O cardeal Gerhard Ludwig Müller, 73 anos no fim de dezembro, teólogo e curador da opera omnia de Ratzinger, foi nomeado em 2012 por Bento XVI prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé e permaneceu no cargo até 2017.
“Na Alemanha, com Bento, me diziam que eu era papista demais. Agora, me tornei um inimigo do papa! Uma coisa absurda para mim: sou católico, sacerdote, escrevi tantos livros sobre o primado do papa, sempre o defendi contra protestantes e liberais. Porém...”
Porém, eminência?
Porém, o papa não está acima da Palavra de Deus, que criou o ser humano homem e mulher, o matrimônio e a família. Sou cardeal e estou sempre do lado do papa, mas não sob todas as condições. Não é uma lealdade absoluta. A primeira lealdade é à Palavra de Deus. O papa é o Vigário de Cristo, não é Cristo. E eu creio em Deus.
Mas Francisco não falou de matrimônio. Ele disse que seria necessário um reconhecimento jurídico para os casais homossexuais, as uniões civis...
E qual é a diferença, no fim das contas? Em muitos Estados, as chamadas uniões têm sido apenas a premissa para o reconhecimento dos casamentos gays. Por isso, muitos fiéis estão perturbados, pensam que essas palavras seriam apenas o primeiro passo para uma justificação das uniões homossexuais, para a Igreja, e isso não é possível.
Por quê?
Desde o início da Escritura, no Gênesis, se diz que Deus criou o homem e a mulher. Jesus lembra isso aos fariseus: o homem se unirá à sua mulher, e os dois serão uma só carne. Por isso, o único matrimônio possível é entre um homem e uma mulher, e as relações sexuais são reservadas exclusivamente ao matrimônio. Não queremos condenar as pessoas com tendência homossexual, pelo contrário, devem ser acompanhadas e ajudadas: mas segundo as condições da doutrina cristã.
A Escritura não fala de uniões civis...
Isso é um sofisma! A Palavra de Deus vale para todos os tempos. E fala de direito natural, moral. A constituição antropológica não é respeitada nesta nova antropologia LGBT: dizem que não existe uma natureza humana definida, homem e mulher, e o sexo seria apenas um construto ideal, com todas as consequências do caso, incluindo o direito de mudá-lo. Mas não existe um futuro para a humanidade sem reconhecer a complementaridade entre homem e mulher, o dado biológico e psíquico, uma relação que fundamenta a cultura humana. O papa também é o primeiro intérprete da lei natural: por que ele intervém nessas questões dos Estados sem sublinhar a dimensão da lei natural?
A Igreja não pode reconhecer as uniões civis?
Não é possível para um pensamento cristão. Por isso, a Igreja sempre se opôs: até mesmo o Estado laico deve respeitar a lei natural, reconhecer os direitos fundamentais dos humanos.
E onde os direitos humanos seriam violados?
Com a adoção de crianças, por exemplo. Uma criança tem direito de crescer com um pai e uma mãe. E não falemos da maternidade de substituição, das mulheres pobres que precisam de dinheiro e vendem o próprio corpo. Um grande mercado contra a dignidade humana.
O que o senhor disse aos fiéis que lhe telefonaram?
Nós respeitamos o papa, é claro, ele é o princípio da unidade da Igreja. Mas Pedro e Paulo também discutiram, e um papa, Honório I, foi até julgado por um Concílio. A pessoa não é totalmente idêntica ao papado. Houve pontífices que nem sempre foram claros na doutrina.
E desta vez?
A declaração do Papa Francisco não é oficial, chegou em uma entrevista, e isso a relativiza e gera mal-entendidos. Tudo isso não é bom, porque um papa, assim como qualquer bispo, deve ser sempre muito cauteloso e claro, especialmente nestes tempos tão delicados. Alguns dizem, não sei se você sabe a verdade, que, no documentário, combinaram citações diferentes. Por que a Santa Sé não deu uma explicação? E a Congregação para a Doutrina da Fé? Porém, ele publicou textos sobre homossexualidade e matrimônio elaborados cientificamente. É um problema de confusão. No mundo agora se diz: “O papa abençoa as uniões homossexuais”: ele não disse isso, mas as consequências são essas. Ele deveria ser mais atento.
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Reportagem: Gian Guido Vecchi
Fonte: Corriere della Sera, 23-10-2020.
Tradução: Moisés Sbardelotto
Disponível: IHU Unisinos
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