A obra de
Lucas (Evangelho e Atos dos Apóstolos) oferece elementos inspiradores para o
tema proposto pela Campanha da Fraternidade neste ano de 2015. A proposta de
Jesus de Nazaré assumida pelas comunidades cristãs primitivas precisa ser
permanentemente resgatada pela Igreja, tendo em vista a sua missão
evangelizadora em cada contexto histórico-cultural.
O que mais falta
aos homens da Igreja é o Espírito de Cristo, a humildade, o despojamento de si
mesmo, a acolhida desinteressada, a capacidade de ver o melhor do outro. Nós
temos medo, queremos manter o que caducou, porque disso temos o hábito,
queremos ter razão contra os outros. Dissimulamos, sob o vocabulário de
humildade estereotipada, o espírito de orgulho e de poder. Brincamos de pôr a
vida à parte. Da Igreja fizemos uma organização como as outras. Empregamos
todas as nossas forças para organizá-la e agora as empregamos para fazê-la
funcionar. E ela caminha mais ou menos, menos do que mais, mas caminha. O
problema é que ela caminha como uma máquina, e não como a vida.
Essa afirmação
do patriarca ecumênico de Constantinopla, Atenágoras, feita há mais de quatro
décadas, possui caráter exortativo também para a Igreja na atualidade. Por
aquela mesma época, o Concílio Vaticano II, por meio da Constituição Pastoral Gaudium
et Spes, formulou princípios orientadores para a missão da Igreja num
mundo em acelerada transformação. De lá para cá, foram inúmeras as iniciativas,
em todos os âmbitos, para organizar uma Igreja mais humana e solidária,
respondendo aos clamores da sociedade, especialmente das pessoas abandonadas.
Peregrina neste
mundo, a Igreja precisa avançar sempre mais, rompendo com a tentação de
acomodar-se. E para avançar com liberdade evangélica, há necessidade de
abandono de tudo o que a impede de ser verdadeiramente discípula missionária do
Senhor. O documento da CNBB n. 100 – Comunidade de comunidades: uma nova
paróquia –chama-nos à conversão pastoral e nos orienta a sair “de uma
Igreja distante, burocrática e sancionadora” para uma Igreja mais evangélica,
comunitária, participativa, realista e mística (n. 37). O papa Francisco,
atento às demandas que emergem das comunidades pelo mundo afora, abraçou essa
causa com determinação. Seus ensinamentos, corroborados por seu testemunho,
inspiram-se na prática da Igreja das origens, seguidora de Jesus Cristo,
servidora do seu evangelho e, por isso mesmo, promotora da vida digna sem
exclusão. A Exortação Apostólica Evangelii Gaudium apresenta o caminho
a ser seguido pela Igreja em sua obra evangelizadora no mundo atual. É a
proposta do evangelho que precisa ser retomada com coragem. “A proposta é o Reino
de Deus (cf. Lc 4,43); trata-se de amar a Deus que reina no mundo. À
medida que ele conseguir reinar entre nós, a vida social será um espaço de
fraternidade, de justiça, de paz, de dignidade para todos” (EG 180).
Nesse sentido,
propõe-se aqui uma reflexão sobre o tema da Campanha da Fraternidade numa
perspectiva bíblico-teológica, buscando compreender a dimensão social da fé
cristã assumida pelas primeiras comunidades cristãs. Para isso, toma-se a obra
de Lucas como referência, pontuando alguns aspectos.