Ao longo de minha caminhada pastoral, recebi, aqui e ali, convites para visitar grupos de Alcoólicos Anônimos - A.A. A cada encontro com eles, ao ouvir seus depoimentos e ao testemunhar a amizade que os une, nasce, espontâneo, o desejo de louvar o Senhor por tudo o que posso ver e ouvir. Semana passada, por ocasião da reunião comemorativa do 59º aniversário de A.A. na Bahia, passei novamente por essa experiência.
É importante deixar claro que os A.A. não estão ligados a nenhuma confissão religiosa, nem exigem de seus associados alguma crença em particular. Entre eles, encontramos pessoas de diversas religiões, sem religião e ateus. Embora o programa de recuperação se baseie em determinados valores espirituais, cada um é respeitado em sua crença. Em “Os Doze Passos de Alcoólicos Anônimos”, lemos: “Viemos a acreditar que um Poder Superior a nós mesmos poderia devolver-nos à sanidade. Decidimos entregar nossa vontade e nossa vida aos cuidados de Deus, na forma em que O concebíamos” (2º e 3º passos).
Os A.A. têm um belo ideal, e uma consciência clara dos próprios limites. Sua meta é ajudar aqueles que querem deixar de beber. Longe de montarem grandes organizações, mantêm um mínimo de estrutura, distribuem as responsabilidades entre os próprios membros e evitam a acumulação de patrimônio. O grupo se mantém com as contribuições voluntárias dos que dele participam. Quantos, no mundo inteiro, participam dos grupos de A. A.? É difícil precisar dados, mesmo porque os A.A. evitam registros: calcula-se que haja, atualmente, cerca de dois milhões de membros, em cerca de 97 mil grupos, espalhados em mais de 180 países – o que não deixa de ser significativo para uma associação que começou em 1935. Mas é preciso reconhecer que o trabalho realizado por eles atinge somente uma mínima parte das pessoas que sofrem das consequências do alcoolismo.
Cresce cada vez mais a convicção de que o alcoolismo não é um vício, mas uma doença. O corpo de algumas pessoas tem uma particular reação ao álcool, e elas acabam se tornando dependentes. Assim como um diabético não pode comer açúcar como os outros, da mesma forma 10% dos que bebem precisam evitar a bebida porque, caso contrário, entrarão num campo em que não mais serão donos de seus próprios atos. Eles passarão a sentir uma necessidade compulsiva da bebida, que fará deles verdadeiros escravos. A experiência tem demonstrado que, em situações assim, é difícil sair dessa situação, sem a ajuda de outras pessoas. Aí reside, justamente, a grande força dos A.A.: em suas reuniões, recordando desafios e problemas, contando suas experiências e falando de suas vitórias, cada qual ajuda o companheiro. E, nesse processo de ajuda, também se ajudam, na linha daquele pensamento chinês: “Quem acende uma vela, é o primeiro a ser iluminado por ela”.
Os trabalhos dos A.A. são também baseados nas “Doze tradições”, fruto de sua longa experiência. Na impossibilidade de enumerá-las, destaco duas: “Nenhum grupo de A.A. deverá jamais sancionar, financiar ou emprestar o nome de A.A. a qualquer sociedade parecida ou empreendimento alheio à Irmandade, a fim de que problemas de dinheiro, propriedade e prestígio não nos afastem de nosso propósito primordial” (6º); “O anonimato é o alicerce espiritual das nossas Tradições, lembrando-nos sempre da necessidade de colocar os princípios acima das personalidades" (12º).
No trabalho com pessoas dependentes do álcool, a dificuldade maior será sempre, sem dúvida, convencer um doente-alcoólatra de que precisa participar dos A.A. Um dos primeiros sintomas da dependência da bebida é justamente a negação do próprio problema. Como já disse um alcoólico anônimo: “O doente não consegue enxergar que a bebida está estragando sua vida e criando enorme sofrimento para as pessoas que ele mais ama”. Nesse caso, será importante a presença em sua vida de um “Simão Cirineu” – aquele que ajudou Jesus a levar sua cruz até o Calvário. Esse irmão ajudará o doente-alcoólatra a encontrar a porta sempre aberta dos A.A.
Dom Murilo S. R. Krieger, scj
Arcebispo de São Salvador da Bahia, Primaz do Brasil
Arcebispo de São Salvador da Bahia, Primaz do Brasil
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