Mt 13, 31-32), continue a enriquecer o caminho do país no seu conjunto.

O amor de Cristo pede-nos para colocar de lado qualquer tipo de egocentrismo e competição; impele-nos à comunhão universal e chama-nos a formar uma comunidade de irmãos e irmãs que se acolhem e cuidam mutuamente (cf. Francisco, Carta enc. Fratelli tutti, 95-96). Vem-me ao pensamento a imagem familiar dum tapete. As diversas Igrejas presentes no Iraque, cada qual com o seu secular património histórico, litúrgico e espiritual, são como tantos fios de variegadas cores que, entrelaçados conjuntamente, compõem um único belíssimo tapete, que não só atesta a nossa fraternidade, mas remete também para a sua fonte, pois o próprio Deus é o artista que idealizou este tapete, que o tece com paciência e prende cuidadosamente querendo-nos sempre bem entrelaçados entre nós, como seus filhos e filhas. Esteja sempre no nosso coração esta exortação de Santo Inácio de Antioquia: «Nada haja entre vós que possa dividir-vos (...), mas fazei tudo em comum: uma só oração, uma só prece, uma só alma, uma só esperança na caridade e na santa alegria» (Ad Magnesios, 6-7: PL 5, 667). Como é importante este testemunho de união fraterna num mundo que se vê frequentemente fragmentado e dilacerado pelas divisões! Todo o esforço feito para construir pontes entre comunidades e instituições eclesiais, paroquiais e diocesanas aparecerá como gesto profético da Igreja no Iraque e como resposta fecunda à oração de Jesus para que todos sejam um só (cf. Jo 17, 21; Ecclesia in Medio Oriente, 37).

Iraque: diferenças não devem gerar conflitos, mas cooperação, diz Papa às autoridades


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO
 AO IRAQUE
[5-8 DE MARÇO DE 2021]

ENCONTRO COM AS AUTORIDADES, A SOCIEDADE CIVIL 
E O CORPO DIPLOMÁTICO

DISCURSO DO SANTO PADRE

Palácio Presidencial em Bagdá
Sexta-feira, 5 de março de 2021


Senhor Presidente,
Membros do Governo e do Corpo Diplomático,
Ilustres Autoridades,
Representantes da sociedade civil,
Senhoras e senhores!

Sinto-me agradecido pela oportunidade de fazer esta Visita, longamente esperada e desejada, à República do Iraque, pela possibilidade de vir a esta terra, berço duma civilização estreitamente ligada, através do Patriarca Abraão e de numerosos profetas, à história da salvação e às grandes tradições religiosas do Judaísmo, Cristianismo e Islão. Expresso a minha gratidão ao Senhor Presidente Salih pelo convite e as amáveis palavras de boas-vindas que me dirigiu em nome também das outras Autoridades e do seu amado povo. De igual modo saúdo os membros do Corpo Diplomático e os representantes da sociedade civil.

Saúdo com afeto os bispos e os presbíteros, os religiosos e as religiosas e todos os fiéis da Igreja Católica. Venho como peregrino para os animar no testemunho de fé, esperança e caridade que dão no meio da sociedade iraquiana. Saúdo também os membros das outras Igrejas e Comunidades eclesiais cristãs, os seguidores do Islão e os representantes de outras tradições religiosas. Que Deus nos faça caminhar juntos, como irmãos e irmãs, na «forte convicção de que os verdadeiros ensinamentos das religiões convidam a permanecer ancorados aos valores da paz, (...) do conhecimento mútuo, da fraternidade humana e da convivência comum» (Francisco e Ahmad Al-Tayyeb, Documento sobre a Fraternidade Humana, Abu Dhabi, 4/II/2019).

A minha visita acontece num momento em que o mundo inteiro está procurando sair da crise pandémica de Covid-19, que não só atingiu a saúde de muitas pessoas, mas provocou também o deterioramento das condições sociais e económicas já contusas por fragilidade e instabilidade. Esta crise requer da parte de cada um esforços conjuntos para se realizar os inúmeros passos necessários, incluindo uma justa distribuição das vacinas para todos. Mas não basta! Esta crise é sobretudo um apelo a «repensar os nossos estilos de vida, (...) o sentido da nossa existência» (Francisco, Carta enc. Fratelli tutti, 33). Trata-se de sair deste tempo de provação melhores do que éramos antes; de construir o futuro mais sobre o que nos une do que sobre o que nos divide.

Nas últimas décadas, o Iraque sofreu os infortúnios das guerras, o flagelo do terrorismo e conflitos sectários muitas vezes baseados num fundamentalismo incapaz de aceitar a convivência pacífica de vários grupos étnicos e religiosos, de ideias e culturas diferentes. Tudo isto trouxe morte, destruição, ruínas ainda visíveis… E não só a nível material! Os danos são ainda mais profundos, quando se pensa nas feridas dos corações de tantas pessoas e comunidades que precisarão de anos para se curar. E aqui, dentre tantos que sofreram, não posso deixar de lembrar os yazidis, vítimas inocentes duma barbárie insensata e desumana, perseguidos e mortos por causa da sua filiação religiosa, estando em risco a sua própria identidade e sobrevivência. Ora, só se conseguirmos olhar-nos uns aos outros, com as respetivas diferenças, como membros da mesma família humana, é que podemos iniciar um efetivo processo de reconstrução e deixar às gerações futuras um mundo melhor, mais justo e mais humano. A propósito, a diversidade religiosa, cultural e étnica, que há milénios caracteriza a sociedade iraquiana, é um recurso precioso de que lançar mão, e não um obstáculo a ser eliminado. Hoje o Iraque é chamado a mostrar a todos, especialmente no Médio Oriente, que as diferenças, em vez de gerar conflitos, devem cooperar harmoniosamente na vida civil.

A convivência fraterna precisa do diálogo paciente e sincero, tutelado pela justiça e o respeito do direito. Não é uma tarefa fácil: exige esforço e empenho por parte de todos para superar rivalidades e contrastes e dialogar a partir da identidade mais profunda que temos: a de filhos do único Deus e Criador (cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decl. Nostra aetae, 5). Com base neste princípio, a Santa Sé não se cansa de apelar às Autoridades competentes no Iraque, como noutros lugares, para que concedam a todas as comunidades religiosas reconhecimento, respeito, direitos e proteção. Congratulo-me com os esforços já empreendidos neste sentido e uno a minha voz à dos homens e mulheres de boa vontade para pedir que os mesmos continuem em benefício do país.

Numa sociedade que se distingue pela unidade fraterna, os seus membros vivem solidariamente entre si. «A solidariedade ajuda-nos a ver o outro (…) como nosso próximo, companheiro de viagem» (Francisco, Mensagem para o LIV Dia Mundial da Paz, 1/I/2021, 6). É uma virtude que nos leva a praticar gestos concretos de cuidado e serviço, com particular atenção aos mais vulneráveis e necessitados. Penso naqueles que perderam familiares e entes queridos, casa e bens primários, por causa da violência, da perseguição e do terrorismo; mas penso também em todas as pessoas que lutam diariamente à procura de segurança e dos meios necessários para sobreviver, enquanto aumentam desemprego e pobreza. «O facto de nos sabermos responsáveis pela fragilidade dos outros» (Francisco, Carta enc. Fratelli tutti, 115) deveria inspirar todos os esforços para criar oportunidades concretas tanto no plano económico como no campo da educação, e também no cuidado da criação, a nossa casa comum. Depois duma crise, não basta reconstruir; é preciso fazê-lo bem, de modo que todos possam ter uma vida digna. Duma crise, não se sai igual ao que se era antes: sai-se ou melhor ou pior.

segunda-feira, 1 de março de 2021

Após protestos, Dória recua e reconhece religião como atividade essencial



O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), anunciou nesta segunda-feira, 1º, que as atividades religiosas foram incluídas na lista de serviços essenciais durante a pandemia do coronavírus. Assim como as outros serviços, os templos religiosos deverão respeitar as determinações da Vigilância Sanitária e os protocolos da Secretaria da Saúde. “Esperança, fé e oração”, disse o governador durante o anúncio. O decreto foi assinado por Doria nesta segunda e será publicado no Diário Oficial do Estado na terça-feira, 2. Durante a coletiva de imprensa, ele afirmou que o decreto irá virar uma Lei.

“Eu entendo que as igrejas, de qualquer religião, tem um papel essencial, sim, evidentemente obedecendo os cuidados necessários e as recomendações feitas pela Vigilância Sanitária. Entendo que a oração ajuda muito você a aumentar sua resiliência, sua resistência e esperança em relação ao futuro”, justificou Doria. A fase vermelha do Plano São Paulo, no entanto, já permitia a realização de cultos e missas, desde que respeitado os protocolos de distanciamento social, uso de máscaras e aferição da temperatura.

Palavra de Vida: “Mostrai-me, Senhor, os vossos caminhos, ensinai-me as vossas veredas” (Sl 25 [24], 4)


Este salmo apresenta-nos um homem que se sente cercado por perigos e ameaças. Ele precisa de encontrar o caminho certo, que o leve finalmente para fora de perigo. Mas quem o poderá ajudar?

Consciente da sua fragilidade, finalmente levanta o olhar e clama pelo Senhor, pelo Deus de Israel, que nunca abandonou o Seu povo, mas sempre o guiou no longo caminho da travessia do deserto até à Terra Prometida.

A experiência dessa caminhada faz renascer no viandante a esperança. É uma ocasião privilegiada para uma nova intimidade com Deus, para nos podermos abandonar confiadamente no Seu amor fiel, apesar da nossa infidelidade.

Na linguagem bíblica, caminhar com Deus é também uma lição de vida, é aprender a reconhecer o Seu desígnio de salvação.

“Mostrai-me, Senhor, os vossos caminhos, 
ensinai-me as vossas veredas”

Muitas vezes, depois de termos percorrido os caminhos da nossa suposta autossuficiência, encontramo-nos desorientados, confusos, mais conscientes dos nossos limites e das nossas faltas. Gostaríamos de encontrar de novo a bússola da vida e, com ela, o percurso até à meta.

Este Salmo ajuda-nos muito. Impele-nos a fazer uma experiência nova ou renovada de encontro pessoal com Deus, de confiança na Sua amizade.

Dá-nos coragem para sermos dóceis aos Seus ensinamentos, que nos convidam constantemente a sair de nós mesmos para O seguir pelo caminho do amor, caminho que Ele próprio percorreu, antes de nós, para vir ao nosso encontro.

Este Salmo pode ser uma oração, para nos acompanhar ao longo do dia e fazer de cada momento, alegre ou doloroso, uma etapa do nosso caminho.

1ª Pregação da Quaresma: "Convertei-vos e crede no Evangelho".


“CONVERTEI-VOS E CREDE NO EVANGELHO!”
Primeira Pregação, Quaresma de 2021
 

Como de costume, dedicamos esta primeira meditação a uma introdução geral ao tempo quaresmal, antes de entrar no tema específico no programa, uma vez concluído o retiro espiritual da Cúria. No Evangelho do primeiro domingo da Quaresma do ano B, ouvimos o anúncio programático com o qual Jesus inicia seu ministério público: “O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho!”(Mc 1,15). Vamos meditar sobre este apelo sempre presente de Cristo.

De conversão, fala-se em três momentos ou contextos diversos do Novo Testamento. Cada vez, vem à luz uma sua componente nova. Juntas, as três passagens nos dão uma ideia completa sobre o que é a metanóia evangélica. Não está dito que devemos experimentá-las todas as três juntas, com a intensidade. Há uma conversão para cada estação da vida. O importante é que cada um de nós descubra a que serve para si neste momento.

Convertei-vos, isto é, crede!

A primeira conversão é aquela que ressoa no início da pregação de Jesus e que está resumida nas palavras: “Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15). Procuremos entender o que significa aqui a palavra conversão. Antes de Jesus, converter-se significava sempre um “voltar atrás” (o termo hebraico, shub, significa inverter a rota, voltar nos próprios passos). Indicava o ato de quem, a um certo ponto da vida, percebe estar “fora do rumo”. Então se detém, reconsidera; decide voltar à observância da lei e de retornar à aliança com Deus. A conversão, neste caso, tem um significado fundamentalmente moral e sugere a ideia de algo penoso a se cumprir: mudar costumes, deixar de fazer isso ou aquilo...

Nos lábios de Jesus, este significado muda. Não porque ele se divirta em mudar os significados das palavras, mas porque, com sua vinda, mudaram as coisas. “Cumpriu-se o tempo, e está próximo o Reino de Deus!”. Converter-se não significa mais voltar atrás, à antiga aliança e à observância da lei, mas significa mais dar um salto adiante e entrar no Reino, agarrar a salvação que veio aos homens gratuitamente, por livre e soberana iniciativa de Deus.

“Arrependei-vos e crede” não significam duas coisas diversas e sucessivas, mas a mesma ação fundamental: convertei-vos, isto é, crede! «Prima conversio fit per fidem», escreveu S. Tomás de Aquino: a primeira conversão consiste em crer.[1] Tudo isso requer uma verdadeira “conversão”, uma mudança profunda no modo de conceber as nossas relações com Deus. Exige passar da ideia de um Deus que pede, que ordena, que ameaça, à ideia de um Deus que vem com as mãos cheias para se dar todo a nós. É a conversão da “lei” à “graça”, tão querida a São Paulo.

“Se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças...”

Escutemos agora a segunda passagem em que, no Evangelho, volta a se falar de conversão:

“Naquela hora, os discípulos aproximaram-se de Jesus e perguntaram: ‘Quem é o maior no Reino dos Céus?’ Jesus chamou uma criança, colocou-a no meio deles e disse: ‘Em verdade vos digo, se não vos converterdes e nãos vos tornardes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus’” (Mt 18,1-3).

Esta vez, sim, que converter-se significa voltar atrás, até mesmo a quando se era criança! O próprio verbo usado, strefo, indica inversão de marcha. Esta é a conversão de quem já entrou no Reino, acreditou no evangelho, já está há tempos no serviço de Cristo. É a nossa conversão!

O que supõe a discussão sobre quem é o maior? Que a preocupação maior não é mais o reino, mas o próprio lugar nele, o próprio eu. Cada um deles tinha algum título para aspirar a ser o maior: Pedro tinha recebido a promessa do primado; Judas, a caixa; Mateus podia dizer que tinha deixado mais do que os outros; André, que tinha sido o primeiro a segui-lo; Tiago e João, que estiveram com ele no Tabor... Os frutos desta situação são evidentes: rivalidades, suspeitas, confrontos, frustração.

Jesus, de imediato, tira o véu. Nem como primeiros, deste modo nem se entra no reino! O remédio? Converter-se, mudar completamente perspectiva e direção. A que Jesus propõe é uma verdadeira revolução copernicana. É preciso “descentralizar-se de si mesmo e recentralizar-se em Cristo”.

Jesus fala mais simplesmente de um tornar-se criança. Tornar-se criança, para os apóstolos, significava voltar a como eram no momento do chamado às margens do lago ou no posto de arrecadação: sem pretensões, sem títulos, sem confrontos entre si, sem invejas, sem rivalidades. Ricos apenas de uma promessa (“Farei de vós pescadores de homens”) e de uma presença, a de Jesus; a quando eram ainda companheiros de aventura, não concorrentes pelo primeiro lugar. Também para nós, tornar-se criança significa voltar ao momento em que descobrimos sermos chamados, ao momento da ordenação sacerdotal, da profissão religiosa, ou do primeiro verdadeiro encontro pessoal com Jesus. Quando dizíamos: “Só Deus basta!”, e acreditávamos.

“Não és frio, nem quente”

O terceiro contexto em que recorre, martelante, o convite à conversão, é dado pelas sete cartas às Igrejas do Apocalipse. As sete cartas são dirigidas a pessoas e comunidades que, como nós, vivem há tempos a vida cristã e, ainda mais, exercem nelas uma papel-guia. São endereçadas ao anjo das diversas Igrejas: “Ao anjo da igreja que está em Éfeso”. Não se explica este título senão em referência, direta ou indireta, ao pastor da comunidade. Não se pode pensar que o Espírito Santo atribua a anjos a responsabilidade das culpas e desvios que são denunciados nas diversas igrejas, muito menos que o convite à conversão seja dirigido a anjos ao invés de homens.

Das sete cartas do Apocalipse, a que deve nos fazer refletir mais do que as outras é a carta à Igreja de Laodiceia. Conhecemos seu tom severo: “Conheço as tuas obras. Não és frio, nem quente... porque és morno, nem frio nem quente, estou para vomitar-te de minha boca... Sê zeloso, pois, e arrepende-te” (Ap 3,15ss). Aqui, trata-se da conversão da mediocridade e da tibieza.

Na história da santidade cristã, o exemplo mais famoso da primeira conversão, a do pecado à graça, é Santo Agostinho; o exemplo mais instrutivo da segunda conversão, a da tibieza ao fervor, é Santa Teresa d’Ávila. O que ela diz de si em seu Livro da Vida é certamente exagerado e ditado pela delicadeza da sua consciência, mas, em todo caso, pode servir a todos nós para um útil exame de consciência.

“Comecei, pois, assim, de passatempo em passatempo, de vaidade em vaidade, de ocasião em ocasião, a pôr novamente em risco a minha alma [...]. As coisas de Deus me davam prazer, e eu não sabia desvencilhar-me daquelas do mundo. Queria conciliar estes dois inimigos entre si e tão contrários: a vida do espírito com os justos e os passatempos dos sentidos”.

O resultado deste estado era uma profunda infelicidade:

“Caía e me reerguia, e me reerguia tão mal que voltava a cair. Eu estava tão por baixo em relação à perfeição, que quase não me dava conta dos pecados veniais, e não temia os mortais como deveria, pois não fugia de seus perigos. Posso dizer que a minha vida era das mais penosas que se possam imaginar, pois eu não me deleitava nem com Deus, nem me sentia contente com o mondo. Quando estava nos passatempos mundanos, o pensamento daquilo que eu devia a Deus me fazia transcorrê-los com pena; e quando estava com Deus, vinham-se a distrair os afetos do mundo”[2].

Muitos poderiam descobrir nesta análise o real motivo da própria insatisfação e descontentamento.

Falamos, portanto, de conversão da tibieza. São Paulo exortava os cristãos de Roma com as palavras: “Não sejais lentos na solicitude, sede fervorosos no espírito” (Rm 12,11). Seria de se replicar: “Mas, caro Paulo, justamente aqui está o problema! Como passar da tibieza ao fervor, se alguém fatalmente aí caiu?” Nós podemos, pouco a pouco, escorregar na tibieza, como se cai na areia movediça, mas não podemos sair sozinhos, quase puxando-nos pelos cabelos.

Esta nossa objeção nasce do fato de que negligenciamos ou interpretamos mal o acréscimo “no espírito” (en pneumati), que o Apóstolo põe na exortação: “sede fervorosos”. Em Paulo, a palavra “Espírito” indica, ou inclui, quase sempre uma referência ao Espírito Santo. Jamais se trata exclusivamente do nosso espírito ou da nossa vontade, exceto em 1Ts 5,23, onde indica uma componente do homem, ao lado do corpo e da alma.

Somos herdeiros de uma espiritualidade que concebia o caminho de perfeição segundo as três etapas clássicas: via purgativa, via iluminativa e via unitiva. Em outras palavras, é preciso exercitar-se longamente na renúncia e na mortificação, antes de poder experimentar o fervor. Há uma grande sabedoria e uma experiência secular à base de tudo isso, e ai de se pensar que tudo esteja superado. Não, não está superado, mas não é a única via que segue a graça de Deus. Um esquema assim rígido denota uma lenta e progressiva mudança do acento da graça ao esforço do homem. Segundo o Novo Testamento, há uma circularidade e uma simultaneidade, por isso, se é verdade que a mortificação é necessária para chegar ao fervor do Espírito, é também verdade que o fervor do Espírito é necessário para chegar a praticar a mortificação. Uma ascese assumida sem um forte impulso inicial do Espírito seria um esforço morto, e não produziria nada senão “vaidade da carne”. O Espírito nos é dado para estarmos condições de nos mortificarmos, mais do que como prêmio por termos nos mortificado. “Se, pelo Espírito, matardes o procedimento carnal, então vivereis”, escreve o Apóstolo (Rom 8,13). Esta segunda via que vai do fervor à ascese e à prática das virtudes foi a via que Jesus fez percorrer os seus apóstolos. Escreve o grande teólogo bizantino Cabásilas:

“Os apóstolos e pais da nossa fé tiveram a vantagem de serem instruídos em toda doutrina e, ainda mais, do Salvador em pessoa. [...] Contudo, mesmo tendo conhecido tudo isso, enquanto não foram batizados [em Pentecostes, com o Espírito], não mostraram nada de novo, de nobre, de espiritual, de melhor do que o antigo. Mas quando veio para eles o batismo e o Paráclito irrompeu em suas almas, então se tornaram novos e abraçaram uma vida nova, foram guia para os demais e fizeram arder a chama do amor por Cristo em si nos outros. [...] Do mesmo modo, Deus conduz à perfeição todos os santos vindos depois deles”[3].

Os Padres da Igreja expressavam tudo isso com a sugestiva imagem da “sóbria embriaguez”. O que levou muitos deles a retomar este tema, já desenvolvido por Fílon de Alexandria[4], foram as palavras de Paulo aos Efésios:

“Não vos embriagueis com vinho, que leva ao descontrole, mas enchei-vos do Espírito: entoai juntos salmos, hinos e cânticos espirituais, cantai e salmodiai ao Senhor, de todo o coração” (Ef 5,18-19).

Ratzinger repete: "Não há dois Papas"



A renúncia ao pontificado, feita oito anos atrás, foi uma "escolha difícil", mas feita "em plena consciência", da qual ele não se arrependeu de forma alguma. Mais uma vez o  Papa emérito Bento XVI, embora em voz baixa, repete o que já disse várias vezes para desmentir os "amigos um tanto fanáticos" que continuam a ver "teorias conspiratórias" por trás da decisão de deixar a Cátedra de Pedro, retirando-se por razões de velhice. Isto foi reiterado por Joseph Ratzinger em uma entrevista ao jornal Corriere della Sera.

"Foi uma decisão difícil", explicou o Papa emérito, "mas tomei-a em plena consciência, e acredito que fiz muito bem". Alguns de meus amigos um tanto "fanáticos" ainda estão irritados, eles não quiseram aceitar minha escolha. Acreditam nas teorias de conspiração: alguns disseram que foi por causa do escândalo Vatileaks, outros por causa de um complô da lobby gay, outros ainda por causa do caso do teólogo conservador Lefebvrian Richard Williamson. Eles não querem acreditar em uma escolha feita conscientemente. Mas minha consciência está limpa".

Bispos brasileiros voltam a suspender Missas com fiéis devido a Covid-19



Frente ao aumento de registro de casos de Covid-19 no Brasil, bem como da média de mortes no país pela doença, alguns governos estaduais adotaram novas medidas restritivas a fim de evitar a propagação do vírus e, em razão disso, Arquidioceses e Dioceses decidiram suspender novamente as Missas com a presença de fiéis, orientando as transmissões on-line.

Não é a primeira vez que Dioceses e Arquidioceses brasileiras suspendem a celebração da Missa com fiéis devido à pandemia de Covid-19.

Em 2020, nos primeiros meses em que a doença foi detectada no país e frente ao crescimento dos casos, muitas circunscrições eclesiásticas tomaram esta decisão. Até as celebrações da Semana Santa e Páscoa aconteceram sem a presença dos fiéis no Brasil e em vários países, incluindo o Vaticano.

Em carta enviada às Conferências Episcopais de todo o mundo, com aprovação do Papa Francisco, em setembro de 2020, o então prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Liturgia dos Sacramentos, Cardeal Robert Sarah (cuja renúncia foi aceita pelo Santo Padre no último dia 20 de fevereiro), assinalou que a Missa “virtual” não substitui participação pessoal na Celebração Eucarística.

“Embora os meios de comunicação desenvolvam um apreciado serviço aos doentes e àqueles impossibilitados de ir à igreja, e tenham prestado um grande serviço na transmissão da Santa Missa num momento em que não havia possibilidade de celebrar comunitariamente, nenhuma transmissão é equiparável à participação pessoal ou pode substituí-la”, disse o cardeal.  Essas transmissões “por si só, correm o risco de nos afastar de um encontro pessoal e íntimo com o Deus encarnado que se entregou a nós não de forma virtual, mas sim, dizendo: ‘Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele’ (Jo 6,56)”.

Dessa forma, encorajou a, “uma vez identificadas e adotadas as medidas concretamente praticáveis ​​para reduzir ao mínimo o contágio do vírus, é necessário que todos retomem seu lugar na assembleia dos irmãos”. Dioceses em todo o mundo adotaram protocolos de segurança a fim de evitar o contágio por coronavírus, os quais englobam o uso obrigatório de máscaras e álcool em gel, o distanciamento social e a higienização dos templos.

A nova suspensão de missas com a presença de fieis foi adotada pela Província Eclesiástica de Natal (RN), formada pela Arquidiocese de Natal e pelas Dioceses de Mossoró e Caicó. Em nota de 27 de fevereiro, seus respectivos Bispos – Dom Jaime Vieira Rocha, Dom Mariano Manzana e Dom Antônio Carlos Cruz Santos – informaram que as celebrações de “missas e outras congêneres” com a presença de fiéis ficam suspensas “de 1º a 10 de março”.

Os bispos dizem que foram contatados previamente pelo governo do Rio Grande do Norte, no dia 26 de fevereiro, e, “compreendendo a gravidade do momento; em espírito de recíproca cooperação e corresponsabilidade; e tendo em conta a vida como bem maior a ser preservado, achamos por bem acatar o disposto no decreto estadual nº 30.383, de 26 de fevereiro de 2021”.

Cidade destruída pelo Estado Islâmico espera visita do Papa Francisco



O sacerdote da Diocese Católica Síria de Mosul (Iraque), Pe. George Fahola, afirmou que os cristãos de Baghdeda (Qaraqosh), cidade destruída pelo Estado Islâmico, aguardam com alegria a visita do Papa Francisco.

De 5 a 8 de março, o Santo Padre viajará ao Iraque, o programa da visita inclui uma visita a Qaraqosh no domingo, 7 de março, para se encontrar com a comunidade local, pronunciar um discurso e presidir a oração do Angelus.

Em um vídeo da fundação pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre (ACN), Pe. Fahola garantiu que a visita do Papa Francisco terá um grande impacto nos cristãos e no povo iraquiano.

“Para os cristãos, porque este povo está enraizado nesta terra que dá testemunho do Evangelho”, disse.

O sacerdote assinalou que os cristãos esperam com grande alegria o Santo Padre e lembrou que a cidade de Qaraqosh foi destruída pelo grupo terrorista Estado Islâmico (ISIS)

Em agosto de 2014, após tomar Mosul, o ISIS invadiu Qaraqosh, destruindo casas, igrejas, a biblioteca e outros pontos importantes da cidade. Dezenas de milhares de famílias tiveram que fugir de suas casas apressadamente e ir para Erbil, capital do Curdistão iraquiano.