O bem-aventurado apóstolo Paulo, exortando-nos a
que o imitemos, dá entre outros sinais de sua virtude o seguinte:
"freqüente nas vigílias" 1.
Com quanto maior júbilo não devemos também nós
vigiar nesta vigília, que é como a mãe de todas as santas vigílias, e na qual o
mundo todo vigia?
Não o mundo, do qual está escrito: "Se alguém
amar o mundo, nele não está a caridade do Pai, pois tudo o que há no mundo é
concupiscência dos olhos e ostentação do século, e isto não procede do
Pai" 2.
Sobre tal mundo, isto é, sobre os filhos da
iniqüidade, reinam o demônio e seus anjos. E o Apóstolo diz que é contra estes
que se dirige a nossa luta: "Não contra a carne e o sangue temos de lutar,
mas contra os principados e as potestades, contra os dominadores do mundo
destas trevas" 3.
Ora, maus assim fomos nós também, uma vez; agora,
porém, somos luz no Senhor. Na Luz da Vigília resistamos, pois, aos dominadores
das trevas.
Não é, portanto, esse o mundo que vigia na
solenidade de hoje, mas aquele do qual está escrito: "Deus estava
reconciliando consigo o mundo, em Cristo, não lhe imputando os seus
pecados" 4.
E é tão gloriosa a celebridade desta vigília, que compele
a vigiarem na carne mesmo os que, no coração, não digo dormirem, mas até
jazerem sepultos na impiedade do tártaro. Vigiam também eles esta noite, na
qual visivelmente se cumpre o que tanto tempo antes fora prometido: "E a
noite se iluminará como o dia" 5. Realiza-se isto nos corações piedosos,
dos quais se disse: "Fostes outrora trevas, mas agora sois luz no
Senhor". Realiza-se isto também nos que zelam por todos, seja vendo-os no
Senhor, seja invejando ao Senhor. Vigiam, pois, esta noite, o mundo inimigo e o
mundo reconciliado. Este, liberto, para louvar o seu Médico; aquele, condenado,
para blasfemar o seu Juiz. Vigia um, nas mentes piedosas, ferventes e
luminosas; vigia o outro, rangendo os dentes e consumindo-se. Enfim, ao
primeiro é a caridade que lhe não permite dormir, ao segundo, a iniqüidade; ao
primeiro, o vigor cristão, ao segundo o livor diabólico. Portanto, pelos nossos
próprios inimigos sem o saberem eles, somos advertidos de como devamos estar
hoje vigiando por nós, se por causa de nós não dormem também os que nos
invejam.
Dentre ainda os que não estão assinalados com o
nome de cristãos, muitos são os que não dormem esta noite por causa da dor, ou
por vergonha. Dentre os que se aproximam da fé, há os que não dormem por temor.
Por motivos vários, pois, convida hoje à vigília a solenidade (da Páscoa). Por
isso, como não deve vigiar com alegria aquele que é amigo de Cristo, se até o
inimigo o faz, embora contrariado? Como não deve arder o cristão por vigiar,
nessa glorificação tão grande de Cristo, se até o pagão se envergonha de
dormir? Como não deve vigiar em sua solenidade, o que já ingressou nesta grande
Casa, se até o que apenas pretende nela ingressar já vigia?
Vigiemos, e oremos; para que tanto exteriormente
quanto interiormente celebremos esta Vigília. Deus nos falará durante as
leituras; falemos-lhe também nós em nossas preces. Se ouvimos obediente as suas
palavras, em nós habita Aquele a. quem oramos.
Santo Agostinho, Bispo de Hipona
NOTAS:
1 2Cor 11,27
2 1]0 2,15
3 Ef 6,12
4 2Cor 5,19
5 SI 138,12.
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Disponível em: Ecclesia
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