domingo, 7 de março de 2021

A despedida de Francisco: o Iraque ficará sempre comigo, no meu coração


Nestes dias de viagem apostólica no Iraque, disse o Papa Francisco ao final da celebração eucarística no Estádio Franso Hariri, em Erbil, “ouvi vozes de sofrimento e angústia, mas ouvi também vozes de esperança e consolação”. Isso se deve, em grande parte, acrescentou o Pontífice, “àquela incansável obra de bem-fazer” realizada pelas instituições religiosas de várias confissões, Igrejas locais e organizações caritativas que assistem o povo “na obra de reconstrução e renascimento social”. E com a proximidade do final da visita histórica ao país, o Papa se despediu, afirmando:

“O Iraque ficará sempre comigo, no meu coração. Peço a todos vocês, queridos irmãos e irmãs, que trabalhem juntos e unidos por um futuro de paz e prosperidade que não deixe ninguém para trás, nem discrimine ninguém. Asseguro a vocês as minhas orações por este amado país. De modo particular, rezo para que os membros das várias comunidades religiosas, juntamente com todos os homens e mulheres boa vontade, cooperem para forjar laços de fraternidade e solidariedade ao serviço do bem comum e da paz. Salam, salam, salam! Shukrán [obrigado]! Deus vos abençoe a todos! Deus abençoe o Iraque! Allah ma’akum [fiquem com Deus]!”

Papa em Missa no Iraque: só Jesus pode purificar-nos das obras do mal


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO
 AO IRAQUE
[5-8 DE MARÇO DE 2021]

SANTA MISSA
HOMILIA DO SANTO PADRE
Estádio Franso Hariri em Erbil
Domingo, 7 de março de 2021

São Paulo lembrou-nos que «Cristo é poder e sabedoria de Deus» (1 Cor 1, 24). Jesus revelou este poder e esta sabedoria sobretudo através da misericórdia e do perdão. Não o quis fazer com demonstrações de força ou impondo do alto a sua voz, nem com longos discursos ou exibições de ciência incomparável. Fê-lo dando a sua vida na cruz. Revelou a sua sabedoria e poder divino mostrando-nos, até ao fim, a fidelidade do amor do Pai; a fidelidade do Deus da Aliança, que fez sair o seu povo da escravidão e guiou-o pelo caminho da liberdade (cf. Ex 20, 1-2).

Como é fácil cair na armadilha de pensar que temos de demonstrar aos outros que somos fortes, que somos sábios; na armadilha de construirmos imagens falsas de Deus, que nos deem segurança (cf. Ex 20, 4-5)! Na realidade, é o contrário. Todos nós precisamos do poder e da sabedoria de Deus revelada por Jesus na cruz. No Calvário, ofereceu ao Pai as feridas pelas quais fomos curados (cf. 1 Ped 2, 24). Aqui, no Iraque, quantos dos vossos irmãos e irmãs, amigos e concidadãos carregam as feridas da guerra e da violência, feridas visíveis e invisíveis! A tentação é responder a estes e outros factos dolorosos com uma força humana, com uma sabedoria humana. Jesus, ao contrário, mostra-nos o caminho de Deus, aquele que Ele mesmo percorreu e por onde nos chama a segui-Lo.

No Evangelho que acabamos de escutar (Jo 2, 13-25), vemos como Jesus expulsou do Templo de Jerusalém os cambistas e todos os que compravam e vendiam. Porque é que Jesus realizou este ato tão forte, tão provocador? Fê-lo porque o Pai O enviou para purificar o templo: não só aquele de pedra, mas sobretudo o do nosso coração. Como Jesus não tolerou que a casa de seu Pai se tornasse um mercado (cf. Jo 2, 16), assim deseja que o nosso coração não seja um lugar de turbulência, desordem e confusão. O coração deve ser limpo, posto em ordem, purificado. De quê? Das falsidades que o sujam, das simulações da hipocrisia. Todos nós as temos. São doenças que fazem mal ao coração, que mancham a vida, tornam-na hipócrita. Precisamos de ser purificados das nossas seguranças falaciosas, que trocam a fé em Deus pelas coisas que passam, pelas conveniências do momento. Precisamos que sejam varridas do nosso coração e da Igreja as nefastas sugestões do poder e do dinheiro. Para limpar o coração, precisamos de sujar as mãos: sentirmo-nos responsáveis e não ficarmos parados enquanto sofrem o irmão e a irmã. Mas como purificar o coração? Sozinhos, não somos capazes; temos necessidade de Jesus. Ele tem o poder de vencer os nossos males, curar as nossas doenças, restaurar o templo do nosso coração.

Para confirmação disto mesmo e como sinal da sua autoridade, disse: «Destruí este templo, e em três dias Eu o levantarei» (2, 19). Jesus Cristo, e só Ele, pode purificar-nos das obras do mal, Ele que morreu e ressuscitou, Ele que é o Senhor! Queridos irmãos e irmãs, Deus não nos deixa morrer no nosso pecado. Mesmo quando Lhe voltamos as costas, nunca nos abandona a nós próprios. Procura-nos, vai atrás de nós para nos chamar ao arrependimento e purificar. «Por minha vida – diz o Senhor pela boca de Ezequiel –, não tenho prazer na morte do ímpio, mas sim na sua conversão a fim de que tenha a vida» (33, 11). O Senhor quer que sejamos salvos e nos tornemos templo vivo do seu amor, na fraternidade, no serviço e na misericórdia.

Jesus não só nos purifica dos nossos pecados, mas torna-nos também participantes do seu próprio poder e sabedoria. Liberta-nos de um modo de entender a fé, a família, a comunidade que divide, contrapõe e exclui, para podermos construir uma Igreja e uma sociedade abertas a todos e solícitas pelos nossos irmãos e irmãs mais necessitados. E ao mesmo tempo revigora-nos para sabermos resistir à tentação de procurar vingança, que nos mergulha numa espiral de retaliações sem fim. Com a força do Espírito Santo, envia-nos, não para fazer proselitismo, mas como seus discípulos missionários, homens e mulheres chamados a testemunhar que o Evangelho tem o poder de mudar a vida. O Ressuscitado torna-nos instrumentos da paz de Deus e da sua misericórdia, artífices pacientes e corajosos duma nova ordem social. Assim, pela força de Cristo e do seu Espírito, acontece o que o apóstolo Paulo profetiza aos Coríntios: «O que é tido como loucura de Deus, é mais sábio que os homens e, o que é tido como fraqueza de Deus, é mais forte que os homens» (1 Cor 1, 25). Comunidades cristãs formadas por pessoas humildes e simples tornam-se sinal do Reino que vem, Reino de amor, justiça e paz.

«Destruí este templo, e em três dias Eu o levantarei» (Jo 2, 19). Falava do templo do seu corpo e, por conseguinte, também da sua Igreja. O Senhor promete que pode, com o poder da sua Ressurreição, fazer-nos ressurgir a nós e às nossas comunidades das ruínas causadas pela injustiça, a divisão e o ódio. É a promessa que celebramos nesta Eucaristia. Com os olhos da fé, reconhecemos a presença do Senhor crucificado e ressuscitado no meio de nós, aprendemos a acolher a sua sabedoria libertadora, a repousar nas suas chagas e a encontrar cura e força para servir o seu Reino que vem ao nosso mundo. Pelas suas feridas, fomos curados (cf. 1 Ped 2, 24); nas suas chagas, amados irmãos e irmãs, encontramos o bálsamo do seu amor misericordioso; porque Ele, Bom Samaritano da humanidade, deseja ungir cada ferida, curar cada recordação dolorosa e inspirar um futuro de paz e fraternidade nesta terra.

A Igreja no Iraque, com a graça de Deus, fez e continua a fazer muito para proclamar esta sabedoria maravilhosa da cruz, espalhando a misericórdia e o perdão de Cristo especialmente junto dos mais necessitados. Mesmo no meio de grande pobreza e tantas dificuldades, muitos de vós oferecestes generosamente ajuda concreta e solidariedade aos pobres e atribulados. Este é um dos motivos que me impeliu a vir em peregrinação até junto de vós, ou seja, para vos agradecer e confirmar na fé e no testemunho. Hoje, posso ver e tocar com a mão que a Igreja no Iraque está viva, que Cristo vive e age neste seu povo santo e fiel.

Amados irmãos e irmãs, confio cada um de vós, as vossas famílias e as vossas comunidades à proteção materna da Virgem Maria, que foi associada à paixão e à morte do seu Filho e participou na alegria da sua ressurreição. Interceda por nós e nos conduza até Ele, poder e sabedoria de Deus.

"A última palavra pertence a Deus e ao seu Filho, vencedor do pecado e da morte", diz Papa no Ângelus


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO
AO IRAQUE
[5-8 DE MARÇO DE 2021]

ANGELUS
Igreja da "Imaculada Conceição" em Qaraqosh
Domingo, 7 de março de 2021


Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

Sinto-me agradecido ao Senhor pela oportunidade de vos encontrar esta manhã. Estava ansioso por este momento. Agradeço a Sua Beatitude Patriarca Ignace Youssif Younan as suas palavras de saudação, bem como à Senhora Doha Sabah Abdallah e ao Padre Ammar Yako os seus testemunhos. Contemplando-vos, vejo a diversidade cultural e religiosa do povo de Qaraqosh, e isto mostra algo da beleza que a vossa região tem para oferecer ao futuro. A vossa presença aqui lembra que a beleza não é monocromática, mas resplandece pela variedade e as diferenças.

Simultaneamente, com grande tristeza, olhamos ao nosso redor e vemos outros sinais: os sinais do poder destruidor da violência, do ódio e da guerra. Quantas coisas foram destruídas! E quanto deve ser reconstruído! Este nosso encontro demonstra que o terrorismo e a morte nunca têm a última palavra. A última palavra pertence a Deus e ao seu Filho, vencedor do pecado e da morte. Mesmo no meio das devastações do terrorismo e da guerra podemos, com os olhos da fé, ver o triunfo da vida sobre a morte. Tendes diante de vós o exemplo dos vossos pais e mães na fé, que adoraram e louvaram a Deus neste lugar. Perseveraram com firme esperança no seu caminho terreno, confiando em Deus que nunca decepciona e sempre nos sustenta com a sua graça. A grande herança espiritual que nos deixaram continua a viver em vós. Abraçai esta herança! Esta herança é a vossa força. Agora é o momento de reconstruir e recomeçar, confiando-se à graça de Deus, que guia o destino de cada homem e de todos os povos. Não estais sozinhos. Solidária convosco está a Igreja inteira, com a oração e a caridade concreta. E, nesta região, muitos vos abriram as portas nos momentos de necessidade.

Queridos amigos, este é o momento de restaurar não só os edifícios, mas também e em primeiro lugar os laços que unem comunidades e famílias, jovens e idosos. Diz o profeta Joel: «Os vossos filhos e as vossas filhas profetizarão, os vossos anciãos terão sonhos e os vossos jovens terão visões» (cf. Jl 3, 1). Quando os idosos e os jovens se encontram, que acontece? Os idosos sonham; sonham um futuro para os jovens. E os jovens podem recolher estes sonhos e profetizar, realizá-los. Quando os idosos e os jovens se unem, preservamos e transmitimos os dons que Deus nos oferece. Olhamos para os nossos filhos, sabendo que herdarão não apenas uma terra, uma cultura e uma tradição, mas também os frutos vivos da fé, que são as bênçãos de Deus sobre esta terra. Animo-vos a não esquecer quem sois e donde vindes; a preservar os laços que vos mantêm unidos, a guardar as vossas raízes.

Com certeza há momentos em que a fé pode vacilar, quando parece que Deus não vê nem intervém. Sentistes a verdade disto nos dias mais negros da guerra, e é verdade também nestes dias de crise sanitária mundial e de grande insegurança. Nestes momentos, lembrai-vos que Jesus está ao vosso lado. Não deixeis de sonhar. Não desistais, não percais a esperança. Do Céu, os Santos velam sobre vós: invoquemo-los e não nos cansemos de pedir a sua intercessão. E há também «os santos ao pé da porta (…), que vivem perto de nós e são um reflexo da presença de Deus» (Francisco, Exort. ap. Gaudete et exsultate, 7). Esta terra tem muitos: é uma terra de muitos homens e mulheres santos. Deixai que vos acompanhem para um futuro melhor, um futuro de esperança.

Papa aos sobreviventes do terrorismo: perdoar e ter coragem para lutar


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO
 AO IRAQUE
[5-8 DE MARÇO DE 2021]

VISITA À COMUNIDADE DE QARAQOSH
DISCURSO DO SANTO PADRE
Igreja da Imaculada Conceição em Qaraqosh
Domingo, 7 de março de 2021


Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

Sinto-me agradecido ao Senhor pela oportunidade de vos encontrar esta manhã. Estava ansioso por este momento. Agradeço a Sua Beatitude Patriarca Ignace Youssif Younan as suas palavras de saudação, bem como à Senhora Doha Sabah Abdallah e ao Padre Ammar Yako os seus testemunhos. Contemplando-vos, vejo a diversidade cultural e religiosa do povo de Qaraqosh, e isto mostra algo da beleza que a vossa região tem para oferecer ao futuro. A vossa presença aqui lembra que a beleza não é monocromática, mas resplandece pela variedade e as diferenças.

Simultaneamente, com grande tristeza, olhamos ao nosso redor e vemos outros sinais: os sinais do poder destruidor da violência, do ódio e da guerra. Quantas coisas foram destruídas! E quanto deve ser reconstruído! Este nosso encontro demonstra que o terrorismo e a morte nunca têm a última palavra. A última palavra pertence a Deus e ao seu Filho, vencedor do pecado e da morte. Mesmo no meio das devastações do terrorismo e da guerra podemos, com os olhos da fé, ver o triunfo da vida sobre a morte. Tendes diante de vós o exemplo dos vossos pais e mães na fé, que adoraram e louvaram a Deus neste lugar. Perseveraram com firme esperança no seu caminho terreno, confiando em Deus que nunca dececiona e sempre nos sustenta com a sua graça. A grande herança espiritual que nos deixaram continua a viver em vós. Abraçai esta herança! Esta herança é a vossa força. Agora é o momento de reconstruir e recomeçar, confiando-se à graça de Deus, que guia o destino de cada homem e de todos os povos. Não estais sozinhos. Solidária convosco está a Igreja inteira, com a oração e a caridade concreta. E, nesta região, muitos vos abriram as portas nos momentos de necessidade.

Queridos amigos, este é o momento de restaurar não só os edifícios, mas também e em primeiro lugar os laços que unem comunidades e famílias, jovens e idosos. Diz o profeta Joel: «Os vossos filhos e as vossas filhas profetizarão, os vossos anciãos terão sonhos e os vossos jovens terão visões» (cf. Jl 3, 1). Quando os idosos e os jovens se encontram, que acontece? Os idosos sonham; sonham um futuro para os jovens. E os jovens podem recolher estes sonhos e profetizar, realizá-los. Quando os idosos e os jovens se unem, preservamos e transmitimos os dons que Deus nos oferece. Olhamos para os nossos filhos, sabendo que herdarão não apenas uma terra, uma cultura e uma tradição, mas também os frutos vivos da fé, que são as bênçãos de Deus sobre esta terra. Animo-vos a não esquecer quem sois e donde vindes; a preservar os laços que vos mantêm unidos, a guardar as vossas raízes.

Oração do Papa em Mosul: “A paz é mais forte que a guerra"


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO
AO IRAQUE
[5-8 DE MARÇO DE 2021]

ORAÇÃO DE SUFRÁGIO PELAS VÍTIMAS DA GUERRA
Hosh al-Bieaa, Mosul
Domingo, 7 de março de 2021

SAUDAÇÃO ANTES DA ORAÇÃO

Queridos irmãos e irmãs,
Caros amigos!

Agradeço ao Arcebispo D. Najeeb Michaeel as suas palavras de boas-vindas e estou particularmente grato ao Padre Raid Kallo e ao senhor Gutayba Aagha pelos seus comoventes testemunhos.

Muito obrigado, Padre Raid, por nos ter falado do deslocamento forçado de muitas famílias cristãs das suas casas. A trágica redução dos discípulos de Cristo, aqui e em todo o Médio Oriente, é um dano incalculável não só para as pessoas e comunidades envolvidas, mas também para a própria sociedade que eles deixaram para trás. Com efeito, um tecido cultural e religioso assim rico de diversidade é enfraquecido pela perda de qualquer um dos seus membros, por menor que seja, como, num dos vossos artísticos tapetes, um pequeno fio rebentado pode danificar o conjunto. Padre, falou da experiência fraterna que vive com os muçulmanos, depois de ter regressado a Mossul. Aqui encontrou acolhimento, respeito, colaboração. Obrigado, Padre, por ter compartilhado estes sinais que o Espírito faz florir no deserto e ter mostrado que é possível esperar na reconciliação e numa vida nova.

Senhor Aagha, lembrou-nos que faz parte da verdadeira identidade desta cidade a convivência harmoniosa entre pessoas de diferentes origens e culturas. Por isso, muito me alegro com o seu convite à comunidade cristã para voltar a Mossul e assumir o papel vital que lhe cabe no processo de regeneração e renovamento.

Hoje, todos erguemos as nossas vozes em oração a Deus Todo-Poderoso por todas as vítimas da guerra e dos conflitos armados. Aqui em Mossul, saltam à vista as trágicas consequências da guerra e das hostilidades. Como é cruel que este país, berço de civilizações, tenha sido atingido por uma tormenta tão desumana, com antigos lugares de culto destruídos e milhares e milhares de pessoas (muçulmanas, cristãs, yazidis – que foram aniquiladas cruelmente pelo terrorismo – e outras) deslocadas à força ou mortas!

Hoje, apesar de tudo, reafirmamos a nossa convicção de que a fraternidade é mais forte que o fratricídio, que a esperança é mais forte que a morte, que a paz é mais forte que a guerra. Esta convicção fala com uma voz mais eloquente do que a do ódio e da violência; e jamais poderá ser sufocada no sangue derramado por aqueles que pervertem o nome de Deus ao percorrer caminhos de destruição.
 
PALAVRAS INTRODUTÓRIAS DO SANTO PADRE

Antes de rezar por todas as vítimas da guerra nesta cidade de Mossul, no Iraque e em todo o Médio Oriente, gostaria de partilhar convosco estes pensamentos:

Se Deus é o Deus da vida – e é-o –, a nós não é lícito matar os irmãos no seu nome.
Se Deus é o Deus da paz – e é-o –, a nós não é lícito fazer a guerra no seu nome.
Se Deus é o Deus do amor – e é-o –, a nós não é lícito odiar os irmãos.

Agora rezemos juntos por todas as vítimas da guerra, para que Deus Omnipotente lhes conceda vida eterna e paz sem fim, acolhendo-as no seu abraço amoroso. E rezemos também por todos nós para podermos, independentemente das respetivas filiações religiosas, viver em harmonia e paz, conscientes de que, aos olhos de Deus, todos somos irmãos e irmãs.

Iraque: Papa Francisco preside sua primeira Missa em Bagdá


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO
 AO IRAQUE
[5-8 DE MARÇO DE 2021]

SANTA MISSA
HOMILIA DO SANTO PADRE

Catedral Caldeia de São José em Bagdá
Sábado, 6 de março de 2021

Hoje a Palavra de Deus fala-nos de sabedoria, testemunho e promessas.

A sabedoria foi cultivada nestas terras desde tempos muito antigos. Desde sempre, a sua busca tem fascinado o homem; mas, frequentemente, quem possui mais recursos pode adquirir mais conhecimentos e ter mais oportunidades, ao passo que quantos têm menos são excluídos. É uma desigualdade inaceitável, atualmente em aumento. Entretanto o livro da Sabedoria surpreende-nos, ao inverter a perspectiva. Nele se diz que «o pequeno encontrará misericórdia, mas os poderosos serão examinados com rigor» (Sab 6, 6). Para o mundo, quem tem menos é descartado e quem tem mais é privilegiado; para Deus, não: quem tem mais poder é sujeito a um exame rigoroso, enquanto os últimos são os privilegiados de Deus.

Jesus, a Sabedoria em pessoa, completa esta inversão no Evangelho: não num momento qualquer, mas no início do primeiro discurso, com as Bem-aventuranças. A inversão é total: os pobres, os que choram, os perseguidos são declarados bem-aventurados. Como é possível? Bem-aventurados, para o mundo, são os ricos, os poderosos, os famosos! Vale quem tem, quem pode, quem conta! Para Deus, não: não é maior quem tem, mas quem é pobre em espírito; não quem pode tudo sobre os outros, mas quem é manso com todos; não quem é aclamado pelas multidões, mas quem é misericordioso com o irmão. Chegados aqui, pode-nos vir a dúvida: Se vivo como Jesus pede, que ganho com isso? Não corro o risco de ser espezinhado pelos outros? A proposta de Jesus será conveniente? Ou é perdedora? Não é perdedora, mas sapiente.

A proposta de Jesus é sapiente, porque o amor, que é o coração das Bem-aventuranças, embora pareça frágil aos olhos do mundo, na realidade vence. Na cruz, provou ser mais forte do que o pecado; no sepulcro, derrotou a morte. Foi este mesmo amor que tornou os mártires vitoriosos na provação… E houve tantos no último século! Mais do que nos anteriores. O amor é a nossa força, a força de tantos irmãos e irmãs que também aqui foram vítimas de preconceitos e ofensas, sofreram maus tratos e perseguições pelo nome de Jesus. Mas, enquanto o poder, a glória e a vaidade do mundo passam, o amor permanece, como nos disse o apóstolo Paulo: «o amor jamais passará» (1 Cor 13, 8). Assim, viver as Bem-aventuranças é tornar eterno aquilo que passa, é trazer o Céu à terra.

Mas como se vivem as Bem-aventuranças? Não exigem que se façam coisas extraordinárias, empreendimentos acima das nossas capacidades. Exigem o testemunho diário. Bem-aventurado é quem vive com mansidão, quem pratica a misericórdia no lugar onde se encontra, quem mantém o coração puro lá onde vive. Para se tornar bem-aventurado, não é preciso ser herói de vez em quando, mas testemunha todos os dias. O testemunho é o caminho para encarnar a sabedoria de Jesus. É assim que se muda o mundo: não com o poder nem com a força, mas com as Bem-aventuranças. Pois foi assim que fez Jesus, vivendo até ao fim aquilo que dissera ao início. Tudo se resume em testemunhar o amor de Jesus, aquela caridade que São Paulo descreve de forma estupenda na segunda Leitura de hoje. Vejamos como a apresenta.

Papa em encontro inter-religioso: extremismo e violência traem a religião


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO
 AO IRAQUE
[5-8 DE MARÇO DE 2021]

ENCONTRO INTER-RELIGIOSO
Planície de Ur
Sábado, 6 de março de 2021
 

DISCURSO DO SANTO PADRE

Queridos irmãos e irmãs!

Este lugar abençoado faz-nos pensar nas origens, nos primórdios da obra de Deus, no nascimento das nossas religiões. Aqui, onde viveu o nosso pai Abraão, temos a impressão de regressar a casa. Aqui ele ouviu a chamada de Deus, daqui partiu para uma viagem que mudaria a história. Somos o fruto daquela chamada e daquela viagem. Deus pediu a Abraão que levantasse os olhos para o céu e contasse as estrelas (cf. Gn 15, 5). Naquelas estrelas, viu a promessa da sua descendência, viu-nos a nós. E hoje nós, judeus, cristãos e muçulmanos, juntamente com os irmãos e irmãs doutras religiões, honramos o pai Abraão fazendo como ele: olhamos para o céu e caminhamos sobre a terra.

1. Olhamos para o céu. Ao contemplarmos o mesmo céu alguns milénios depois, aparecem as mesmas estrelas. Iluminam as noites mais escuras, porque brilham juntas. O céu oferece-nos assim uma mensagem de unidade: sobre nós, o Altíssimo convida a não nos separarmos jamais do irmão que está ao nosso lado. O Além de Deus envia-nos mais além de nós, ao outro, ao irmão. Mas, se quisermos salvaguardar a fraternidade, não podemos perder de vista o Céu. Nós, descendência de Abraão e representantes de várias religiões, sentimos que a nossa função primeira é esta: ajudar os nossos irmãos e irmãs a elevarem o olhar e a oração para o Céu. E disto todos precisamos, porque não nos bastamos a nós próprios. O homem não é omnipotente; sozinho, não é capaz. E se escorraça Deus, acaba por adorar as coisas terrenas. Mas os bens do mundo, que fazem muitos esquecer-se de Deus e dos outros, não são o motivo da nossa viagem sobre a terra. Erguemos os olhos ao Céu para nos elevarmos das torpezas da vaidade; servimos a Deus, para sair da escravidão do próprio eu, porque Deus nos impele a amar. Esta é a verdadeira religiosidade: adorar a Deus e amar o próximo. No mundo atual, que muitas vezes se esquece do Altíssimo ou oferece uma imagem distorcida d’Ele, os crentes são chamados a testemunhar a sua bondade, mostrar a sua paternidade através da nossa fraternidade.

A partir deste lugar fontal da fé, da terra do nosso pai Abraão, afirmamos que Deus é misericordioso e que a ofensa mais blasfema é profanar o seu nome odiando o irmão. Hostilidade, extremismo e violência não nascem dum ânimo religioso: são traições da religião. E nós, crentes, não podemos ficar calados, quando o terrorismo abusa da religião. Antes, cabe a nós dissipar com clareza os mal-entendidos. Não permitamos que a luz do Céu seja ocultada pelas nuvens do ódio! Sobre este país, acumularam-se as nuvens negras do terrorismo, da guerra e da violência. Com isso, sofreram todas as comunidades étnicas e religiosas; de modo particular quero recordar a comunidade yazidi, que chorou a morte de muitos homens e viu milhares de mulheres, donzelas e crianças raptadas, vendidas como escravas e sujeitas a violências físicas e conversões forçadas. Hoje rezamos por todas as vítimas de tais sofrimentos, por quantos ainda estão dispersos e sequestrados para que regressem brevemente às suas casas. E rezamos para que em toda a parte se respeitem e reconheçam a liberdade de consciência e a liberdade religiosa: são direitos fundamentais, porque tornam o homem livre para contemplar o Céu para o qual foi criado.

O terrorismo, quando invadiu o norte deste amado país, destruiu barbaramente parte do seu maravilhoso património religioso, incluindo igrejas, mosteiros e lugares de culto de várias comunidades. Mas, mesmo naquele momento escuro, brilharam estrelas. Penso nos jovens voluntários muçulmanos de Mossul, que ajudaram a refazer igrejas e mosteiros, construindo amizades fraternas sobre as ruínas do ódio, e penso nos cristãos e muçulmanos que hoje restauram conjuntamente mesquitas e igrejas. O professor Ali Thajeel referiu-nos também o regresso dos peregrinos a esta cidade. É importante peregrinar rumo aos lugares sagrados: é o sinal mais belo da saudade do Céu na terra. Por isso, amar e preservar os lugares sagrados é uma necessidade existencial em memória do nosso pai Abraão, que em vários lugares ergueu para o céu altares ao Senhor (cf. Gn 12, 7.8; 13, 18; 22, 9). Que o grande patriarca nos ajude a tornar oásis de paz e de encontro para todos os lugares sagrados de cada um. Pela sua fidelidade a Deus, tornou-se uma bênção para todos os povos (cf. Gn 12, 3); a nossa estada hoje aqui, seguindo os seus passos, seja sinal de bênção e esperança para o Iraque, o Médio Oriente e o mundo inteiro. O Céu não se cansou da terra: Deus ama cada povo, cada uma das suas filhas e cada um dos seus filhos! Nunca nos cansemos de olhar para o céu, de olhar para estas estrelas, as mesmas que outrora viu o nosso pai Abraão.

2. Caminhamos sobre a terra. Os seus olhos erguidos para o céu não desviaram, antes encorajaram Abraão a caminhar sobre a terra, a empreender uma viagem que, através da sua descendência, tocaria todos os séculos e latitudes. Mas tudo começou a partir daqui, do Senhor que o «mandou sair de Ur» (Gn 15, 7). Por conseguinte, o seu foi um caminho em saída, que implicou sacrifícios: teve de deixar terra, casa e parentes. Mas, renunciando à sua família, tornou-se pai duma família de povos. Algo de semelhante acontece também connosco: no caminho, somos chamados a deixar aqueles vínculos e apegos que, fechando-nos no nosso grupo, impedem-nos de acolher o amor ilimitado de Deus e ver os outros como irmãos. É verdade! Precisamos de sair de nós mesmos, porque temos necessidade uns dos outros. A pandemia fez-nos compreender que «ninguém se salva sozinho» (Francisco, Carta enc. Fratelli tutti, 54); mas volta sempre a tentação de nos distanciarmos dos outros. Todavia «o principio “salve-se quem puder” traduzir-se-á rapidamente no lema “todos contra todos”, e isso será pior que uma pandemia» (Ibid., 36). Nas tormentas que estamos a atravessar, não nos salvará o isolamento, não nos salvarão a corrida armamentista e a construção de muros, que aliás nos tornarão cada vez mais distantes e irados. Não nos salvará a idolatria do dinheiro, que nos fecha em nós mesmos e provoca abismos de desigualdade onde se afunda a humanidade. Não nos salvará o consumismo, que anestesia a mente e paralisa o coração.

O caminho que o Céu aponta para o nosso percurso é outro: é o caminho da paz. E este requer, sobretudo na tormenta, que rememos juntos na mesma direção. É indigno que, enquanto todos somos provados pela crise pandémica, e especialmente aqui onde os conflitos causaram tanta miséria, alguém pense avidamente nos seus negócios. Não haverá paz sem partilha e acolhimento, sem uma justiça que assegure equidade e promoção para todos, a começar pelos mais frágeis. Não haverá paz sem povos que estendam a mão a outros povos. Não haverá paz enquanto se olhar os outros como um «eles», e não como um «nós». Não haverá paz enquanto as alianças forem contra alguém, porque as alianças de uns contra os outros só aumentam as divisões. A paz não exige vencedores nem vencidos, mas irmãos e irmãs que, não obstante as incompreensões e as feridas do passado, passem do conflito à unidade. Na oração, peçamos isto para todo o Médio Oriente; penso em particular na vizinha e atormentada Síria.

O patriarca Abraão, que hoje nos reúne em unidade, foi profeta do Altíssimo. Uma antiga profecia diz que os povos «transformarão as suas espadas em relhas de arados, e as suas lanças, em foices» (Is 2, 4). Esta profecia não se realizou; antes, espadas e lanças tornaram-se mísseis e bombas. Então donde pode começar o caminho da paz? Da renúncia a ter inimigos. Quem tem a coragem de olhar as estrelas, quem acredita em Deus, não tem inimigos para combater. Tem apenas um inimigo a enfrentar, que está à porta do coração e insiste para entrar: é a inimizade. Enquanto alguns procuram mais ter inimigos do que ser amigos, enquanto muitos buscam o próprio benefício à custa de outros, quem olha as estrelas da promessa, quem segue os caminhos de Deus não pode ser contra ninguém, mas por todos; não pode justificar qualquer forma de imposição, opressão e prevaricação, não se pode comportar de modo agressivo.

Queridos amigos, será possível tudo isto? Encoraja-nos o pai Abraão, que teve esperança para além do que se podia esperar (cf. Rm 4, 18). Na história, muitas vezes corremos atrás de metas demasiado terrenas e caminhamos cada um por conta própria, mas, com a ajuda de Deus, podemos mudar para melhor. Cabe a nós, a humanidade de hoje e principalmente os crentes das diferentes religiões, transformar os instrumentos do ódio em instrumentos de paz. Cabe a nós instar fortemente os responsáveis das nações para que a proliferação crescente de armas ceda o lugar à distribuição de alimentos para todos. Cabe a nós fazer calar as mútuas acusações para dar voz ao grito dos oprimidos e descartados no planeta: muitos estão privados de pão, remédios, instrução, direitos e dignidade. Cabe a nós colocar à luz do dia as foscas manobras que giram à volta do dinheiro e pedir com veemência que o dinheiro não acabe sempre e só por nutrir a desenfreada comodidade de poucos. Cabe a nós salvaguardar a casa comum das nossas ambições predatórias. Cabe a nós lembrar ao mundo que a vida humana vale pelo que é e não pelo que tem, e que a vida de nascituros, idosos, migrantes, homens e mulheres de todas as cores e nacionalidades é sempre sagrada e conta como a de todos os outros. Cabe a nós ter a coragem de levantar os olhos e olhar as estrelas, as estrelas que viu o nosso pai Abraão, as estrelas da promessa.

O caminho de Abraão foi uma bênção de paz. Mas não foi fácil! Teve que enfrentar lutas e imprevistos. Também nós temos pela frente um caminho acidentado, mas precisamos, como o grande patriarca, de dar passos concretos, peregrinar para descobrir o rosto do outro, partilhar memórias, olhares e silêncios, histórias e experiências. Impressionou-me o testemunho de Dawood e Hasan, um cristão e outro muçulmano, que, sem se deixar abater pelas diferenças, estudaram e trabalharam juntos. Juntos, construíram o futuro e descobriram-se irmãos. Também nós, para prosseguir, precisamos de fazer, juntos, algo de bom e concreto. Este é o caminho, sobretudo para os jovens, que não podem ver os seus sonhos truncados pelos conflitos do passado. Urge educá-los para a fraternidade, educá-los para olharem as estrelas. Trata-se duma verdadeira e própria emergência; será a vacina mais eficaz para um amanhã pacífico. Porque sois vós, queridos jovens, o nosso presente e o nosso futuro!

Somente com os outros é que se podem curar as feridas do passado. A senhora Rafah contou-nos o exemplo heroico de Najy, da comunidade sabeia mandeia, que perdeu a vida na tentativa de salvar a família do seu vizinho muçulmano. Quantas pessoas aqui, no silêncio e ignorados pelo mundo, iniciaram caminhos de fraternidade! Rafah contou ainda as tribulações indescritíveis da guerra, que forçou muitos a abandonarem casa e pátria à procura dum futuro para os seus filhos. Obrigado, Rafah, por partilhares connosco a firme vontade de permanecer aqui, na terra dos teus pais! Oxalá todos aqueles que não o conseguiram fazer e tiveram de fugir encontrem um acolhimento benévolo, digno de pessoas vulneráveis e feridas.

Foi precisamente através da hospitalidade, traço caraterístico destas terras, que Abraão recebeu a visita de Deus e o dom, já não esperado, dum filho (cf. Gn 18, 1-10). Nós, irmãos e irmãs de diversas religiões, encontramo-nos aqui, em casa, e a partir daqui, juntos, queremos empenhar-nos para que se realize o sonho de Deus: que a família humana se torne hospitaleira e acolhedora para com todos os seus filhos; que, olhando o mesmo céu, caminhe em paz sobre a mesma terra.

No Iraque, Papa pede união fraterna em mundo dilacerado pelas divisões


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO
 AO IRAQUE
[5-8 DE MARÇO DE 2021]

ENCONTRO COM OS BISPOS, SACERDOTES, RELIGIOSOS E RELIGIOSAS,
 SEMINARISTAS E CATEQUISTAS

DISCURSO DO SANTO PADRE

Catedral Sírio-Católica de Nossa Senhora da Salvação em Bagdá
Sexta-feira, 5 de março de 2021

 
Beatitudes, Excelências Reverendíssimas,
Amados Sacerdotes e Religiosos,
Prezadas Religiosas,
Queridos irmãos e irmãs!

Com paterno afeto, vos abraço a todos. Sinto-me agradecido ao Senhor que, na sua providência, permitiu encontrar-nos hoje. Agradeço a Sua Beatitude o Patriarca Ignace Youssif Younan e a Sua Beatitude o Cardeal Louis Sako as palavras de boas-vindas. Estamos reunidos nesta Catedral de Nossa Senhora da Salvação, abençoados pelo sangue dos nossos irmãos e irmãs que aqui pagaram o preço extremo da sua fidelidade ao Senhor e à sua Igreja. Que a recordação do seu sacrifício nos inspire a renovar a nossa confiança na força da Cruz e da sua mensagem salvífica de perdão, reconciliação e renascimento. Na verdade, o cristão é chamado a testemunhar o amor de Cristo em todo o tempo e lugar. Este é o Evangelho que se deve proclamar e encarnar também neste amado país.

Todos vós, como bispos e sacerdotes, religiosos e religiosas, catequistas e responsáveis leigos, compartilhais as alegrias e os sofrimentos, as esperanças e as angústias dos fiéis de Cristo. As carências do povo de Deus e os árduos desafios pastorais que enfrentais diariamente, agravaram-se neste tempo de pandemia. Há uma coisa, porém, que nunca deve ser bloqueada nem reduzida: o zelo apostólico, que hauris de raízes muito antigas, da presença ininterrupta da Igreja nestas terras desde os primeiros tempos (cf. Bento XVI, Exort. ap. pós-sinodal Ecclesia in Medio Oriente, 5). Sabemos como é fácil ser contagiado pelo vírus do desânimo que às vezes parece difundir-se ao nosso redor. Mas o Senhor deu-nos uma vacina eficaz contra este vírus mau: é a esperança; a esperança, que nasce da oração perseverante e da fidelidade diária ao nosso apostolado. Com esta vacina, podemos prosseguir com energia sempre nova, para partilhar a alegria do Evangelho como discípulos missionários e sinais vivos da presença do Reino de Deus, Reino de santidade, justiça e paz.

Quanta necessidade tem o mundo ao nosso redor de ouvir esta mensagem! Não esqueçamos jamais que Cristo é anunciado sobretudo com o testemunho de vidas transformadas pela alegria do Evangelho. Como vemos pela antiga história da Igreja nestas terras, uma fé viva em Jesus é «contagiosa», pode mudar o mundo. O exemplo dos Santos mostra-nos que seguir Jesus Cristo «não é algo apenas verdadeiro e justo, mas também belo, capaz de cumular a vida dum novo esplendor e duma alegria profunda, mesmo no meio das provações» (Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 167).

As dificuldades fazem parte da experiência diária dos fiéis iraquianos. Nas últimas décadas, vós e os vossos concidadãos tivestes de enfrentar os efeitos da guerra e das perseguições, a fragilidade das infraestruturas básicas e uma luta contínua pela segurança económica e pessoal, que muitas vezes levou a deslocamentos internos e à migração de muitos, inclusive cristãos, para outras partes do mundo. Agradeço-vos, irmãos bispos e sacerdotes, por terdes permanecido junto do vosso povo – junto do vosso povo –, apoiando-o, esforçando-vos por satisfazer as carências das pessoas e ajudando cada um a fazer a sua parte ao serviço do bem comum. O apostolado educativo e o sociocaritativo das vossas Igrejas Particulares constituem um recurso precioso para a vida quer da comunidade eclesial quer da sociedade inteira. Animo-vos a perseverar neste compromisso, a fim de garantir que a Comunidade Católica no Iraque, apesar de pequena como um grão de mostarda (cf. Mt 13, 31-32), continue a enriquecer o caminho do país no seu conjunto.

O amor de Cristo pede-nos para colocar de lado qualquer tipo de egocentrismo e competição; impele-nos à comunhão universal e chama-nos a formar uma comunidade de irmãos e irmãs que se acolhem e cuidam mutuamente (cf. Francisco, Carta enc. Fratelli tutti, 95-96). Vem-me ao pensamento a imagem familiar dum tapete. As diversas Igrejas presentes no Iraque, cada qual com o seu secular património histórico, litúrgico e espiritual, são como tantos fios de variegadas cores que, entrelaçados conjuntamente, compõem um único belíssimo tapete, que não só atesta a nossa fraternidade, mas remete também para a sua fonte, pois o próprio Deus é o artista que idealizou este tapete, que o tece com paciência e prende cuidadosamente querendo-nos sempre bem entrelaçados entre nós, como seus filhos e filhas. Esteja sempre no nosso coração esta exortação de Santo Inácio de Antioquia: «Nada haja entre vós que possa dividir-vos (...), mas fazei tudo em comum: uma só oração, uma só prece, uma só alma, uma só esperança na caridade e na santa alegria» (Ad Magnesios, 6-7: PL 5, 667). Como é importante este testemunho de união fraterna num mundo que se vê frequentemente fragmentado e dilacerado pelas divisões! Todo o esforço feito para construir pontes entre comunidades e instituições eclesiais, paroquiais e diocesanas aparecerá como gesto profético da Igreja no Iraque e como resposta fecunda à oração de Jesus para que todos sejam um só (cf. Jo 17, 21; Ecclesia in Medio Oriente, 37).