A essa pergunta nos responde a primeira
leitura de hoje: “Ao pecador lhe dás tempo para que se arrependa”. E para isso,
Deus nos manda o seu Espírito que nos ajuda na nossa debilidade (segunda
leitura). Mas também temos que colocar a nossa parte: vigilância, porque o
inimigo da nossa alma não dorme e quer semear o seu joio nos momentos de
sonolência e distração da nossa parte (evangelho).
A Palavra de Deus, em Mt 13, 24-43, nos
apresenta três parábolas: O trigo e o joio, o grão de mostarda e o fermento na massa.
Na volta da Missão, nota-se a impaciência dos Apóstolos para com aqueles que
não os acolheram: “Queres que mandemos que desça o fogo do céu para
destruí-los?” Jesus critica a pressa dos Apóstolos contando as três parábolas
citadas. As parábolas evangélicas são breves narrações que Jesus utilizava para
anunciar os mistérios do Reino dos Céus. Utilizando imagens e situações da vida
cotidiana, o Senhor “deseja indicar-nos o verdadeiro fundamento de todas as
coisas. Ele mostra-nos o Deus que age, que entra na nossa vida e quer guiar-nos
pela mão” ( Bento XVl, Jesus de Nazaré, 2007). Com este tipo de discursos, o
Mestre divino convida a reconhecer antes de tudo a primazia de Deus Pai: onde
Ele não está, nada pode ser bom. Trata-se de uma prioridade decisiva para tudo.
Reino dos Céus significa, precisamente, Senhorio de Deus, e isto quer dizer que
a sua Vontade deve ser assumida como o critério-guia da nossa existência.
O tema contido no texto do Evangelho (Mt 13,
24 – 43) é precisamente o Reino dos Céus. O “Céu” não deve ser entendido
unicamente no sentido da altura que nos ultrapassa, porque tal espaço infinito
possui também a forma da interioridade do homem. Jesus compara o Reino dos Céus
com um campo de trigo, para nos levar a compreender que dentro de nós foi
semeado algo de pequeno e escondido que, no entanto, possui uma força vital
insuprimível. Não obstante todos os obstáculos, a semente desenvolver-se-á e o
fruto amadurecerá. Este fruto só será bom, se o terreno da vida for cultivado
em conformidade com a vontade divina. Por isso, na parábola do trigo bom e do
joio, Jesus admoesta-nos que, depois da sementeira realizada pelo dono,
“enquanto todos dormiam”, interveio “o seu inimigo”, que semeou a erva daninha.
Isto significa que devemos estar prontos para conservar a graça recebida desde
o dia do Batismo, continuando a alimentar a fé no Senhor, a qual impede que o
mal ganhe raízes. Santo Agostinho, comentando esta parábola, observa que
“muitos, primeiro são joio e depois tornam-se trigo bom”, e acrescenta: “Se
eles, quando são malvados, não fossem tolerados com paciência, não chegariam à
mudança louvável” ( Quest. Sobre Ev. Mateus, 12, 4 ).
A Igreja Católica, sendo Santa, sempre fugiu
dos diversos puritanismos, rigorismos e da mentalidade de seita, ou seja, duma
visão estreita e separatista. Ela deseja que os seus filhos estejam no meio do
mundo, convivendo com os seus iguais, como o bom trigo, e no mesmo campo que o
joio. No entanto, o trigo não se sente mal, não se sente estranho no seu
próprio ambiente. Se tivesse consciência, o trigo saberia que aquele é o seu
lugar natural, deve estar aí, nem deseja que o plantem nos ares, aí não
sobreviveria. Ainda que o joio, esta planta que engloba os vegetais e cresce às
suas custas, lhe subtraia algumas energias, deve continuar aí no mesmo lugar.
A parábola (do trigo e do joio) nos revela
duas atitudes: a impaciência dos homens: “Senhor, queres que arranquemos o
joio?” – A paciência de Deus: “Deixai crescer junto até a colheita…” A
paciência de Deus não é simples paciência, isto é, ficar aguardando o dia do
juízo para depois punir com maior satisfação. Esta é, muitas vezes, a falsa
paciência do homem. A de Deus é longanimidade, é misericórdia, é vontade de
salvar. Ou desprezas as riquezas da sua bondade, tolerância e longanimidade,
desconhecendo que a bondade de Deus te convida ao arrependimento? (Rm 2, 4 ).
Ele é, de verdade, como cantou o salmo 85(86), um Deus de piedade, cheio de
compaixão, lento para a cólera e cheio de amor, um Deus fiel.
O mundo é o campo em que o Senhor semeia
continuamente a semente da sua graça: semente divina que, ao arraigar nas
almas, produz frutos de santidade. Com que amor Jesus nos dá a sua graça! Para
Ele, cada homem é único, e, para redimi-lo, não vacilou em assumir a nossa natureza
humana.
O campo é, sim, o mundo, mas é também a
Igreja: lugar em que há espaço para crescer, converter-se e, sobretudo, para
imitar a paciência de Deus. “Os maus existem no mundo ou para que se convertam,
ou para que por eles os bons exercitem a paciência” (Santo Agostinho).
A parábola não perdeu atualidade: muitos
cristãos dormiram e permitiram que o inimigo semeasse a má semente na mais
completa impunidade; surgiram erros sobre quase todas as verdades da fé e da
moral. “Está claro: o campo é fértil e a semente é boa; o Senhor do campo
lançou às mãos cheias a semente no momento propício e com arte consumada; além
disso, preparou toda uma vigilância para proteger a recente sementeira. Se
depois apareceu o joio, é porque não houve correspondência, já que os homens –
os cristãos especialmente – adormeceram e permitiram que o inimigo se
aproximasse” (São Josemaria Escrivá, Cristo que passa, 123 ).
É necessário que vigiemos dia e noite, e não
nos deixemos surpreender; que vigiemos para podermos ser fiéis a todas as
exigências da vocação cristã, para não deixarmos prosperar o erro, que leva
rapidamente à esterilidade e ao afastamento de Deus. É necessário que vigiemos
sobretudo o nosso coração, sem falsas desculpas de idade ou de experiência,
pois “ o coração é um traidor, e tem que estar fechado a sete chaves” (Caminho,
188).
Diz Jesus: “o joio são os filhos do Maligno, e
o inimigo, que o semeou, é o demônio” (Mt 13, 39). O inimigo de Deus e das
almas sempre lançou mão de todos os meios humanos possíveis. Vemos, por
exemplo, que ora se desfiguram umas notícias, ora se silenciam outras; ora se
propagam ideias demolidoras sobre o casamento, por meio dos seriados de
televisão de grande alcance, ora se ridiculariza o valor da castidade e do
celibato; defende-se o aborto ou a eutanásia, ou semeia-se a desconfiança em
relação aos sacramentos e se dá uma visão pagã da vida, como se Cristo não
tivesse vindo redimir-nos e lembrar-nos que o Céu nos espera. E tudo isto com
uma constância e um empenho incríveis. O inimigo não descansa!
A parábola constitui, pois, um convite
universal à vigilância, a não deixar passar em vão a hora da graça e a estar
preparados para a ceifa, porque tal como o joio é apanhado e queimado no fogo,
assim será no fim do mundo”. Então, “todos os que fazem outros pecar e os que
praticam o mal, serão lançados na fornalha de fogo, enquanto os justos
brilharão como o sol no Reino de Seu Pai” (Mt 13, 40-43).
A abundância do joio só pode ser enfrentada
com maior abundância de boa doutrina: vencer o mal com o bem (Rm 12, 21), com o
exemplo da vida e a coerência da conduta. O Senhor nos chama para que
procuremos a santidade no meio do mundo, no cumprimento dos deveres cotidianos.
O joio e o trigo estão presentes em toda
parte: Mesmo em nossas comunidades cristãs vemos presente tanto joio de
desunião, de inveja, de fofocas…
Fiquemos atentos pois, dentro de cada um de
nós, há trigo e joio! Peçamos ao Senhor para que sejamos trigo de amor,
dedicação e colaboração. Que seja afastado de nós o joio do ódio, da discórdia,
da calúnia, da vontade de ser grande, das disputas, do ciúme, da falta de
oração. De onde vem esse joio? O Senhor nos alerta que veio do inimigo. O
inimigo é o pai da mentira, da separação, da discórdia. São em momentos assim
que precisamos “voltar ao primeiro amor”, recordar o nosso primeiro chamado,
aquele chamado simples e confiante em Deus.
Existe o bem e o mal dentro de cada um, de
cada coração dividido. Separar então o joio é um movimento cirúrgico, pois se
trata de tirar de cada coração humano aquilo que é mentira, que é orgulho, para
que fique só a Cristo. Deus tem sido paciente conosco, sejamos também com o
próximo, até que todo joio seja extirpado nas nossas vidas.
Que elementos de “joio” encontro em mim? Tenho
sido um instrumento paciente para ajudar na separação do joio e do trigo?
É preciso saber valorizar a semente de trigo
presente no coração de cada pessoa; cultivá-la com paciência e profundo
respeito. Respeitar o processo de amadurecimento de cada pessoa, usando de paciência.
Procuremos ser a semente de mostarda, pequena,
insignificante, mas que cresce até aninhar os pássaros em seus ramos. Devemos
ser o fermento, que leveda toda a massa da farinha, o mundo em que vivemos…
O fermento é também figura do cristão! Vivendo
no meio do mundo, sem se desnaturalizar, o cristão conquista com o seu exemplo
e com a sua palavra as almas para o Senhor.
“A nossa vocação de filhos de Deus, no meio do mundo, exige-nos que não
procuremos apenas a nossa santidade pessoal, mas que vamos pelos caminhos da
Terra, para convertê-los em atalhos que, através dos obstáculos, levem as almas
ao Senhor; que participemos, como cidadãos normais e correntes, em todas as
atividades temporais, para sermos levedura que há de fermentar toda a massa” (Cristo
que passa, nº 120).
Somos convidados a imitar a misericórdia do
Pai celeste, aceitando pacientemente as dificuldades provenientes da
convivência com os inimigos do bem e tratá-los com bondade fraterna na
esperança de que, vencidos pelo amor, mudem de comportamento. Deve-se recorrer
também à oração, para que o Senhor defenda os seus filhos de serem contagiados.
“Que o Espírito Santo venha em auxílio de nossa fraqueza, pois não sabemos o
que pedir… É que o Espírito intercede pelos cristãos de acordo com a vontade de
Deus” (Rm 8, 26-27). Há que deixar em Suas mãos a causa do bem!
Diz o Livro da Sabedoria: “Não há fora de Vós
um Deus que se ocupa de tudo… Porque a vossa força é o fundamento da vossa
justiça e o fato de serdes Senhor de todos torna-vos indulgente para com todos”
(Sb 12, 13.16); e o Salmo 85 confirma-o: “Porque Vós sois clemente e bom,
Senhor, cheio de misericórdia para com aqueles que Vos invocam” (v. 5).
Portanto, se somos filhos de um Pai tão grande e bom, procuremos assemelhar-nos
a Ele! Esta era a finalidade que Jesus se propunha com a sua pregação; com
efeito, a quantos O ouviam, Ele dizia: “Sede perfeitos, como o vosso Pai que
está nos Céus é perfeito” (Mt 5, 48). Dirijamo-nos com confiança a Maria, que
no dia 16 pudemos invocar com o título de Nossa Senhora do Carmo, a fim de que
nos ajude a seguir fielmente Jesus e, deste modo, a viver como verdadeiros
filhos de Deus.