Estávamos em missão no povoado de Mutuns, a aproximadamente 25km da BR-402. Éramos mais de trezentos delegados vindo das 56 igrejas (comunidades) que constituem a Paróquia São José do Periá de Humberto de Campos, da Forania São Benedito. Durante três dias iríamos refletir na XXII Assembléia de Pastoral daquela região o tema “Missão e Mística na Paróquia de Humberto de Campos” e o lema “É Missão de Todos Nós”.
Fui convidado por padre Bernardo e padre Ribamar para ser facilitador daquele encontro com a finalidade de nos preparar para os 400 anos de evangelização da Igreja no Maranhão. Foi uma oportunidade para estudo do Documento de Aparecida, de juntos redescobrirmos nossa identidade missionária.
No inicio do encontro, dia 19 de novembro, com muita animação e mística, o evangelho teve seu eco nas palavras do Pe. Bernardo. Entre os tambores e atabaques celebramos o Mistério de Jesus Cristo. A alegria e o entusiasmo do neo- presbítero me impressionava, pois aquilo que ele tanto almejou, isto é, ser sacerdote do Senhor, tinha alcançado.
No dia seguinte, celebrávamos o Dia Internacional dos Direitos da Criança e Dia Nacional da Consciência Negra, por lembrar o martírio de Zumbi dos Palmares em 1695. Este dia foi marcado pela manhã com celebrações e animações. Vivemos os últimos momentos com o Pe. Bernardo. Durante a tarde estávamos em espírito de animação quando recebemos a triste notícia... Não sentimos o chão quando recebemos à noite a notícia que Pe. Bernardo havia partido para a casa do Pai, se tornando mártir da não violência. Não queria estar em mim naquele momento...
Então vou falar da alegria de conhecer o padre Bernardo. Eu o conheci em 2002 no seminário cura D´Ars, hoje Seminário de Filosofia da Arquidiocese. Lembro que ao conhecê-lo ele falava para um grupo de colegas vocacionados da sua magnífica experiência entre os jesuítas ao convite do Pe. Luigi Muraro, pois tinha sido seminarista jesuíta por alguns tempos trabalhando junto com os posseiros e agricultores de um dos estados do nordeste que não me recordo no momento.
Tive a chance de conviver com o padre Bernardo durante cinco anos no Seminário Santo Antônio. Trabalhamos juntos em dupla missionária entre os anos de 2005 a 2006. Nesse período fizemos nosso estágio pastoral na “Quase Paróquia” de Nossa Senhora de Boa Viagem, área industrial da Ilha de São Luís. Em especial fomos companheiros de pastoral nos bairros: Nova República, Poeirão, Rio Grande, Residencial 2000, Coqueiro e Estiva. Esse tempo fortaleceu nossa amizade, pois o amor pela pastoral e pela Igreja nos fez mais irmãos. Nessa época tínhamos desentendimentos pastorais, mas isso nos deixou mais amigos. Vivemos assim as fortes palavras de Dom Elder Câmara quando dizia “a diferença não me empobrece, mas sempre me enriquece e me enaltece”. Aprendi várias coisas junto ao padre Bernardo, sobretudo o zelo pela pastoral. Era amigo de todos e como sabia conviver fraternalmente e chamar a juventude para o Senhor! Era verdadeiro com aquilo que fazia, pois sabia que a realidade desafiante da Igreja Particular precisava de homens que fossem verdadeiramente cristãos. Uma das grandes características de padre Bernardo era a de ser articulador e íntegro naquilo que acreditava.
Amava a Igreja Particular do Maranhão, principalmente as paróquias da área rural pelas quais tinha grande carinho e dedicação. Entre os seminaristas, era um dos mais dispostos para o trabalho pastoral. Não encontrava dificuldade com o serviço para o qual era chamado. Estimava a cultura maranhense, em especial tinha um grande amor pelo Boi de Morros, pois nos anos 90 tinha participado como membro. Era o responsável pelo esporte do Seminário, foi um dos melhores jogadores do time SASA (Seminário Arquidiocesano Santo Antônio). Em padre Bernardo era presente aquilo que os gregos diziam “educar o espírito e o corpo”. Vestia a camisa do Flamengo, seu time do coração, e como todo jovem, gostava de comentar sobre futebol.
Por ser verdadeiro, muitas vezes era criticado por seus próprios colegas. Tinha uma “personalidade forte” em dizer aquilo que pensava. Era livre com as palavras e as atitudes, exemplo máximo para aqueles que acreditam que é preciso ser sempre cristão. Em Pe. Bernardo percebemos que para ser padre não há necessidade de muitas coisas extraordinárias ou fabulosas, não é preciso se clericalizar, nem tampouco se europeizar ou se romanizar, mas é preciso apenas ser entranhado na realidade maranhense tão sofrida. É preciso, sobretudo, ser íntegro e verdadeiro com aquilo que a Santa Mãe Igreja nos pede hoje, principalmente com as exigências do evangelho. Padre Bernardo estava em inicio do seu ministério, planejava ficar onde a Igreja lhe enviasse. Se ficasse na capital, planejava se dedicar aos estudos jurídicos, acreditava que isso lhe ajudaria em seu ministério.
Em menos de seis meses a Igreja Particular de São Luís sofre duas grandes perdas: o primeiro de ordenação marcada, MÁRIO DAYVIT. O segundo, um neo- presbítero de dois meses e quinze dias de ordenado, PADRE BERNARDO. Ambos foram vítimas da violência e da falta de segurança pública. A primeira vítima foi na capital, o segundo foi vitima no interior. A violência se alastra em toda sociedade, sejam centros urbanos, sejam nas áreas periféricas ou rurais. É hora de sermos profetas missionários! O sangue desses mártires clama por justiça! Se calarmos, as pedras falarão!
Marcio dos Santos Rabelo
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Hoje, 20/11/2012, faz 2 anos que o Pe. Bernardo partiu para a casa do Pai. Haverá uma celebração com os padres da Arquidiocese de São Luís às 19h na Igreja Matriz da Paróquia Nossa Senhora Aparecida do Munin - Morros-MA. Todos estão convidados!
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Fonte: http://www.arquidiocesedesaoluis.com.br/2011/2/25/martir-da-nao-violencia-1147.htm
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