Que pensar das proibições
alimentares apresentadas no Livro do Levítico (carnes impuras, carne de
porco...)? O que a Igreja católica diz sobre isto? O que mudou com a vinda de
Jesus? O que permaneceu e o que foi abolido das leis antigas? Este texto tem
alguma relação com At 15,26-29? (Washington)
No
judaísmo, pautado pela Lei de Moisés, havia e há, ainda hoje, uma rígida
distinção entre alimentos puros e impuros. Ora, para o cristianismo tal
distinção não tem mais nenhum valor. O próprio Jesus afirma isto claramente:
“‘Nada há no exterior do homem que, penetrando nele, o possa tornar impuro...’
Assim ele declarava puros todos os alimentos” (Mc 7,14.19). Mais tarde, os Atos
dos Apóstolos confirmam a mesma idéia (cf. At 10,9-16). Também o texto que você
citou, At 15,26-29. E São Paulo, principalmente, insiste que tal distinção foi
totalmente superada em Cristo. Somente um exemplo: “Ninguém vos julgue por
questões de comida e de bebida, ou a respeito de festas anuais ou de lua nova
ou de sábados, que são apenas sombra de coisas que haviam de vir, mas a
realidade é o corpo de Cristo. Se morrestes com Cristo para os elementos do
mundo, por que é que vos sujeitais, como se ainda vivêsseis no mundo, a
proibições como ‘não pegues, não proves, não toques’” (Cl 2,16-17.20-21).
Observe que aqui o Apóstolo faz uma afirmação importantíssima: todas as
observâncias da Lei de Moisés eram apenas sombra (isto é, profecia, preparação
pedagógica) para a Realidade. E qual é a Realidade? É o Cristo ressuscitado,
presente no seu Corpo, que é a Igreja. A Realidade não é o povo de Israel, não
é a Lei de Moisés, mas o novo povo de Deus, que é a Igreja, Corpo de Cristo: a Realidade
é o Corpo de Cristo! São Paulo considera totalmente ultrapassada a guarda do
sábado, a distinção entre animais puros e impuros e todas as observâncias
judaicas.
E por que
isto? Primeiramente, porque Cristo renova todas as coisas, pela sua morte e
ressurreição e reconcilia tudo com o Pai: “Eis que eu faço novas todas as
coisas” (Ap 21,5). O próprio São João vai dizer: “Vi um novo céu e uma nova
terra” (Ap 21,1). Ora, na criação renovada em Cristo, já não há lugar para
afirmar que alguma coisa é impura. Isso seria diminuir a obra de Cristo, seria
afirmar que algo na criação ficou fora da sua salvação, da força da sua cruz!
Mas tem
mais. Não foi somente um ou outro ponto que Jesus aboliu na Lei de Moisés. É
toda a Lei de Moisés que, com Jesus, está superada! Atenção: superada, não
abolida! Compreendamos. São Paulo diz que a Lei era nossa pedagoga, isto é, nos
preparava para o Cristo. Agora que o Cristo chegou, ela não tem mais utilidade
(cf. Gl 3,24). Como o pedagogo levava a criança até a escola e a deixava lá,
assim, a Lei conduziu o povo de Israel a Cristo. Tudo quanto ela prometera,
cumpriu-se em Cristo. Ela já não tem mais utilidade. Veja bem: ela não passou,
não foi anulada, não caiu de podre! Ela foi cumprida, isto é, realizada
plenamente e, por isso mesmo, não tem mais utilidade. Como um botão, que se
cumpre na rosa e passa; como um treino, que se cumpre no dia da partida e
passa; como um ensaio, que se cumpre no dia do show e passa! Jesus disse que
jamais um iota da Lei iria passar, sem que tudo se cumprisse! Pois bem: ele
cumpriu tudo! Exemplos? Eis alguns: a travessia do povo no deserto, cumpriu-se
na travessia da Igreja pelo deserto do mundo, o maná cumpriu-se na Eucaristia,
a travessia do Mar Vermelho cumpriu-se no Batismo, Jerusalém, o povo de Israel,
Sião, cumpriram-se na Igreja, Adão, Isaac, Davi cumpriram-se em Jesus, o sábado
cumpriu-se no domingo, a serpente do deserto cumpriu-se no Cristo crucificado,
os dez mandamentos cumpriram-se na nova lei, que é o Espírito Santo de Amor...
Isto é
muito importante! Quando as seitas protestantes pentecostais ficam tomando
preceitos do Antigo Testamento, como a questão de imagens, de guardar o sábado,
de não fazer transfusão de sangue, de batizar nas águas e de outras coisas,
elas, no fundo estão negando que Cristo cumpriu a Lei! Se é assim, então que se
tornem judeus! É isto que São Paulo diz aos gálatas. Leia a Epístola! Isto é
central no cristianismo: nós não temos mais nenhuma obrigação de cumprir os
preceitos do Antigo Testamento! A única lei nossa é a lei do Novo Mandamento, a
lei do amor: amar a Deus e aos irmãos como Jesus... até a morte, até dar a
vida! “Não devais nada a ninguém, a não ser o amor mútuo, pois quem ama o
outro, cumpriu a Lei. Portanto, a caridade (= o amor) é a plenitude da Lei” (Rm
13,8-10).
Fica
ainda uma questão. Se não mais estamos obrigados a cumprir o Antigo Testamento,
por que a Igreja o conserva? Por que o lê na Santa Missa? Ora, o Antigo
Testamento tem quatro utilidades: (1) dá testemunho de Cristo, mostrando como o
Pai prometeu e preparou tudo para o seu Filho, de modo que Jesus foi anunciado
e esperado; (2) mostra a fidelidade amorosa de Deus que, na sua misericórdia,
conduziu e perdoou Israel e, assim, nos faz amar mais o Senhor e nele confiar;
(3) mostra os pecados e infidelidades de Israel e, assim, nos dá lições, pois
nos previne e revela também nossas fraquezas, (4) ajuda-nos na piedade para com
Deus. Basta! Além disso, não se deve pedir nada mais do Antigo Testamento!
Dom Henrique Soares da Costa
Bispo Auxiliar de Aracajú
Nenhum comentário:
Postar um comentário