terça-feira, 29 de setembro de 2015

Mensagem do Papa para Jornada Mundial da Juventude 2016


MENSAGEM
Mensagem do Papa Francisco para a 
Jornada Mundial da Juventude 2016
Segunda-feira, 28 de setembro

«Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia» (Mt 5, 7)

Queridos jovens!

Chegamos à última etapa da nossa peregrinação para Cracóvia, onde juntos, no mês de Julho do próximo ano, celebraremos a XXXI Jornada Mundial da Juventude. No nosso longo e exigente caminho, temos sido guiados pelas palavras de Jesus tiradas do «Sermão da Montanha». Iniciámos este percurso em 2014, meditando juntos sobre a primeira Bem-aventurança: «Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu» (Mt 5, 3). O ano de 2015 teve como tema «felizes os puros de coração, porque verão a Deus» (Mt 5, 8). No ano que temos pela frente, queremos deixar-nos inspirar pelas palavras: «Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia»(Mt 5, 7).

1. Jubileu da Misericórdia

Com este tema, a JMJ de Cracóvia 2016 insere-se no Ano Santo da Misericórdia, tornando-se um verdadeiro e próprio Jubileu dos Jovens a nível mundial. Não é a primeira vez que um encontro internacional dos jovens coincide com um Ano Jubilar. De facto, foi durante o Ano Santo da Redenção (1983/1984) que São João Paulo II convocou pela primeira vez os jovens de todo o mundo para o Domingo de Ramos. Depois durante o Grande Jubileu do ano 2000, mais de dois milhões de jovens, provenientes de cerca 165 países, reuniram-se em Roma para a XV Jornada Mundial da Juventude. Como aconteceu nestes dois casos anteriores, tenho certeza de que o Jubileu dos Jovens em Cracóvia será um dos momentos fortes deste Ano Santo.

Talvez algum de vós se interrogue: Que é este Ano Jubilar celebrado na Igreja? O texto bíblico de Levítico 25 ajuda-nos a compreender o significado que tinha um «jubileu» para o povo de Israel: de cinquenta em cinquenta anos, os judeus ouviam ressoar a trombeta (jobel) que os convocava (jobil) para celebrarem um ano santo como tempo de reconciliação (jobal) para todos. Neste período, devia-se recuperar uma relação boa com Deus, com o próximo e com a criação, baseada na gratuidade. Por isso, entre outras coisas, promovia-se o perdão das dívidas, uma particular ajuda a quem caíra na miséria, a melhoria das relações entre as pessoas e a libertação dos escravos.

Jesus Cristo veio anunciar e realizar o tempo perene da graça do Senhor, levando a boa nova aos pobres, a liberdade aos prisioneiros, a vista aos cegos e a libertação aos oprimidos (cf. Lc 4, 18-19). N’Ele, especialmente no seu Mistério Pascal, realiza-se plenamente o sentido mais profundo do jubileu. Quando, em nome de Cristo, a Igreja convoca um jubileu, somos todos convidados a viver um tempo extraordinário de graça. A própria Igreja é chamada a oferecer, com abundância, sinais da presença e proximidade de Deus, a despertar nos corações a capacidade de olhar para o essencial. Nomeadamente este Ano Santo da Misericórdia «é o tempo para a Igreja reencontrar o sentido da missão que o Senhor lhe confiou no dia de Páscoa: ser instrumento da misericórdia do Pai» (Homilia nas Primeiras Vésperas do Domingo da Misericórdia Divina, 11 de Abril de 2015). 

¡HAGAN LÍO! - "Levem a confusão às hostes do Maligno!".


¡HAGAN LÍO!

Este é um texto para católicos. Uma questão “ad intra”, uma questão completamente intra-eclesial. Como a internet é pública, é evidente que acatólicos a ele têm acesso. Peço, contudo, a gentileza de fazer com este texto o que fariam ao ouvir sem querer uma discussão familiar acontecendo do outro lado de uma sebe e ignorá-la ou, melhor ainda, retirar-se. Não estou lavando roupa em público, sim expondo a minha preocupação com algo que afeta o interior desta família que é a Igreja Católica Apostólica Romana. Mas vamos lá.


Confesso que tenho uma séria dificuldade em me botar na pele das pessoas que ficam falando absurdos acerca do Santo Padre o Papa Francisco. A impressão que eu tenho é de uma espécie de loucura coletiva que acomete alguns; gente normalmente inteligente, gente que normalmente não cairia nem por um segundo na esparrela dos meios de comunicação de massa, engole de repente sem pestanejar absurdos grotescos, e se coloca numa posição precaríssima diante não apenas do Papa, mas da própria Verdade.


Como comentei outro dia, a única explicação que percebo possível ée falo absolutamente sem qualquer intenção de fazer analogias ou metáforas, sim de expressar a verdade objetiva dos fatosa ação do Inimigo.

Temos, sabemos todos, três inimigos: a carne, o mundo e o demônio. Cada um deles age sobre o anterior.

A carne somos nós, nossas vaidades, nossos desejos desordenados (de prazer, de honraria, de conforto, etc.). É a carne que nos leva a, por exemplo, sofrer a tentação de mentir para parecer melhor, de cometer adultério, de entregar-se a prazeres gastronômicos exagerados, etc. É um inimigozinho tinhoso e chato, por estar sempre ali. A criação de bons hábitos ajuda, e muito: se nos acostumamos a viver castamente, é evidentemente mais fácil manter a castidade que se vivemos numa gangorra em que um exagero para um lado é compensado por um exagero no sentido oposto, e vice-versa, até a exaustão. Custodiar a carne significa lidar disciplinadamente com as nossas próprias fraquezas, reconhecê-las claramente, e fazer a escolha consciente de aceitar a Graça a cada momento. Não é fácil; na verdade, seria impossível se não fosse a graça que Deus nos oferece incessantemente pelas mãos carinhosas de Maria Santíssima, Medianeira de todas as graças.

Em seguida, sofremos o aguilhão do mundo. O mundo apela à carne, como disse acima: ele tenta nos convencer de que é bom fazer parte da turminha, de que nós “merecemos” sei-lá-qual prazer ou conforto, de que “ninguém merece”menos ainda eu!este ou aquele dissabor, etc. O mundo, em suma, se disfarça de amigo nosso, quando na verdade ele é amigo é da carne, que é nossa inimiga. O mundo não quer o nosso bem, por mais que pareça, porque o que ele oferece e busca não é o bem verdadeiro, o Bem-em-Si, que é Deus, sim um sucedâneo, uma contrafação pobre e vazia, que consiste na satisfação temporal de desejos imanentes. O mundo orienta-se em função da satisfação dos desejos desordenados que nós temosou, melhor dizendo, que nos têm!por termos herdado de Adão as consequências do Pecado Original. É o mundo, por exemplo, que propositadamente confunde a existência de mecanismos atuantes com uma suposta bondade intrínseca deles. É o que acontece em economia, com o capitalismo dizendo que “não é uma ideologia, porque o mercado existe de por si”, quando na verdade o problema não é, evidentemente, a existência do mercadoque nada mais é que a soma de todas as transações voluntárias feitas pelos descendentes de Adão –, sim a ideia absurda de que a soma de todas as vontades desordenadas de todos os homens marcados pelo Pecado seria de alguma forma algo ordenado, bom e puro e não, como é evidente, a mesma desordem escrita em escala maior.

Papa fala aos religiosos e reza por vítimas de Meca


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO
A CUBA, AOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA
E VISITA À SEDE DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS
(19-28 DE SETEMBRO DE 2015)

VÉSPERAS COM O CLERO E OS RELIGIOSOS

HOMILIA DO SANTO PADRE

Catedral de São Patrício, Nova Iorque
Quinta-feira, 24 de Setembro de 2015


Neste momento, invadem-me dois sentimentos que têm a ver com os meus irmãos muçulmanos. O primeiro, é de felicitação pela hodierna ocorrência do vosso dia do sacrifício. Teria desejado que fosse mais calorosa a minha saudação. O segundo é de solidariedade com o vosso povo pela tragédia que hoje sofreu em Meca. Neste momento de oração, uno-me, unimo-nos em oração a Deus, nosso Pai todo-poderoso e misericordioso.

Ouçamos o Apóstolo: «Exultais de alegria, se bem que, por algum tempo, tenhais de andar aflitos por diversas provações» (1 Ped 1,6). Estas palavras lembram-nos uma coisa essencial: a nossa vocação é viver na alegria.

Esta linda catedral de São Patrício, construída ao longo de muitos anos com o sacrifício de tantos homens e mulheres, pode ser um símbolo da obra de gerações de sacerdotes, religiosos e leigos americanos que contribuíram para a edificação da Igreja nos Estados Unidos. Sem querer excluir outros campos, só no campo da educação, quantos sacerdotes e consagrados tiveram um papel central neste país, ajudando os pais a dar aos seus filhos o alimento que os nutre para a vida! Muitos fizeram-no à custa de sacrifícios extraordinários e com caridade heróica. Penso, por exemplo, em Santa Elizabeth Ann Seton, que fundou na América a primeira escola católica gratuita para meninas, ou em São João Neumann, fundador do primeiro sistema de educação católica nos Estados Unidos.

Nesta tarde, queridos irmãos e irmãs, vim rezar convosco, sacerdotes, consagrados, consagradas, para que a nossa vocação continue a construir o grande edifício do Reino de Deus neste país. Sei que vós, como corpo sacerdotal, diante do povo de Deus, sofrestes muito num passado não distante suportando a vergonha por causa de muitos irmãos que feriram e escandalizaram a Igreja nos seus filhos mais indefesos... Com palavras do Apocalipse, digo-vos que «vindes da grande tribulação» (cf. 7, 14). Acompanho-vos neste período de sofrimento e dificuldade; e também agradeço a Deus pelo serviço que realizais acompanhando o povo de Deus. Com o fim de vos ajudar a prosseguir no caminho da fidelidade a Jesus Cristo, deixai-me fazer duas breves reflexões. 

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

"Se impedimos uma pessoa de fazer objeção de consciência, negamos-lhe um direito", advertiu o Papa.


No voo de regresso a Roma, após quase nove dias de visita a Cuba e Estados Unidos, o Papa Francisco concedeu uma longa entrevista aos jornalistas. O Pontífice respondeu a 11 perguntas, durante mais de 45 minutos.

Casamento homossexual

Sobre a reforma da saúde, promovida pelo presidente norte-americano Barack Obama, que poderia obrigar instituições católicas a práticas contrárias às suas convicções sobre o aborto e o planejamento familiar, bem como sobre os casos de funcionários que se recusaram a celebrar casamentos entre pessoas do mesmo sexo, Francisco afirmou:

“A objeção de consciência é um direito. Se impedimos uma pessoa de fazer objeção de consciência, negamos-lhe um direito”, advertiu, sublinhando que isso se aplica também aos trabalhadores de qualquer Governo.

Historicamente, disse ainda, esse direito foi negado a fiéis de outras religiões que eram obrigados a escolher entre a “espada” ou o “batismo”.

Casais de segunda união

Francisco comentou sobre um dos temas mais mediatizados do próximo Sínodo sobre as Famílias: a situação dos católicos em segunda união. Segundo ele, seria simplista dizer que a solução, para estas pessoas, é a possibilidade de comungar. “Não é a única solução”, alertou.

O Pontífice enfatizou que, além destas situações, há um conjunto de novas questões, como a dos jovens que não se querem casar ou o tema da “maturidade afetiva”. “Para ordenar um padre há uma preparação de oito anos, mas para casar-se por toda a vida fazem quatro encontros de preparação matrimonial”, exemplificou.

Nulidade matrimonial

Sobre a recente notícia sobre a simplificação dos processos de nulidade matrimonial, o Santo Padre explicou que a decisão é diferente de um “divórcio católico” e destacou que a “indissolubilidade” será sempre a doutrina da Igreja.

“O divórcio católico não existe, a nulidade é reconhecida se não houve matrimônio, mas se houve, é indissolúvel. (…) Na reforma dos processos de nulidade matrimonial, fechei a porta à via administrativa, através da qual podia entrar o divórcio”, acrescentou.

Francisco explicou que a reforma jurídica visa agilizar os processos, eliminando a necessidade de uma “dupla sentença”, mas a doutrina continua a ser a do matrimônio como Sacramento “indissolúvel”. “Isto é algo que a Igreja não pode mudar, é doutrina, é um Sacramento indissolúvel. O processo judicial serve para provar que aquilo que parecia um sacramento não era sacramento”.

A este respeito, deu o exemplo dos casamentos “à pressa”, quando a noiva estava grávida, para “salvar as aparências”. “Alguns deles correram bem, mas não há liberdade”, observou. 

Papa pede que vejam a Igreja como companheira fiel em toda e qualquer prova


Discurso durante cerimônia de despedida no
Aeroporto Internacional da Filadélfia
Domingo 27 de Setembro de 2015

Amados Irmãos Bispos,
Queridos amigos!

Os meus dias entre vós passaram rápido, mas cheios de graça para mim e – espero – também para vós. Neste momento em que estou para partir, sabei que o faço com o coração cheio de gratidão e esperança.

Sinto-me grato a todos vós e a quantos trabalharam ardorosamente para tornar possível e preparar o Encontro Mundial das Famílias. Agradeço de modo particular ao Arcebispo Chaput e à arquidiocese de Filadélfia, às autoridades civis, aos organizadores e aos inúmeros voluntários e benfeitores que contribuíram cada qual segundo as próprias possibilidades.

Agradeço ainda às famílias que partilharam os seus testemunhos durante o Encontro. Não é fácil falar abertamente do próprio percurso na vida! Porém a sua sinceridade e humildade diante de Deus e de nós mostraram a beleza da vida familiar e toda a sua riqueza e variedade. Rezo para que estes dias de oração e reflexão sobre a importância da família para uma sociedade sadia possam encorajar as famílias a continuar a lutar pela santidade e a ver a Igreja como uma companheira fiel em toda e qualquer prova que tenham de enfrentar.

No final da minha visita, quero agradecer também a todos os que trabalharam para a minha estadia nas arquidioceses de Washington e Nova Iorque. Particularmente comovente para mim foi a canonização de São Junípero Serra, que nos lembra a todos nós a chamada para ser discípulos missionários, bem como parar pessoalmente, junto com irmãos de outras religiões, no Ground Zero, local que recorda de forma eloquente o mistério do mal; mas sabemos com toda a certeza que o mal não terá jamais a última palavra e que, no plano misericordioso de Deus, triunfarão sobre tudo o amor e a paz. 

Missa com o Papa Francisco conclui VIII Encontro Mundial das Famílias


Homilia Santa Missa no B.Franklin Parkway
Filadélfia
27 de setembro de 2015

Hoje, a Palavra de Deus surpreende-nos com uma linguagem alegórica forte, que nos faz pensar; imagens vigorosas, que questionam as nossas reflexões. Uma linguagem alegórica que nos interpela, mas que anima o nosso entusiasmo.

Na primeira Leitura, Josué diz a Moisés que dois membros do povo estão a profetizar, anunciando a palavra de Deus sem qualquer mandato. No Evangelho, João diz a Jesus que os discípulos impediram uma pessoa de expulsar os espíritos malignos em nome d’Ele. E aqui aparece a surpresa: Moisés e Jesus censuram estes colaboradores por serem de mente tão fechada. Oxalá fossem todos profetas da Palavra de Deus! Oxalá cada um fosse capaz de fazer milagres em nome do Senhor!

Por sua vez, Jesus encontra hostilidade nas pessoas que não aceitaram aquilo que fazia e dizia. Para elas, a abertura de Jesus à fé honesta e sincera de muitas pessoas, que não faziam parte do povo eleito de Deus, parecia intolerável. Entretanto os discípulos estavam a agir em boa-fé; mas a tentação de serem escandalizados pela liberdade de Deus, que faz chover tanto sobre os justos como sobre os injustos (cf. Mt 5, 45), ultrapassando a burocracia, o oficial e os círculos restritos, ameaça a autenticidade da fé e, por isso, deve ser vigorosamente rejeitada.

Quando nos damos conta disto, podemos entender por que motivo as palavras de Jesus sobre o escândalo são tão duras. Para Jesus, o escândalo intolerável consiste em tudo aquilo que destrói e corrompe a nossa confiança no modo de agir do Espírito. 

Deus, nosso Pai, não Se deixa vencer em generosidade, e semeia. Semeia a sua presença no nosso mundo, porque «é nisto que está o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi Ele mesmo que nos amou» primeiro (1 Jo 4, 10). Aquele amor dá-nos uma certeza profunda: somos procurados por Ele, Ele está à nossa espera. É esta confiança que leva o discípulo a estimular, acompanhar e fazer crescer todas as boas iniciativas que existem ao seu redor. Deus quer que todos os seus filhos tomem parte na festa do Evangelho. Não ponhais obstáculo ao que é bom – diz Jesus –, antes pelo contrário, ajudai-o a crescer. Pôr em dúvida a obra do Espírito, dar a impressão de que a mesma não tem nada a ver com aqueles que não são «do nosso grupo», que não são «como nós», é uma tentação perigosa. Não só bloqueia a conversão à fé, mas constitui uma perversão da fé. 

"Todos precisam ser purificados, eu sou o primeiro", diz Papa.


Discurso
Papa Francisco fala aos detentos na Filadélfia
Estados Unidos

Queridos irmãos e irmãs!

Obrigado pela recepção e a possibilidade de estar aqui convosco compartilhando este período da vossa vida. Um período difícil, cheio de tensões. Um período que – bem sei – é doloroso não só para vós, mas também para as vossas famílias e toda a sociedade; porque uma sociedade, uma família que não sabe sofrer com as dores dos seus filhos, que não as leva a sério, que as trata como coisas «naturais» considerando-as normais e previsíveis, é uma sociedade «condenada» a permanecer prisioneira de si mesma, prisioneira de tudo o que a faz sofrer. Vim como pastor, mas sobretudo como irmão para compartilhar a vossa situação e fazê-la minha também; vim para podermos rezar juntos e apresentar ao nosso Deus aquilo que nos dói e também o que nos encoraja, e receber d’Ele a força da Ressurreição.

Recordo o Evangelho em que Jesus lava os pés aos seus discípulos durante a Última Ceia. Uma atitude que os discípulos tiveram dificuldade em compreender, incluindo São Pedro que reage dizendo-Lhe: «Tu nunca me hás-de lavar os pés!» (Jo 13, 8).

Naquele tempo era costume, quando uma pessoa chegava a casa, lavar-lhe os pés. As pessoas eram recebidas sempre assim. Não havia estradas asfaltadas, eram estradas poeirentas, com o cascalho que se enfiava nas sandálias. Todos percorriam caminhos que os deixavam impregnados de pó, quando não se feriam em alguma pedra ou faziam qualquer corte. No Cenáculo, vemos Jesus que lava os pés, os nossos pés, os pés dos seus discípulos de ontem e de hoje.

Todos sabemos que viver é caminhar, viver é seguir por várias estradas, diferentes caminhos que deixam a sua marca na nossa vida.

Pela fé, sabemos que Jesus nos procura, quer curar as nossas feridas, curar os nossos pés das chagas dum caminho cheio de solidão, limpar-nos do pó que se foi agarrando a nós ao longo das estradas que cada um percorreu. Não nos pergunta por onde andamos, nem nos interroga sobre o que andávamos a fazer.

Pelo contrário, diz-nos: «Se Eu não te lavar, nada terás a ver comigo» (Jo 13, 8). Se não te lavar os pés, não poderei dar-te a vida que o Pai sempre sonhou, a vida para que te criou. Ele vem ao nosso encontro para nos calçar de novo com a dignidade dos filhos de Deus. Quer ajudar-nos a recompor o nosso andar, retomar o nosso caminho, recuperar a nossa esperança, restituir-nos a fé e a confiança. Quer que regressemos às estradas da vida, sentindo que temos uma missão; que este tempo de reclusão nunca foi sinônimo de expulsão. 

Discurso do Papa Francisco aos bispos no Encontro das Famílias


Discurso
Papa Francisco fala aos bispos no Encontro Mundial das Famílias
Filadélfia, Estados Unidos

Queridos Irmãos Bispos!

Sinto-me feliz por ter a oportunidade de partilhar estes momentos de reflexão pastoral convosco, na jubilosa ocasião do Encontro Mundial das Famílias.

De facto, para a Igreja, a família não é primariamente um motivo de preocupação, mas a feliz confirmação da bênção de Deus à obra-prima da criação. Cada dia, em todos os cantos do planeta, a Igreja tem motivos para se alegrar com o Senhor pelo dom daquele povo numeroso de famílias que, mesmo nas mais duras provas, honram as promessas e guardam a fé.

Assim eu diria que o primeiro impulso pastoral, que nos pede esta desafiadora transição de época, é precisamente um passo decidido na linha de tal reconhecimento. A estima e a gratidão devem prevalecer sobre o lamento, apesar de todos os obstáculos que enfrentamos. A família é o lugar fundamental da aliança da Igreja com a criação de Deus. Sem a família, a Igreja também não existiria: não poderia ser aquilo que deve ser, isto é, sinal e instrumento da unidade do gênero humano (cf. Lumen gentium, 1).

Naturalmente a compreensão que dela possuímos, plasmada com base na integração da forma eclesial da fé e da experiência conjugal da graça, abençoada pelo sacramento, não deve fazer-nos esquecer a profunda transformação do contexto atual, que incide sobre a cultura social – e agora também legal – dos laços familiares e que nos afeta a todos, crentes e não-crentes. O cristão não está «imune» das mudanças do seu tempo; e este mundo concreto, com as suas múltiplas problemáticas e possibilidades, é o lugar onde temos de viver, acreditar e anunciar.

Em tempos passados, vivíamos num contexto social em que as afinidades entre a instituição civil e o sacramento cristão eram substanciais e compartilhadas: os dois estavam interligados e apoiavam-se mutuamente. Agora já não é assim.

Para descrever a situação atual, escolheria duas imagens típicas da nossa sociedade: duma parte as conhecidas lojas, pequenos negócios das nossas terras; da outra os grandes supermercados ou centros comerciais.

Algum tempo atrás, podia-se encontrar numa mesma loja todas as coisas necessárias para a vida pessoal e familiar – é certo que expostas pobremente, com poucos produtos e, consequentemente, poucas possibilidades de escolha.

Havia uma ligação pessoal entre o vendedor e os clientes da vizinhança. Vendia-se a crédito, isto é, havia confiança, conhecimento, proximidade. Um fiava-se do outro. Tinha a coragem de fiar-se. Em muitos lugares, tal negócio era conhecido como «a venda local».

Entretanto, nas últimas décadas, desenvolveram-se e expandiram-se negócios de outro tipo: os centros comerciais, espaços imensos com grande variedade de mercadorias. O mundo parece que se tornou um grande supermercado, onde a cultura adquiriu uma dinâmica competitiva. Já não se vende a crédito, não se pode confiar nos outros. Não há ligação pessoal, relação de vizinhança. A cultura atual parece incentivar as pessoas para entrarem na dinâmica de não se prender a nada nem a ninguém. Não confiar, nem fiar-se. É que hoje a coisa mais importante parece ser esta: correr atrás da última tendência ou atividade.

E isto também a nível religioso. O consumo é que determina o que é importante hoje. Consumir relações, consumir amizades, consumir religiões, consumir, consumir… Não importa o custo nem as consequências. Um consumo que não gera ligações, um consumo que pouco tem a ver com as relações humanas. As ligações são meramente um «meio» para satisfazer as «minhas necessidades».

O próximo, com o seu rosto, com a sua história, com os seus afetos, deixou de ser importante.Este comportamento gera uma cultura que descarta tudo aquilo que já «não serve» ou «não satisfaz» os gostos do consumidor. Fizemos da nossa sociedade uma imensa vitrine multicultural, atenta apenas aos gostos de alguns «consumidores», enquanto muitos, muitíssimos outros «comem as migalhas que caem da mesa de seus donos» (Mt 15, 27).

Isto provoca uma grande ferida. Atrevo-me a dizer que uma das principais pobrezas ou raízes de muitas situações contemporâneas é a solidão radical a que se vêem forçadas muitas pessoas. E assim, indo atrás do que «me agrada», olhando ao aumento do número de «seguidores» numa rede social qualquer, as pessoas seguem a proposta oferecida por esta sociedade contemporânea. Uma solidão temerosa de qualquer compromisso, numa busca frenética de se sentir conhecido.

Devemos condenar os nossos jovens por terem crescido nesta sociedade? Devemos excomungá-los, porque vivem neste mundo? Será preciso ouvirem da boca dos seus pastores frases como estas: «dantes era melhor», «o mundo está um desastre e, se continuar assim, não sabemos como iremos acabar»? Não, não creio que seja esta a estrada. Nós pastores, seguindo os passos do Pastor, somos convidados a procurar, acompanhar, erguer, curar as feridas do nosso tempo. Olhar a realidade com os olhos de quem sabe que é chamado a mover-se, é chamado à conversão pastoral. O mundo atual pede-nos com insistência esta conversão. «É vital que hoje a Igreja saia para anunciar o Evangelho a todos, em todos os lugares, em todas as ocasiões, sem demora, sem repugnâncias e sem medo. A alegria do Evangelho é para todo o povo, não se pode excluir ninguém» (Evangelii gaudium, 23).

Enganar-nos-íamos se interpretássemos a desafeição, que a cultura do mundo atual tem pelo matrimônio e a família, só em termos de puro e simples egoísmo. Será que os jovens deste tempo se tornaram todos irremediavelmente medrosos, frágeis, inconsistentes? Não nos deixemos cair na cilada! Muitos jovens, no quadro desta cultura dissuasiva, interiorizaram uma espécie de medo inconsciente, que os paralisa relativamente aos impulsos mais belos e mais altos, e também mais necessários. Há muitos que adiam o matrimônio à espera das condições ideais de bem-estar. Entretanto a vida é consumida, sem sabor. É que a sabedoria dos verdadeiros sabores matura com o tempo, como fruto de um generoso investimento da paixão, da inteligência, do entusiasmo.

Estamos vivendo uma cultura que impulsiona e convence os jovens a não fundar uma família, pela falta de meios e por ter tantos meios que está cômodo assim. Essa é a tentação, não fundar uma família.

Como pastores, nós bispos, somos chamados a reunir as forças e a relançar o entusiasmo pelo nascimento de famílias que correspondam mais plenamente à bênção de Deus, segundo a sua vocação. Devemos investir as nossas energias não tanto para explicar uma vez e outra os defeitos da atual condição hodierna e os valores do cristianismo, como sobretudo convidar com audácia os jovens a serem ousados na opção do matrimônio e da família. Também aqui é precisa uma santa ousadia! Quantas mulheres se lamentavam:  meu filho tem 30 anos e não se casa!. Temos que entusiasmar os jovens para que se casem.  Temos que acompanhar e fazer amadurecer o compromisso do matrimônio. Um cristianismo, que pouco «faz» na realidade e «se explica» infinitamente na formação, vive numa desproporção perigosa; diria, num verdadeiro e próprio círculo vicioso. O pastor deve mostrar que o «Evangelho da família» é verdadeiramente a «boa notícia» num mundo em que a atenção para consigo mesmo parece reinar soberana. Não se trata de fantasia romântica: a tenacidade em formar uma família e levá-la por diante transforma o mundo e a história.

O pastor anuncia serena e apaixonadamente a Palavra de Deus, encoraja os crentes a apostarem alto. Tornará os seus irmãos e irmãs capazes de acolher e praticar a promessa de Deus, que alarga a própria experiência da maternidade e da paternidade para o horizonte duma nova «familiaridade» com Deus (cf. Mc 3, 31-35). O pastor vela pelo sonho, a vida, o crescimento das suas ovelhas. Este «velar» não nasce dos discursos feitos, mas do cuidado pastoral. Só é capaz de velar quem sabe estar «no meio», quem não tem medo das perguntas, do contacto, do acompanhamento. O pastor vela, antes de tudo, com a oração, sustentando a fé do seu povo, transmitindo confiança no Senhor, na sua presença. O pastor permanece sempre vigilante, ajudando a levantar o olhar quando aparecem o desânimo, a frustração ou as quedas. Seria bom perguntar-nos se, no nosso ministério pastoral, sabemos «perder» tempo com as famílias.

Sabemos estar com elas, partilhar as suas dificuldades e as suas alegrias? Naturalmente, viver o espírito desta jubilosa familiaridade com Deus e propagar a sua emocionante fecundidade evangélica é, em primeiro lugar, o traço fundamental do estilo de vida do bispo. Assim nós mesmos, aceitando humildemente a aprendizagem cristã das virtudes familiares do povo de Deus, assemelhar-nos-emos cada vez mais a pais e mães (como Paulo; veja-se 1 Ts 2, 7.11), evitando transformar-nos em pessoas que aprenderam simplesmente a viver sem família. De fato, o nosso ideal não é viver sem afetos.

A nós pastores nos tocam duas coisas: a oração e a pregação. Qual é o primeiro trabalho do bispo? Orar, rezar. O segundo trabalho que vai junto com esse: pregar. Ajuda-nos esta definição.  O bispo tem a missão de pastorear com a oração e o anúncio.

O bom pastor renuncia a afetos familiares próprios, para destinar todas as suas forças – e a graça da sua vocação especial – à bênção evangélica dos afetos do homem e da mulher que dão vida ao desígnio da criação de Deus, a começar pelos afetos perdidos, abandonados, feridos, arrasados, humilhados e privados da sua dignidade. Esta entrega total ao amor de Deus não é, por certo, uma vocação alheia à ternura e ao bem-querer! Bastar-nos-á olhar para Jesus, para entendermos isso (cf. Mt19,12). A missão do bom pastor segundo o estilo de Deus – só Deus o pode autorizar, não a sua presunção! – imita, em tudo e para tudo, o estilo afetivo do Filho para com o Pai, que se reflete na ternura da sua entrega: em favor, e por amor, dos homens e mulheres da família humana.

Na perspectiva da fé, este é um tema precioso. O nosso ministério tem necessidade de desenvolver a aliança da Igreja e da família. Caso contrário, definha; e, por nossa culpa, a família humana distanciar-se-á irremediavelmente da Feliz Notícia dada por Deus.

Se formos capazes deste rigor dos afetos de Deus, usando infinita paciência, e sem ressentimento, com os sulcos nem sempre lineares onde devemos semeá-los, até uma mulher samaritana com cinco «não-maridos» se descobrirá capaz de dar testemunho. E, para um jovem rico que tristemente sente que deve pensar ainda com calma, um maduro publicano descerá precipitadamente da árvore e far-se-á paladino dos pobres, nos quais nunca pensara até então.


Deus nos conceda o dom desta nova proximidade entre a família e a Igreja. A necessidade da família, Igreja e pastores. A família é o nosso aliado, a nossa janela aberta para o mundo, a evidência duma bênção irrevogável de Deus destinada a todos os filhos desta história difícil e maravilhosa da criação que Deus nos pediu para servir!
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Canção Nova