Diversos
Presbíteros Diocesanos e Religiosos de diferentes Institutos são plenamente
engajados na vida pastoral de suas comunidades e vivem na própria carne os
dramas muito sofridos de gestões de prefeitos municipais não comprometidos com
a causa dos últimos. Nasce então neles o desejo de prestar um serviço maior ao
povo estando diretamente presentes nas estruturas políticas do executivo
municipal, conseguindo desta forma, pensam muitos, ter condições de interferir
a favor dos excluídos exercendo o poder do lado de dentro.
É possível um
religioso, presbítero ou não, ser candidato a prefeito municipal ?
A matéria que
rege a questão se encontra no Código de Direito Canônico de 1983
especificamente nos cânones 285 § 3º e 287 § § 1º e 2º
A) O cânon 285 diz no §1º: “Os clérigos se abstenham de
tudo aquilo que é inconveniente ao próprio estado, segundo as disposições do
direito particular”.
§ 2º- Evitem
aquilo que, mesmo não sendo indecoroso, é alheio ao estado clerical.
§ 3º- Os
clérigos são proibidos de assumir cargos públicos, que implicam participação no
exercício do poder civil.
§ 4 º – Sem a
licença do Ordinário próprio não se incumbam da administração de bens
pertencentes a leigos nem exerçam ofícios seculares que implicam obrigação de
prestar contas;
B) O cânon 287 diz: §1º “Os clérigos sempre favoreçam de
modo máximo a manutenção entre os homens da paz e da concórdia fundada na
justiça”
§ 2º “Os
clérigos não tenham parte ativa nos partidos políticos e na direção de
associações sindicais,a não ser que a juízo da competente autoridade
eclesiástica, o exijam a defesa dos direitos da Igreja ou a promoção do bem
comum”.
Na interpretação
abaixo são focalizados somente os aspectos canônico-jurídicos não sendo levados
em conta, embora fundamentais, a dimensão eclesiológica do Povo de Deus, o
lugar que deve ocupar o leigo na sociedade e nem mesmo o papel, a função e a
identidade do presbítero no mundo de hoje.
Observa-se que o
texto canônico latino em todos os parágrafos citados emprega diferentes verbos
com significados específicos, que nos ajudam na interpretação.
1. No cn 285 §1º está dito : “O que é inconveniente ao
estado clerical. A inconveniência de um “estado” é uma noção
relativa,mutável,histórica. Será preciso buscar a interpretação do que é
‘inconveniente” através de um conjunto de elementos objetivos e de elementos
sócio-subjetivos valorados relativamente a épocas, lugares e contextos
culturais. Por tal motivo não é possível determinar penalidades específicas
para quem transgride tal norma; o livro VI do Código ao apresentar os tipos de
sanções na igreja silencia sobre este ponto.Sabe-se que o que é inconveniente
em um lugar,época ou cultura não o será em outro contexto.
2. – O conteúdo do § 2º deve ser lido tendo presente o
explicitado nos parágrafos 3º e 4º do referido cânon.. O teor da norma deste §
2º é inferior, isto é, menos incisivo que o do 1º parágrafo atendo-se aos
termos latinos empregados.
3 – Os cargos
públicos nas áreas dos poderes no nível federal, estadual ou municipal são
exercício do poder civil.
A norma
apresentada no § 3º é taxativa e claramente proibitiva. Não são previstas
exceções nem dispensas, a tradução brasileira diz que “são proibidos de
assumir” mas o verbo latino empregado é “vetantur”. Tal verbo carrega maior
peso que sua tradução “proibir”. Trata-se de uma proibição taxativa = vetare.
3. O parágrafo 4º compreende um conjunto de encargos e
deveres transitórios , privados ou públicos. Todos os ocupantes de qualquer
cargo público estão obrigados tanto ética quanto juridicamente a prestar
contas. O verbo latino empregado ajuda a diferenciar mais claramente em que
este parágrafo é diverso do anterior. Não é empregado “vetantur” mas “ne
ineant”. Não se trata de proibição, mas de uma recomendação. É um subjuntivo
exortativo. Assim sendo, com a licença do Ordinário próprio (Bispo Diocesano;
Superior Provincial), pode-se exercer um ofício que implique na obrigação de
prestação de contas, quando tal encargo for transitório.
4. O cânon 287 § 2º veta aos clérigos duas coisas: uma
referente a partidos políticos e outra a sindicatos .-”Veta-se ao clérigo ter
parte ativa nos partidos políticos, isto é, não pode ser filiado e portanto
exercer tudo aquilo que tal filiação implica. Como, por ex., ter voz e vez nas
decisões e eleições do partido. Atendo-se ao texto da lei, não é vetado ao
clérigo ser militante de algum partido.
Quanto a
Sindicatos, é vetado ao clérigo tomar parte na direção deles, podendo no
entanto se filiar a algum”.
O texto latino
deste parágrafo diz: “ne habeant” (não tenham). Trata-se de um subjuntivo
exortativo, uma exortação, uma recomendação. Traduzido em linguagem coloquial
seria dito ao clérigo: “Olhe! Cuidado! Não entre nessa! Sua missão de clérigo é
outra!”.
Estas duas
restrições não são proibições fechadas em si mesmas, porque admitem exceções.
As licenças para que o clérigo se filie a um partido político ou faça parte da
direção de algum sindicato não devem ser dadas de modo aleatório. O texto
canônico restringe sua concessão a duas exigências fundadas numa realidade bem
específica. O Ordinário Eclesiástico Competente poderá dar a licença quando
estiver em questão “a defesa dos direitos da igreja” ou “a promoção do bem
comum”.
É bom notar que
a legislação civil determina que só é possível ser candidato a prefeito municipal
filiando-se a algum partido político, dentro do prazo da lei.
5. Se for dada a licença a um clérigo para se filiar a um
partido e em decorrência se candidatar, seu Ordinário Próprio poderá (e deverá,
por coerência,)colocar uma condição: que o presbítero (religioso ou diocesano)
se afaste temporariamente do exercício do ministério presbiteral. E se o
clérigo for religioso deve estar implicada na licença a questão da
exclaustração temporária. É questão de “coerência” porque o presbítero é aquele
que deve ser o facilitador da união na comunidade entre todos os cristãos
pertencentes a qualquer filiação partidária,e isto não seria possível no
período da “campanha” política, pelo menos.
É bom notar que
a restrição apresentada no cânon não compreende : em abandonar as próprias
idéias políticas; em não ter nenhuma posição política ;nem mesmo não votar no
partido que o clérigo julga em consciência ser o que atende mais ao ideal de
justiça e paz. Nada impede pois que o clérigo possa ter sua opção partidária,
sem a “filiação” que não é recomendada pelo direito canônico .
6 Conforme o cn.
672 a autoridade competente do religioso é o Provincial, o Superior ou outro
nome que lhe é dado conforme as constituições e estatutos de cada Instituto de
Vida Consagrada. Devendo-se neste caso haver um entendimento entre o Superior
do Instituto Religioso e o Bispo Diocesano.
7 , Alguns
critérios da Igreja Católica para os religiosos, tirados do Documento
“Religiosos e Promoção Integral da Pessoa Humana.”que embora sendo da década de
80 continuam atualíssimos quanto a esta matéria:
a. Os religiosos não devem se deixar levar pela ilusão de
poder interferir cada vez mais no desenvolvimento das pessoas e dos povos,
substituindo os próprios deveres específicos com um empenho político no sentido
estrito do termo;
b. Construir o Reino de Deus dentro das próprias
estruturas do mundo, enquanto animadores da história do homem… com vivo
interesse… mas não no sentido de se deixarem envolver na “práxis política
partidária”… e promover de todos os modos a juventude, a mulher, os excluídos
mas não por estratégia de conquista, é tornarem-se úteis, como tal, para o
soerguimento e construção da sociedade…. como homens e mulheres instrumentos de
pacificação e de solidariedade fraterna;
c. Uma participação política partidária ativa continua a
ser uma exceção e uma questão de suplência, que deve ser pensada e pesada
segundo critérios específicos em cada caso. Mas sua missão continua sendo
sempre formar os leigos para a política.
José
Nacif Nicolau, pe.,
Mestre em Direito Canônico Professor nos Institutos de teologia ISTA em
Belo Horizonte e ITASA (CES) em Juiz de Fora; Vice Presidente da Sociedade
Brasileira de Canonistas (2º mandato).
_________________________________________
Consultas:
Código de
Direito Canônico, Ed Loyola, 1983
Dicionário
de Direito Canônico. Ed. Loyola. 1998
GUIRLANDA,
G Il Diritto nella Chiesa mistero de comunione. Ed. Paoline-Editrice Universtà
Gregoriana. Roma-Milano. 1990
ANDRÉS,
Domingo Javier. El Derecho de Los Religiosos. Publicaciones Claretianas.Madrid.
1996. 4ª Ed
D’OSTILIO,
Francesco. Prontuario del Codice di Diritto Canonico. Libreria Editrice
Vaticana. 1995.
_______________________________
Fonte: Clerus
Disponível em: Presbíteros
Nenhum comentário:
Postar um comentário