A vocação é um dom concedido liberalmente por Deus.
E, por vezes, compraz-se o Senhor em chamar alguém aparentemente contrário à
missão para a qual Ele o destina, a fim de manifestar com maior fulgor o poder
de Sua Graça e a gratuidade do Seu chamado. Nesses casos, apesar dos aparentes
paradoxos e à revelia do próprio interessado, cujas aspirações parecem entrar
em choque com os desígnios Divinos, o Senhor vai preparando os caminhos,
servindo-Se até dos próprios obstáculos para fazer cumprir sua Santa Vontade.
Jovem
fariseu de Tarso
Nada parecia indicar que aquele jovenzinho de rosto
vivo e inteligente, de nome Saulo, viesse a transformar-se num intrépido
defensor de Jesus Cristo. Nascido em Tarso, na Cilícia, no seio de uma família
judaica, o pequeno Saulo esteve, desde muito cedo, sujeito a duas fortes
influências que pesariam grandemente na formação de seu caráter.
De um lado, as convicções religiosas que aprendera
de seus pais não tardaram em fazer dele um autêntico fariseu, apegado às
tradições, anelante pela chegada de um Messias vitorioso e libertador do povo
eleito, então submetido ao jugo estrangeiro, e zeloso cumpridor da Lei até em
suas mínimas prescrições.
De outro lado, o ambiente de sua cidade natal
marcou profundamente a personalidade do jovem fariseu. Tarso - metrópole grega,
súdita do Império Romano - tornara-se, por sua localização privilegiada, um dos
centros de comércio mais importantes daquele tempo. Regurgitava de gente,
proveniente das nações mais diversas, cujas línguas e costumes misturavam-se
sob o fator preponderante da cultura helênica. A Providência começava a
preparar o jovem fariseu para sua futura missão de Apóstolo das Gentes.
Discípulo de
Gamaliel
Apenas saído da adolescência, Saulo abandonou sua
pátria para instalar-se na cidade-berço da religião de seus antepassados:
Jerusalém. Ali tornou-se assíduo estudioso das Escrituras, instruído pelo douto
Gamaliel, um dos mais destacados membros do Sinédrio. Também aqui podemos notar
a mão de Deus intervindo em sua vida, pois o conhecimento dos Livros Sagrados,
que adquiriu ao longo desses anos, servir-lhe-ia mais tarde para abrir seus
horizontes a respeito da realidade messiânica de Jesus Cristo.
Entretanto, se Saulo progredia a passos rápidos nas
doutrinas farisaicas, sob o olhar vigilante de Gamaliel, em nada pareceu
assimilar a prudência que caracterizava seu mestre, sempre cauto em seus juízos
e comedido nas apreciações. Pelo contrário, o jovem aluno dava mostras de um
exaltado fanatismo religioso, como ele mesmo confessaria em sua epístola aos
Gálatas: "Avantajava-me no judaísmo a muitos dos meus companheiros de
idade e nação, extremamente zeloso das tradições de meus pais" (Gl 1, 14).
No interior do discípulo de Gamaliel latejava um
coração sincero, à procura da verdade. Buscava-a ardorosamente, desejoso de
alcançar o pleno conhecimento dela. Não sabia que o termo desses seus anseios
encontravase nAquele que, de Si mesmo, dissera: "Eu sou o Caminho, a
Verdade e a Vida; ninguém vem ao Pai senão por Mim" (Jo 14, 6).
Sim, Saulo não poderia chegar ao Pai, Suprema
Verdade, sem passar por Jesus, o Mediador entre Deus e os homens. A afirmação
proferida pelo Divino Mestre, momentos antes de Sua Paixão, ele a veria
cumprir-se em sua vida, ainda que contra a sua vontade e apesar de suas
relutâncias. E a ocasião se haveria de apresentar justamente quando as
convicções de Saulo, chocadas ante o Cristianismo que surgia, haviam-se
convertido em ódio profundo contra este.