Primeira Pregação de Quaresma - 2015
“A ALEGRIA DO EVANGELHO PREENCHE O
CORAÇÃO E A VIDA”
Reflexões sobre a “Evangelii gaudium”, do
papa Francisco
Gostaria de aproveitar a ausência do Santo Padre,
nesta primeira meditação da Quaresma, para propor uma reflexão sobre a sua
exortação apostólica Evangelii Gaudium (EG), que eu não me atreveria a fazer em
presença dele. Não será, é claro, um comentário sistemático, e sim uma reflexão
em conjunto, procurando assimilar alguns dos seus pontos cruciais.
1. O
encontro pessoal com Jesus de Nazaré
Escrita em conclusão do sínodo dos bispos sobre a
nova evangelização, a exortação apresenta três polos de interesse interligados:
o sujeito, o objeto e o método de evangelização, ou seja, quem deve
evangelizar, o que se deve evangelizar e como se deve evangelizar. Sobre o
sujeito evangelizador, o papa diz que se trata de todos os batizados:
"Em virtude do batismo recebido, todos os
membros do povo de Deus se tornaram discípulos missionários (cf. Mt 28,19).
Todo batizado, seja qual for a sua função na Igreja e o nível de instrução da
sua fé, é um sujeito ativo da evangelização e seria inadequado pensar num
esquema de evangelização realizado por atores qualificados e no qual o resto do
povo fiel fosse apenas receptor das suas ações. A nova evangelização tem de
envolver um novo protagonismo de cada um dos batizados" (nº 120).
Esta afirmação não é nova. Ela já tinha sido feita
pelo beato Paulo VI na Evangelii nuntiandi e por São João Paulo II na
Christifideles laici. Bento XVI também insistiu no papel especial de
evangelização reservado à família[1]. Antes ainda, o chamado universal a
evangelizar tinha sido proclamado pelo decreto Apostolicam actuositatem, do
Concílio Vaticano II. Certa vez, ouvi um leigo norte-americano começar assim um
discurso de evangelização: "Dois mil e quinhentos bispos, reunidos no
Vaticano, me escreveram pedindo para vir anunciar o Evangelho a vocês".
Todos, é claro, ficaram curiosos para saber quem era aquele homem. E ele então,
cheio de bom humor, explicou que os dois mil e quinhentos bispos eram os que
tinham participado do Concílio Vaticano II e escrito o documento sobre o
apostolado dos leigos. Ele estava absolutamente certo: aquele documento não era
genérico, mas dirigido a todos os batizados e ele o considerava justamente como
dirigido a ele em pessoa.
Não é, portanto, neste ponto que se deve procurar a
novidade da EG do papa Francisco. Ele apenas reitera o que seus antecessores
tinham inculcado repetidamente. A novidade tem de ser buscada em outro lugar,
no apelo que ele faz aos leitores no início da carta e que, penso eu, constitui
o coração de todo o documento:
"Convido todos os cristãos, de todo lugar e
situação, a renovar hoje mesmo o seu encontro pessoal com Jesus Cristo, ou,
pelo menos, a tomar a decisão de se deixar encontrar por Ele, de procurá-lo
todos os dias com firmeza. Não há motivo para que alguém ache que este convite
não é para ele" (EG, nº 3).
Isto quer dizer que o objetivo último da
evangelização não é a transmissão de uma doutrina, mas o encontro com uma
pessoa, Jesus Cristo. A possibilidade de tal encontro cara a cara depende do
fato de que, ressuscitado, Jesus está vivo e quer andar ao lado de cada crente,
do mesmo jeito que andou ao lado dos dois discípulos na estrada para Emaús;
mais ainda, do mesmo jeito que estava presente no coração de ambos quando eles
voltavam para Jerusalém, depois de recebê-lo na partilha do pão.