A liberdade religiosa “não é uma simples concessão”, mas um direito fundamental do ser humano “inegociável”, afirmou o presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e Arcebispo de Belo Horizonte (MG), Dom Walmor Oliveira de Azevedo durante apresentação do Relatório de Liberdade Religiosa no Mundo, da Fundação Pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre (ACN).
O evento on-line ocorreu na terça-feira, 27, e contou com a participação dos arcebispos de São Paulo (SP), Cardeal Odilo Pedro Scherer, do Rio de Janeiro (RJ), Cardeal Orani João Tempesta, e de Salvador (BA), Cardeal Sérgio da Rocha.
O relatório foi lançado mundialmente no dia 20 de abril em seis idiomas. Trata-se do único estudo realizado por uma instituição católica que abrange todas as religiões e analisa a situação em 196 países do mundo.
Nesta sua 15ª edição, o Relatório observa que a liberdade religiosa tem sido violada em um de cada três países. O direito fundamental à liberdade religiosa não foi respeitado em 62 (31,6%) dos 196 países pesquisados, entre 2018 e 2020. De acordo com o estudo, em 26 desses países as pessoas sofrem perseguição e, em 95% deles, a situação ficou ainda pior durante o período analisado.
Para Dom Walmor, “a liberdade religiosa é garantia inegociável do direito que cada pessoa tem de buscar o seu caminho para encontrar e conectar-se com o sagrado, fazer a experiência do transcendente, no atendimento de uma necessidade constitutiva da condição humana”. Assim, trata-se de “uma necessidade humana, dimensão essencial à vida”, observou.
“A liberdade religiosa é fundamental para que todos tenham o direito de trilhar o próprio caminho na busca pela dimensão transcendente e encontrar respostas que sejam profundas para dar conta de dar sentido ao próprio viver. É uma questão de sentido. A vida é um dom que tem sentido. A dimensão religiosa é imprescindível para se reconhecer o sentido da vida, especialmente nos momentos de dificuldades, desafios e no confronto das adversidades”, disse.
Nesse sentido, o presidente da CNBB defendeu que “a liberdade religiosa não é uma simples concessão, mas uma fonte no mais profundo do ser humano e, portanto, fundamental nas relações comunitárias e familiares”. Trata-se, assinalou, de “respeito à sacralidade mais profunda de cada ser humano”. “É um dom, um direito, uma necessidade, um caminho inegociável”, reforçou.
Para Dom Odilo Scherer “é impressionante” verificar que “que no século XXI vivemos situações gravíssimas de limitação da liberdade religiosa, de manipulação da religião e de intolerância religiosa muitas vezes promovida oficialmente pelo Estado”.
Em seguida, lançando o olhar sobre o Brasil, ressaltou que “é um Estado laico” e que “a Constituição deixa muito claro o que se entende nesse caso”.
“O Estado laico não tem uma religião oficial, não adota uma religião, não impõe uma religião aos cidadãos, respeita a religião de cada um ou a não religião se alguém não tem”, disse, “isso é da liberdade individual de cada cidadão e o Estado respeita e zela por esta liberdade”.
Por outro lado, há o “Estado antirreligioso”, que é aquele que “usa do seu poder, da sua autoridade para cercear a liberdade religiosa, para impedir aos cidadãos o livre desempenho de sua ação religiosa, da sua crença religiosa; ou então, é um Estado que, de alguma forma, privilegia uma religião e pretende impô-la a todos ou pretende impor a todos o ateísmo, a não religião”.
“Nós temos que estar muito atentos em nossa sociedade brasileira, como em todo lugar, quando muitas vezes se entende Estado laico como Estado antirreligioso”, advertiu dom Odilo e chamou a atenção para o fato de que a “garantia da liberdade religiosa, naturalmente, tem seus desdobramentos na garantia da livre expressão religiosa, da livre prática religiosa, da livre manifestação religiosa”.
Por isso, afirmou que o Estado não pode “pretender cercear a livre manifestação religiosa e também a livre participação dos cidadãos que têm fé e manifestam que são religiosos na vida pública”.
Dom Walmor afirmou que “a comunidade católica é convidada cada vez mais a testemunhar o Evangelho com autenticidade no campo da política”, com respeito à “laicidade do Estado, à liberdade religiosa”, e compreendendo que “a política é uma vocação de serviço”.
“Sublinho ainda que o respeito constitucional à liberdade religiosa obriga o Estado laico a não se arvorar em juízo a serviço essencial intrínseco ao próprio da religião, único e inigualável da experiência religiosa no seu sentido indispensável”, declarou.
De acordo com o arcebispo de Belo Horizonte, “espera-se que, longe, mas muito longe de manipulação extremista e interesseira por parte de qualquer tipo de ideologia político-partidária”, o Estado “esteja à altura de dialogar como Estado laico com as confissões religiosas a fim de respeitar, não como concessão benévola arvorando-se no direito de fazer decretos ou legislar invasivamente nas esferas do religioso”, mas a “abrir-se dialogalmente para receber da riqueza humanística própria de toda autêntica experiência religiosa”.