sábado, 16 de julho de 2011

DEDICAÇÃO DA IGREJA (Parte 1)


"Esta é tua casa, Senhor, o lugar onde habitarás para sempre" (1Rs 8,13).
                         

 A riqueza simbólica da liturgia de dedicação de uma igreja constitui uma verdadeira catequese que exige ser aprofundada e degustada. Oferecemos ao leitor algumas considerações sobre o significado desse belo cerimonial litúrgico.

Desde os primórdios do Cristianismo, os fiéis se reuniam em assembléia (ecclesiæ) para celebrar a Eucaristia, ministrar os sacramentos e ouvir a pregação da Palavra de Deus. Os lugares de reunião eram habitualmente suas próprias casas, onde utilizavam a sala mais espaçosa para esse fim. Alguns desses locais de culto são mencionados no Novo Testamento.

É certo - afirma o rubricista espanhol, Pe. Joaquín Solans, em seu Manual Litúrgico - que os Apóstolos celebravam os Divinos Mistérios em casas particulares. Nos Atos dos Apóstolos (20, 7-11), conta-se que São Paulo o fez num terceiro andar, adornado com muitas lâmpadas, onde se haviam reunido os fiéis, aos quais, depois de bem instruídos, distribuiu o Pão Eucarístico.

Também é tradição certa que o Príncipe dos Apóstolos, São Pedro, se hospedava em Roma em casa do senador Pudente. Ali se congregavam os cristãos para ouvir suas instruções, assistir aos santos Mistérios e receber a Sagrada Eucaristia. Pode-se ainda ver esse venerando recinto na igreja de Santa Pudenciana, filha do fervoroso e santo senador 1.
Com o tempo, as casas nas quais se reunia a assembléia passaram a ter cômodos específicos reservados para o culto divino. E, a partir do fim do século II, esses prédios começam a ser chamados de Domus Ecclesiæ.
          
            Ao longo do século III, esses aposentos foram crescendo em importância e as outras partes do edifício, destinadas a finalidades profanas, vão sendo separadas dele. A Domus Ecclesiæ se transforma em Domus Dei.



Consagração ao Culto

Já a partir do século IV, a dedicação da Domus Dei era considerada uma das festas mais solenes da Liturgia, a fim de ressaltar o caráter sagrado do edifício, que não poderia mais ser usado para fins profanos. Comenta, a este respeito, Dom Guéranger: Nossas igrejas são santas por sua pertencença a Deus, pela celebração do Sacrifício, pelas preces e louvores nelas oferecidos ao Hóspede divino. A um título melhor do que o tabernáculo simbólico ou o templo antigo, sua dedicação as separou para sempre de qualquer morada de homens e as elevou acima de qualquer palácio da Terra.
Contudo, não obstante os ritos cuja magnificência enche seu recinto no dia de sua consagração a Deus, sob o óleo santo do qual suas paredes permanecem para sempre impregnadas, elas não ficam menos desprovidas de sentimento e de vida.
O que dizer, pois, senão que essa sublime cerimônia de dedicação das igrejas, como também a festa destinada a perpetuar sua memória, não se detêm no santuário construído por nossas mãos, mas elevam-se a realidades mais augustas e vivas? A principal glória do nobre edifício será de simbolizar a grandeza. Sob a sombra de seus arcos a humanidade se iniciará em inefáveis segredos cujo mistério se consumará para além mundo, no pleno dia do Céu 2.

A Igreja e a Jerusalém Celeste


 No ritual litúrgico da dedicação de uma igreja destacam-se quatro elementos essenciais: a aspersão com a água benta, a deposição das relíquias dos santos, a unção sagrada do altar e da igreja, a incensação, a iluminação e, por fim, o principal, a Celebração Eucarística.
Por ser o edifício visível um sinal peculiar da Igreja peregrina na terra e imagem da Igreja que habita nos céus, a Jerusalém Celeste, esses ritos manifestam simbolicamente algo das obras invisíveis que o Senhor realiza por meio dos divinos mistérios da Igreja, ou seja, o Batismo, a Confirmação e a Eucaristia.
As inspiradas palavras de Santo Agostinho nos explicam com sublime genialidade a relação entre ambasas realidades: Esta é, de fato, a casa das nossas orações; mas nós próprios somos casa de Deus. Somos construídos como casa de Deus neste mundo e seremos dedicados solenemente no fim dos tempos. O edifício, ou melhor, a construção, faz-se com trabalho; a dedicação realiza-se com alegria. O que acontecia aqui quando esses materiais se erguiam, isso acontece agora quando se reúnem os que acreditam em Cristo. Com efeito, ao aceitarmos a Fé, é como se fossem cortadas as madeiras e as pedras nas florestas e nos montes. Ao sermos catequizados, batizados, instruídos, é como se fôssemos desbastados, alinhados e aplainados nas mãos dos carpinteiros e artistas. No entanto, esses materiais não constroem a casa do Senhor, senão quando se unem pela caridade. [...] Por conseguinte, o que aqui vemos feito materialmente nas paredes, faça-se espiritualmente nas almas; e o que vemos aqui realizado nas pedras e madeiras, também se realize nos vossos corpos, por obra da graça de Deus 3.
E a própria Prece de Dedicação o confirma com a bela linguagem da liturgia latina: Este edifício faz vislumbrar o mistério da Igreja, que Cristo santificou com seu Sangue, para apresentá-la a Si mesmo, qual Esposa gloriosa, Virgem deslumbrante pela integridade da Fé, Mãe fecunda pela virtude do Espírito. [...] Aqui, as ondas da graça divina sepultem os delitos, para que vossos filhos e filhas, ó Pai, mortos para o pecado, renasçam para a vida eterna.
[...] Aqui, como jubilosa oblação de louvor, ressoe a voz do gênero humano unida aos coros dos Anjos e suba até Vós a prece incessante pela salvação do mundo.
Aqui, os pobres encontrem misericórdia, os oprimidos alcancem a verdadeira liberdade e todos sintam a dignidade de ser vossos filhos e filhas, até que, exultantes, cheguem à Jerusalém Celeste.

Aspersão do Altar e do Templo

A Santa Missa começa substituindo o do ato penitencial pela a aspersão da água benta. Ela é um sacramental que, usado com Fé, nos purifica dos pecados veniais e afasta o espírito maligno. Por seu caráter exorcístico, se aspergem também o altar e as paredes da igreja, para purificá-los, assim como todo o povo, em sinal de penitência, e em lembrança do Batismo.


 Assim como Cristo nos precedeu nas águas do Batismo, no Jordão - explica Dom Guéranger - as aspersões começam pelo altar que O representa e depois se fazem no edifício inteiro.

Primitivamente, era então que não só todo o interior e o pavimento do templo, mas também o exterior das paredes e, em alguns lugares, até os tetos eram inundados da chuva santificante que expulsa o demônio, dá a Deus essa morada e a prepara para os favores que se seguirão 4. Deposição das relíquias O costume de colocar relíquias de santos sob o altar originou-se nos primeiros séculos da Igreja, nas catacumbas, onde se tornou habitual celebrar a Missa sobre a pedra tumular de um mártir. Com isso, se queria significar que o sacrifício dos membros encontra seu princípio no sacrifício da Cabeça, que é Jesus Cristo.

Na atualidade, a Igreja não exige que as relíquias colocadas sob o altar sejam exclusivamente de mártires.

Sobre este antiqüíssimo costume, nos dá Dom Guéranger uma sintética resenha histórica: Nos primeiros séculos da Idade Média, realizava-se a triunfal transladação das relíquias destinadas a entrar no altar, as quais até então se encontravam na tenda do exílio; no Oriente, é este o arremate glorioso da consagração das igrejas. [...] Entre os gregos, o Pontífice deposita as santas relíquias no tabuleiro sagrado e as leva acima de sua cabeça, honrando como temível mistério esses restos preciosos, pois o Apóstolo disse dos fiéis: "Vós sois o corpo de Cristo e cada um, de sua parte, é um dos seus membros" (1 Cor 12, 27). No Ocidente, até o século XIII e mais tarde, encerrava-se no altar, com os Santos, o próprio Senhor em seu Corpo Eucarístico. "Era a Igreja unida ao Redentor, a Esposa ao Esposo", diz São Pedro Damião.

Era o acabamento final, a passagem do tempo para a eternidade 5.

Santidade do Altar


Em virtude da unção, o altar se torna símbolo de Cristo, o "Ungido" por excelência, pois o Pai o ungiu com o Espírito Santo e o constituiu Sumo Sacerdote, para oferecer no altar de seu Corpo o sacrifício da vida pela salvação de todos. Por isso, desde tempos remotos, o altar foi cercado de respeito e veneração pelos cristãos: Um lugar santo é o altar cristão.
Chamavam-no sanctus, divinus, regalis, tremendus. S. João Crisóstomo: admirabilis. S. Gregório Nisseno ensina que o altar é tão santo que nem todos, mas só os sacerdotes, e estes só com reverência, o podem tocar. Beijavam-no. Os imperadores Teodósio e Valentiniano proibiram trazer armas nas igrejas e junto dos altares. [...] Desde o século IV, o altar tinha o privilégio de asilo 6.
A santidade do altar exige, daqueles que dele se aproximam na liturgia uma correspondente santidade de vida: Eles devem possuir a pureza da consciência e o perfume da boa reputação, que são simbolizados pelo santo Crisma, composto de azeite e de bálsamo. Devem ter uma consciência pura, para poderem dizer com o Apóstolo: "Nós temos a glória de que nossa consciência nos dá testemunho de uma boa reputação" (2 Cor 1, 12).
Diz ainda São Paulo: "Importa também que [o Bispo] tenha o bom testemunho daqueles que estão fora da Igreja" (1 Tm 3, 7).
E São Crisóstomo acrescenta: "Os clérigos não podem ter mácula alguma, nem em sua palavra, nem no seu pensamento, nem nas suas ações, nem na sua opinião, porque eles são a beleza e a força da Igreja: se eles fossem maus, eles A maculariam por inteiro" 7.
 
A unção com o Crisma



A unção do altar é feita com o Crisma, como explica Dom Guéranger: O óleo confere ao cristão, pelo segundo Sacramento, a perfeição de seu ser sobrenatural, faz também os reis, os sacerdotes e os pontífices. Por todas essas razões, o óleo santo, por sua vez, flui abundantemente sobre o altar, que é o Cristo Chefe, Pontífice e Rei, para dEle, como fez a água, atingir as paredes, a igreja inteira. Com efeito, doravante o templo é efetivamente digno do nome de igreja; pois, assim batizadas, assim consagradas com o Homem- Deus na água e no Espírito Santo, as pedras com as quais ele foi construído representam ao vivo a assembléia dos eleitos, ligados entre si, e com a Pedra Divina, pelo indestrutível laço do amor 8.

Em seguida, também a igreja é ungida, nas doze cruzes fixadas nas quatro paredes do edifício, em sinal de triunfo, pois, a Cruz é o estandarte de Jesus Cristo e a insígnia de sua vitória. É para mostrar que este local está sob o domínio do Senhor que elas são insculpidas nas paredes. A unção da igreja significa que ela está dedicada, toda inteira e para sempre ao culto cristão. As unções são doze para significar que a igreja é a imagem de Jerusalém, a cidade santa, da qual está dito no Apocalipse: "A muralha da cidade tinha doze fundamentos, e neles os doze nomes dos doze Apóstolos do Cordeiro" (Ap 21, 14).

Incensação do Altar e da Igreja



Depois do rito da unção, coloca-se sobre o altar um fogareiro para queimar o incenso ou os perfumes, simbolizando com esse ato que o sacrifício de Cristo, perpetuado ali sacramentalmente, sobe até Deus como suave aroma, juntamente com as orações dos fiéis. A incensação de todo o espaço da igreja indica ser ela, pela dedicação, uma casa de oração. Também os fiéis são incensados, por serem "templos vivos de Deus" (Cf. 1 Cor 3,16-17; Ef 2, 22).

            Iluminação Festiva


Procede-se, por fim, à iluminação festiva da igreja, pois Cristo é a luz para iluminar as nações. As doze velas colocadas no lugar das unções são acesas em sinal de alegria. Postas diante das cruzes, elas simbolizam os doze Apóstolos que, pela Fé no Crucificado, iluminaram o universo, o instruíram e o inflamaram de amor.
Ao dedicar a igreja de Santa Maria da Nova Evangelização, em Roma, o Papa Bento XVI destilou com mestria o simbolismo mais profundo desses belos gestos litúrgicos: O outro aspecto que quereria mencionar aqui são os doze fundamentos da cidade, sobre os quais estão inscritos os nomes dos doze Apóstolos. Os fundamentos da cidade não são pedras materiais, mas seres humanos, são os Apóstolos com o testemunho da sua Fé. Os Apóstolos permanecem como os fundamentos essenciais daacendemos nas paredes da igreja, nos lugares onde serão feitas as unções, evocam precisamente os Apóstolos: a sua Fé constitui a verdadeira luz que ilumina a Igreja. E, ao mesmo tempo, é o fundamento sobre o qual ela está alicerçada. A Fé dos Apóstolos não é algo antiquado.
Uma vez que é verdade, é também o fundamento sobre o qual nos encontramos, é a luz através da qual vemos 9.
Em seguida, dá-se continuidade à celebração Eucarística.

As pedras vivas da Jerusalém Celeste

 
Cristão - lembra Dom Guéranger, em sua magistral obra -, pelo Batismo, tu te tornaste santuário de Deus. Que este dia de dedicação te recorde as consagrações que te arrebataram para fazer de ti o templo do Espírito Santo, para dar-te a Cristo, com o qual tua vida está doravante oculta no dulcíssimo e fecundíssimo segredo da face do Pai. Aprende a, em tua alma, cumular a Santíssima Trindade das homenagens devidas à sua presença.
Enfim, alma batizada e consagrada, lembra-te de que não estás sozinha no banquete do amor de teu Deus; de que a divina caridade que te une ao Cristo Esposo deve também juntar-te a seus membros, e aparelhar-te, pedra viva, preparada neste mundo para o lugar que será teu um dia, no edifício do nova cidade, da Igreja, por intermédio do ministério da sucessão apostólica: mediante os Bispos. As pequenas velas que santuário dos Céus. Aprende a adaptar- te à Igreja viva, a vibrar em uníssono com a grande Esposa, preparando- te para a eternidade, onde tua única e feliz ocupação será a de glorificar como ela a Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, pelos séculos dos séculos 10.

1) SOLANS, Joaquín. Manual Litúrgico.
Barcelona: E. Subirana, t. I, p. 23.
2) GUÉRANGER, Dom Prosper. La Fête de La Dedicace des églises in L'année liturgique, pp. 258-259.
3) Sermo 336, 1.6; PL 38, 1471-1472.1475.
4) GUÉRANGER. Ibidem, p. 270.
5) GUÉRANGER. Ibidem, p. 271.
6) REUS, S.J., Pe. João Batista. Curso de Liturgia. Petrópolis: Ed. Vozes, 1944, p. 82.
7) VORAGINE, Jacques de. La Legende Dorée, Paris: Garnier-Flamarion, 1967, t. II, p. 450-451.
8) GUÉRANGER. Ibidem, p. 270.
9) BENTO XVI. Homilia durante a concelebração eucarística para a dedicação da igreja de Santa Maria Estrela da Evangelização, 10/12/2006.
10) GUÉRANGER. Ibidem, pp. 291-292.
(Revista Arautos do Evangelho, Abril/2008, n. 76. p. 18 à 23 [exceto fotos])

Nenhum comentário:

Postar um comentário