Veio à tona esta semana a fala de um famoso humorista brasileiro sobre a criação de filhos. Ele fez questão de usar uma palavra bastante negativa para classificar o que seria isso, na prática, dizendo que “é um inferno ter filhos”.
Não vou citar nomes aqui porque a minha intenção não é atacar a pessoa do humorista, mas sim o que pode estar por trás da sua visão altamente negativa sobre a criação de filhos. Para mim, a sua fala é o retrato de algo mais complexo que podemos analisar resumidamente em alguns tópicos a seguir:
01 – Imaturidade dessa geração
Em um artigo publicado pela revista científica Lancet Child & Adolescent Health, em 2018, pesquisadores argumentaram que à adolescência deve ser estabelecida até os 24 anos. Susan Sawyer, diretora do Centro para a Saúde do Adolescente do Hospital Royal Children’s em Melbourne, uma das autoras da pesquisa, afirmou o seguinte, segundo a BBC.
“Apesar de muitos privilégios legais da vida adulta começarem aos 18 anos, a adoção das responsabilidades e do papel de adulto geralmente acontece mais tarde”.
O que vemos nisso é o adiamento das responsabilidades da vida para os jovens, algo que está estritamente relacionado à imaturidade dessa geração. Esse olhar superprotetor que chega a ser incapacitante sobre os jovens é o que reforça tamanha imaturidade.
É a extensão da figura da mãe superprotetora que prejudica o desenvolvimento emocional dos filhos ao nível da cultura. É a Síndrome de Peter Pan sendo culturalmente estabelecida como norma, fazendo assim com que a maturidade seja cada vez mais adiada, ou até não alcançada.
02 – Egocentrismo
Outro aspecto notável dessa geração imatura, e que também pode ser observado na fala do humorista ao dizer que ter filhos é como um “inferno”, é o olhar cada vez mais voltado para si mesmo, suas realizações e interesses, o egocentrismo.
De onde vem esse olhar? De jovens que cresceram pensando que a vida consiste em buscar a todo momento a satisfação própria. Para mim, isso fica claro quando o humorista disse qual é o seu verdadeiro medo ao ter um filho. Falando do seu casamento, ele declarou:
“O maior medo é perder o que construímos. Somos muito companheiros. Não tivemos uma briga na quarentena. Tenho medo de um filho atrapalhar“.
Chamo atenção para a parte onde ele diz ter “medo de um filho atrapalhar”. Em outras palavras, o receio de ver abalada a sua rotina de suposta harmonia com a esposa é tão grande que a possibilidade de ter um filho virou sinônimo de medo, atrapalho e “inferno”.
É uma visão egocêntrica, porque ter filho é justamente a doação de si mesmo em função de outro ser humano. É ter a capacidade de abdicar, se preciso, da própria “harmonia” para cuidar de alguém. É se doar em mais uma relação. É tirar de si para dar aos filhos.
Acontece que harmonia e paz não são perdidas na criação dos filhos. Elas continuam presentes, mas de forma diferente, à medida que o amor surge e só aumenta. O que antes era vivido a dois, será a três, quatro, cinco, etc., passando a ser uma relação de troca constante.
Quem está preparado para ser pai ou mãe vive outra rotina, é verdade, mas ela não é sinônimo de “inferno” e sim de experiências emocionais que só são possíveis viver quem a experimenta. Mas quando você deixa de enxergar isso como uma possibilidade por “medo” de perder algo pessoal, significa que você está olhando mais para si mesmo do que para a sua capacidade de se doar em favor do outro.
03 – Não ter filhos é uma opção
Por último, acho importante lembrar que a minha análise aqui não diz respeito a pessoas que escolhem não ter filhos. O foco está na ideia implícita por trás da associação do “inferno” à criação dos filhos.
O humorista em questão não defendeu simplesmente a opção de não ter filhos, o que é legítimo. Se você acha que não está preparado ou não teria/tem estrutura emocional, talvez até financeira, para ter filhos, é melhor mesmo que não tenha. Filhos precisam de pais responsáveis em todos os sentidos.
Mas, não foi essa a linha de argumentação adotada pelo humorista. Infelizmente, a pessoa demonizou a criação dos filhos e até mesmo os filhos por tabela, como se as crianças fossem responsáveis por trazer o “inferno” para dentro dos lares, o que não é verdade.
Portanto, precisamos saber separar a simples escolha de não querer ter filhos da crítica à criação dos filhos. A segunda diz mais respeito, sim, à imaturidade e ao egocentrismo dessa geração, enquanto que a primeira pode até ser fruto da responsabilidade e consciência acerca das próprias limitações. Torço para que o humorista compreenda isso antes de falar sobre o assunto outra vez.
Marisa Lobo
___________________________
Opiniao Crítica
Nenhum comentário:
Postar um comentário