domingo, 5 de abril de 2015

Sobre a Ressurreição de Cristo, segundo São Marcos


A ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo lê-se estes dias, como é costume, segundo cada um dos livros do santo Evangelho. Na leitura de hoje ouvimos Jesus Cristo censurando os discípulos, primeiros membros seus, companheiros seus: porque não criam estar vivo aquele mesmo por cuja morte choravam. Pais da fé, mas ainda não fiéis; mestres - e a terra inteira haveria de crer no que pregariam, pelo que, aliás, morreriam - mas ainda não criam. Não acreditavam ter ressuscitado aquele que haviam visto ressuscitando os mortos. Com razão, censurados: ficavam patenteados a si mesmos, para saberem o que seriam por si mesmos os que muito seriam graças a ele.

E foi deste modo que Pedro se mostrou quem era: quando iminente a Paixão do Senhor, muito presumiu; chegada a Paixão, titubeou. Mas caiu em si, condoeu-se, chorou, convertendo-se a seu Criador.

Eis quem eram os que ainda não criam, apesar de já verem. Grande, pois, foi a honra a nós concedida por aquele que permitiu crêssemos no que não vemos! Nós cremos pelas palavras deles, ao passo que eles não criam em seus próprios olhos.

A ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo é a vida nova dos que crêem em Jesus, e este é o mistério da sua Paixão e Ressurreição, que muito devíeis conhecer e celebrar. Porque não sem motivo desceu a Vida até a morte. Não foi sem motivo que a fonte da vida, de onde se bebe para viver, bebeu desse cálice que não lhe convinha. Por que a Cristo não convinha a morte. 

sábado, 4 de abril de 2015

Sermão da Vigília Pascal


O bem-aventurado apóstolo Paulo, exortando-nos a que o imitemos, dá entre outros sinais de sua virtude o seguinte: "freqüente nas vigílias" 1.

Com quanto maior júbilo não devemos também nós vigiar nesta vigília, que é como a mãe de todas as santas vigílias, e na qual o mundo todo vigia?

Não o mundo, do qual está escrito: "Se alguém amar o mundo, nele não está a caridade do Pai, pois tudo o que há no mundo é concupiscência dos olhos e ostentação do século, e isto não procede do Pai" 2.

Sobre tal mundo, isto é, sobre os filhos da iniqüidade, reinam o demônio e seus anjos. E o Apóstolo diz que é contra estes que se dirige a nossa luta: "Não contra a carne e o sangue temos de lutar, mas contra os principados e as potestades, contra os dominadores do mundo destas trevas" 3.

Ora, maus assim fomos nós também, uma vez; agora, porém, somos luz no Senhor. Na Luz da Vigília resistamos, pois, aos dominadores das trevas.

Não é, portanto, esse o mundo que vigia na solenidade de hoje, mas aquele do qual está escrito: "Deus estava reconciliando consigo o mundo, em Cristo, não lhe imputando os seus pecados" 4.

E é tão gloriosa a celebridade desta vigília, que compele a vigiarem na carne mesmo os que, no coração, não digo dormirem, mas até jazerem sepultos na impiedade do tártaro. Vigiam também eles esta noite, na qual visivelmente se cumpre o que tanto tempo antes fora prometido: "E a noite se iluminará como o dia" 5. Realiza-se isto nos corações piedosos, dos quais se disse: "Fostes outrora trevas, mas agora sois luz no Senhor". Realiza-se isto também nos que zelam por todos, seja vendo-os no Senhor, seja invejando ao Senhor. Vigiam, pois, esta noite, o mundo inimigo e o mundo reconciliado. Este, liberto, para louvar o seu Médico; aquele, condenado, para blasfemar o seu Juiz. Vigia um, nas mentes piedosas, ferventes e luminosas; vigia o outro, rangendo os dentes e consumindo-se. Enfim, ao primeiro é a caridade que lhe não permite dormir, ao segundo, a iniqüidade; ao primeiro, o vigor cristão, ao segundo o livor diabólico. Portanto, pelos nossos próprios inimigos sem o saberem eles, somos advertidos de como devamos estar hoje vigiando por nós, se por causa de nós não dormem também os que nos invejam. 

Sábado Santo


Hoje, é o dia alitúrgico por excelência. Ontem, Sexta-feira Santa da Paixão do Senhor, houve ao menos a Solene Ação Litúrgica, com Adoração da Cruz, Liturgia da Palavra, Oração Universal e Comunhão. Hoje, Sábado Santo, nem isso! Até a Comunhão nos é tirada, tamanha a dor e profundo o luto pela morte de Nosso Senhor Jesus Cristo!

A Quaresma é toda pedagógica em suas perdas... Já na Septuagésima (que só existe na forma extraordinária), o Aleluia e o Glória nos são tirados. Na Quaresma, em si, também as flores e o solo de órgão, relegando a música ao mero sustentar do canto. Depois, no V Domingo da Quaresma (antigamente, I Domingo da Paixão, como ainda é chamado na forma extraordinária), até as imagens sacras perdemos, pois são veladas com um manto. Cessa, então, no Tríduo, mesmo o órgão para acompanhar o canto é suprimido, com exceção da Missa in Coena Domini até o Glória, quando volta a não mais ser tocado até o Glória da Solene Vigília Pascal. Na Sexta-feira Santa, então, nem mais a Missa temos, ainda que nos reste a Comunhão, e, enfim, no Sábado Santo, hoje, nem ela... Ficamos no vazio, fora a Liturgia das Horas, esperando o Aleluia romper na Vigília! 

Papa aos presidiários de Rebibbia: Jesus nos ama sem limites.


SANTA MISSA NA CEIA DO SENHOR

HOMILIA DO PAPA FRANCISCO

Igreja "Padre Nosso"
Novo Pavilhão do Presídio de Rebibbia, Roma
Quinta-feira Santa, 2 de Abril de 2015


Nesta quinta-feira, Jesus estava à mesa com os discípulos, celebrando a festa da Páscoa. A passagem do Evangelho que escutamos contém uma frase que é justamente o centro daquilo que Jesus fez por todos nós: «Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim» (Jo 13,1). Jesus nos amou. Jesus nos ama. Sem limites, sempre, até o final. O amor de Jesus por nós não tem limites: sempre mais, sempre mais. Nunca se cansa de amar ninguém. Ama todos nós, ao ponto de dar a sua vida por nós. Sim, dar a vida por nós; sim dar a vida por todos nós, dar a vida por cada um de nós. E cada um de nós pode dizer: “Ele deu a vida por mim”. Cada um. Deu a vida por ti, por ti, por ti, por mim, por ele... por cada um, com nome e sobrenome. O seu amor é assim: pessoal. O amor de Jesus nunca decepciona, porque Ele nunca se cansa de amar, como não se cansa de perdoar, não se cansa de nos abraçar. Esta é a primeira coisa que queria vos dizer: Jesus nos amou, cada um de nós, até o final.

Em seguida, faz isto que os discípulos não entendiam: lavar os pés. Naquele tempo, isso era um costume, era um hábito, pois quando uma pessoa chegava numa casa, estava com os pés imundos com o pó da estrada; não existiam os paralelepípedos naquele tempo... Havia o pó da estrada. E na entrada da casa, os seus pés eram lavados. Mas isso não era o dono da casa que fazia, eram os escravos que o faziam. Era um trabalho de escravos. E Jesus, como escravo, lava os nossos pés, os pés dos discípulos, e por isso diz: «Agora, não entendes – se dirigia a Pedro - o que estou fazendo; mais trade compreenderás» (Jo 13,7). Jesus: tão grande é o seu amor que se fez escravo para nos servir, para nos curar, para nos limpar. 

A descida do Senhor à mansão dos mortos 


Que está acontecendo hoje? Um grande silêncio reina sobre a terra. Um grande silêncio e uma grande solidão. Um grande silêncio, porque o Rei está dormindo; a terra estremeceu e ficou silenciosa, porque o Deus feito homem adormeceu e acordou os que dormiam há séculos. Deus morreu na carne e despertou a mansão dos mortos.

Ele vai antes de tudo à procura de Adão, nosso primeiro pai, a ovelha perdida. Faz questão de visitar os que estão mergulhados nas trevas e na sombra da morte. Deus e seu Filho vão ao encontro de Adão e Eva cativos, agora libertos dos sofrimentos. 

O Senhor entrou onde eles estavam, levando em suas mãos a arma da cruz vitoriosa. Quando Adão, nosso primeiro pai, o viu, exclamou para todos os demais, batendo no peito e cheio de admiração: “O meu Senhor está no meio de nós”. E Cristo respondeu a Adão: “E com teu espírito”. E tomando-o pela mão, disse: “Acorda, tu que dormes, levanta-te dentre os mortos, e Cristo te iluminará. 

Eu sou o teu Deus, que por tua causa me tornei teu filho; por ti e por aqueles que nasceram de ti, agora digo, e com todo o meu poder, ordeno aos que estavam na prisão: ‘Saí!’; e aos que jaziam nas trevas: ‘Vinde para a luz!’; e aos entorpecidos: ‘Levantai-vos!’ 

Eu te ordeno: Acorda, tu que dormes, porque não te criei para permaneceres na mansão dos mortos. Levanta-te dentre os mortos; eu sou a vida dos mortos. Levanta-te, obra das minhas mãos; levanta-te, ó minha imagem, tu que foste criado à minha semelhança. Levanta-te, saiamos daqui; tu em mim e eu em ti, somos uma só e indivisível pessoa.  

O Sábado Santo


Hoje é um dia de silêncio na Igreja: Cristo jaz no sepulcro e a Igreja medita, admirada, o que fez este Senhor nosso por nós. Guarda silêncio para aprender do Mestre, ao contemplar o seu corpo destroçado.

Cada um de nós pode e deve unir-se ao silêncio da Igreja. E ao considerar que somos responsáveis por essa morte, esforçar-nos-emos para que as nossas paixões, as nossas rebeldias, tudo o que nos afaste de Deus, guardem silêncio. Mas sem estarmos meramente passivos: é uma graça que Deus nos concede quando a pedimos diante do Corpo morto do seu Filho, quando nos empenhamos por tirar da nossa vida tudo o que nos afasta d’Ele.

O Sábado Santo não é um dia triste. O Senhor venceu o demônio e o pecado, e dentro de poucas horas vencerá também a morte com a sua gloriosa Ressurreição. Reconciliou-nos com o Pai celestial: já somos Filhos de Deus! É necessário fazer propósitos de agradecimento, que tenhamos a segurança de superar todos os obstáculos, sejam de que tipo for, se nos mantivermos bem unidos a Jesus pela oração e pelos sacramentos.

sexta-feira, 3 de abril de 2015

A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo: ECCE HOMO: "Eis aqui o homem".

"Eis aqui o homem"

1. Pilatos, vendo o Redentor reduzido a um estado tão digno de toda a compaixão, pensou que a sua só vista comoveria os judeus e por isso, conduziu-o a uma varanda, levantou o farrapo de púrpura e, mostrando ao povo o corpo de Jesus coberto de chagas e dilacerado, disse-lhe: “Eis aqui o homem” (Jo 19,4).

Ecce homo, como se quisesse dizer: Eis o homem que acusastes perante mim como se
O homem das dores
pretendesse fazer-se rei; eu, para Vos agradar, condenei-o aos flagelos, ainda que inocente. “Eis o homem, não ilustre pelo império, mas repleto de opróbrio”
(St. Ag. Trac. 11 in Jo 6). Ei-lo reduzido a tal estado que parece um homem esfolado ao qual restam poucos instantes de vida. Se, apesar de tudo, pretendeis que eu o condene à morte, afirmo-Vos que não posso fazê-lo, porque não encontro motivo para o condenar. Mas os judeus, à vista de Jesus assim maltratado, mais se enfurecem: “Ao verem-no, os pontífices e ministros clamavam, dizendo: ‘Crucifica-o, crucifica-o’. Vendo Pilatos que não se acalmavam, lavou as mãos à vista do povo, dizendo: ‘Sou inocente do sangue deste justo: Vós lá Vos avinde’. E eles responderam: ‘Seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos” (Mt 27,23-26).
 
Ó meu amado Salvador, Vós sois o maior de todos os reis, mas agora eu Vos vejo como o homem mais desprezado, dentre todos: se esse povo ingrato não Vos conhece, eu Vos conheço e Vos adoro por meu verdadeiro rei e Senhor. Agradeço-Vos, ó meu Redentor, por tantos ultrajes por mim recebidos e suplico-Vos me deis amor aos desprezos e aos sofrimentos, já que Vós os abraçastes com tanto afeto.

Envergonho-me de haver no passado amado tanto as honras e os prazeres, chegando por sua causa a renunciar tantas vezes à Vossa graça e ao Vosso amor; arrependo-me disso mais que de todas as coisas. Abraço, Senhor, todas as dores e ignomínias que vossas mãos me enviarem; dai-me aquela resignação de que necessito. Amo-Vos, meu Jesus, meu amor, meu tudo.

Paixão do Senhor: Quantos prisioneiros na mesma condição de Jesus!


CELEBRAÇÃO DA PAIXÃO DO SENHOR
ECCE HOMO!

Basílica de São Pedro
Sexta-feira, 03 de abril de 2015

Acabamos de ouvir o relato do julgamento de Jesus perante Pilatos. Há nele um momento que nos pede uma atenção especial.

“Pilatos mandou então flagelar Jesus. Os soldados teceram de espinhos uma coroa, puseram-na sobre a sua cabeça e o cobriram com um manto de púrpura. Aproximavam-se dele e diziam: Salve, rei dos judeus! E davam-lhe bofetadas. Pilatos saiu outra vez e disse-lhes: Eis que vo-lo trago fora, para que saibais que não acho nele nenhum motivo de acusação. Apareceu então Jesus, trazendo a coroa de espinhos e o manto de púrpura. Pilatos disse: Ecce homo! Eis o homem!” (Jo 19,1-5).

Entre as muitas pinturas que retratam o Ecce Homo, há uma que sempre me impressionou. É de Jan Mostaert, pintor flamengo do século XVI, e está na National Gallery de Londres. Tentarei descrevê-la. Ela nos ajudará a imprimir melhor na mente o episódio, já que o pintor transcreve fielmente, em cores, os dados do relato evangélico, especialmente do relato de Marcos (Mc 15,16-20).

Jesus tem na cabeça uma coroa de espinhos. Um feixe de arbustos espinhosos que estava no pátio, talvez para fazer fogo, deu aos soldados a ideia dessa cruel zombaria da sua realeza. Da cabeça de Jesus descem gotas de sangue. Sua boca está semiaberta, como que lutando para respirar. Sobre os ombros, sulcados pelos golpes recentes da flagelação, um manto pesado e desgastado, mais próximo da lata que da estopa. Ele tem os pulsos amarrados por uma corda grosseira; em uma das mãos, eles colocaram um pedaço de pau a fazer as vezes de cetro e, na outra, um feixe de varetas, símbolos que ridicularizavam a sua majestade. Jesus não pode mover sequer um dedo; é o homem reduzido à total impotência, o protótipo de todos os algemados da história.