A partir deste domingo, a liturgia interrompe a leitura do Evangelho de São Marcos e intercala um longo trecho do Evangelho de São João, que contém a narrativa da multiplicação dos pães e o discurso eucarístico de Jesus na sinagoga de Cafarnaum (cf. Jo 6). Tudo isto tem seu motivo prático: o Evangelho de São Marcos é o mais breve de todos e não chega a preencher todo o ano litúrgico e, por isso, é integrado com o Evangelho de São João, que não é lido no ciclo dos anos litúrgicos. O importante é que, durante quatro domingos teremos a oportunidade de desenvolver uma catequese sobre o Sacramento da Eucaristia.
Na primeira leitura, o profeta Eliseu, ao partilhar o pão que lhe foi oferecido com as pessoas que o rodeiam, testemunha a vontade de Deus em saciar a “fome” do mundo; e sugere que Deus vem ao encontro dos necessitados através dos gestos de partilha e de generosidade para com os irmãos que os “profetas” são convidados a realizar.
A Palavra de Deus, em Jo 6, 1– 15, mostra-nos Jesus num lugar afastado, junto ao lago de Genesaré, no meio de uma multidão de povos provenientes das cidades vizinhas. Eram, aproximadamente, cerca de cinco mil homens ( cf. Jo 6, 10 ). E enquanto o Senhor falava, ninguém pensou no cansaço, nem nas horas que tinham passado sem comer, nem na falta de provisões e na impossibilidade de obtê-las. As palavras de Jesus tinham cativado a todos e ninguém se lembrou da fome nem da hora de regressar. Mas Jesus compreende nossas necessidades materiais, e por isso compadeceu-se também dos corpos exaustos daqueles que o tinham seguido. E realiza o esplêndido milagre da multiplicação dos pães e dos peixes.
Depois de mandar que se sentassem na relva, Jesus, tomando os cinco pães e os dois peixes, levantando os olhos ao Céu, pronunciou a bênção e, partindo os pães os deu aos discípulos e os discípulos às multidões. Todos comeram até ficarem saciados. O Senhor cuida dos seus, dos que O seguem!
O relato do Milagre começa com as mesmas palavras e descreve os mesmos gestos com que os Evangelhos e São Paulo nos transmitem a instituição da Eucaristia (Mt 26, 26; Mc 14, 22; Lc 22, 19; 1Cor 11, 25). Esse milagre, além de ser uma manifestação da misericórdia divina de Jesus para com os necessitados, era figura da Sagrada Eucaristia, da qual o Senhor falaria pouco depois, na sinagoga de Cafarnaum ( Jo 6, 26 – 59). Assim o interpretaram muitos Padres da Igreja. O olhar orienta -se para a Eucaristia, o perpetuar- se deste dom: Cristo faz – se Pão de Vida para os homens. Santo Agostinho comenta assim: “Quem, a não ser Cristo, é o Pão do Céu? Mas para que o homem pudesse comer o Pão dos Anjos, o Senhor dos anjos fez-se homem. Se isso não se tivesse realizado, não teríamos o seu Corpo; sem termos o Corpo que lhe é próprio, não comeríamos o Pão do Altar” ( Sermão 130, 2 ). A Eucaristia é o grande encontro permanente do homem com Deus, em que o Senhor se faz nosso alimento, em que se oferece a Si próprio para nos transformar n’Ele mesmo.
O milagre daquela tarde junto do lago, manifestou o poder e o amor de Jesus pelos homens. Poder e amor que hão de possibilitar também, ao longo da história, que o Corpo de Cristo seja encontrado, sob as espécies sacramentais, pelas multidões dos fiéis que O procurarão famintas e necessitadas de consolo. Como diz São Tomás de Aquino: “… tomam-no um, tomam-no mil, tomam-no este ou aquele, mas não se esgota quando O tomam…”.
Se só repartir resolvesse, já não haveria mais fome no mundo. Se Jesus fez tantos outros milagres como a cura de cegos, surdos e tantos mais, por que não poderia multiplicar os pães? É curioso que o termo “multiplicação” não esteja presente no texto deste trecho do Evangelho. O que, em vez, está no texto é a palavra “repartiu”. Mas pelo tanto de comida que havia – poucos pães e peixes, nossa lógica nos obriga a pensar que Ele primeiro multiplicou, para depois dividir entre todos. Cristo tem o poder não só de multiplicar os pães, mas também todos os dons materiais e espirituais que achar necessário.
Vimos no relato do milagre que aquelas pessoas até se esqueceram da comida para não perderem o contato com Jesus. Peçamos a graça de sempre procurarmos o Mestre, desejar recebê-Lo na Eucaristia. Nós O encontramos na Sagrada Comunhão. Ele nos espera a cada um! Não fica na expectativa de que lhe peçamos alguma coisa: antecipa-se e cura-nos das nossas fraquezas, protege-nos contra os perigos, contra as vacilações que pretendem separar-nos dEle, e dá vida ao nosso caminhar. Cada Comunhão é uma fonte de graças, uma nova luz e um novo impulso que, às vezes sem o notarmos, nos dá fortaleza para enfrentarmos com garbo humano e sobrenatural a vida diária, a fim de que os nossos afazeres nos levem até Ele.
Peçamos ao Senhor que nos faça redescobrir a importância de nos alimentarmos não só de Pão, mas de Verdade, de Amor, de Cristo, do Corpo de Cristo, participando fielmente e com grande consciência na Eucaristia, para estarmos cada vez mais intimamente unidos a Ele. Com efeito, “não é o Alimento Eucarístico que se transforma em nós, mas somos nós que acabamos misteriosamente mudados por Ele. Cristo alimenta-nos, unindo-nos a Si; ‘atrai-nos para dentro de Si’” ( Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis, 70 ).
Jesus, realmente presente na Sagrada Eucaristia, dá a este sacramento uma eficácia sobrenatural infinita. A Santíssima Eucaristia é a doação máxima que Jesus Cristo fez de si mesmo, revelando-nos o amor infinito de Deus por cada homem. Na Eucaristia, Jesus não dá “alguma coisa”, mas dá-se a Si mesmo; entrega o seu corpo e derrama o seu sangue. Graças à Eucaristia, a Igreja renasce sempre de novo! Quanto mais viva for a fé eucarística no povo de Deus, tanto mais profunda será a sua participação na vida eclesial por meio de uma adesão convicta à missão que Cristo confiou aos seus discípulos.
Na segunda leitura, Paulo lembra aos crentes algumas exigências da vida cristã. Recomenda-lhes, especialmente, a humildade, a mansidão e a paciência: são atitudes que não se coadunam com esquemas de egoísmo, de orgulho, de auto-suficiência, de preconceito em relação aos irmãos.
Jesus é, além de Salvador, Nosso Mestre. Além de fazer milagres, como o da multiplicação dos pães, preocupou-Se em nos ensinar a recolher e guardar os pedaços que sobraram. A lição que quis nos dar é a de que não podemos viver somente de milagres. Cristo não é um mágico a quem recorremos em cima da hora dos nossos compromissos para que Ele dê uma solução fantástica e imediata. Diante deste texto sagrado da Liturgia de hoje nós deveríamos nos perguntar se estamos tendo fé suficiente a fim de acreditarmos que Jesus, Nosso Senhor, tem poder para nos dar Seus dons em abundância e se cuidamos destes dons colocando-os a serviço da Igreja e da humanidade.
Durante cinco domingos seguidos lemos no capítulo seis de São João, onde se narra o discurso-catequese de Jesus sobre o Pão da vida. João é o teólogo da Eucaristia. A vida cristã tem o seu centro na Eucaristia. Sem a Eucaristia não podemos viver. A Eucaristia exige e nos compromete a compartilhar também os nossos diversos pães com os irmãos: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. Sim, dar o nosso pão para o povo (1ª leitura). E dá-lo com humildade, amabilidade, compreensão (2ª leitura).