Em síntese: A Comunhão Eucarística foi ministrada nas mãos dos
comungantes até o século IX. Verificaram-se, porém, abusos e irreverências, que
levaram a Igreja a preferir dar a Eucaristia na boca dos fiéis. Em nossos dias
a praxe antiga foi restaurada sob certas condições, que visam a garantir o
respeito ao Ssmo. Sacramento. Uma Declaração recente da Santa Sé enfatiza o
direito, dos fiéis, de receber a Comunhão na boca desde que o desejem.
Foi
proposta à Congregação para o Culto Divino a seguinte pergunta:
«Nas dioceses em que é
permitido distribuir a Comunhão nas mãos dos fiéis, pode o sacerdote ou o
ministro extraordinário da S. Eucaristia obrigar os comungantes a receber a
Comunhão nas mãos e não sobre a língua?»
Eis a
resposta publicada no boletim Notitiae (março-abril de 1999), órgão oficial da
Congregação para o Culto Divino:
«Dos documentos da Santa
Sé depreende-se claramente que nas dioceses em que o pão eucaristico é
depositado nas mãos dos fiéis, a estes fica absolutamente garantido o direito
de o receber sobre a língua. Aqueles que obrigam os comungantes a receber a
santa Comunhão unicamente nas mãos como também aqueles que recusam aos fiéis a
Comunhão nas mãos nas dioceses que utilizam tal indulto, procedem
contrariamente às normas estabelecidas.
Segundo as normas referentes à
distribuição da Santa Comunhão, estejam os ministros ordinários e
extraordinários particularmente atentos a que os fiéis consumam imediatamente a
partícula consagrada, de modo que ninguém se afaste com as espécies
eucarísticas nas mãos.
Em todo caso, é para desejar que todos
tenham presente que a tradição secular consiste em receber a Comunhão sobre a
língua. O sacerdote celebrante, caso exista perigo de sacrilégio, não dê a
Comunhão nas mãos dos fiéis e exponha-lhes as razões por que assim procede» (Notitiae nº 392.393/1999).
Este
texto nos dá a ocasião de percorrer as grandes linhas da história da Comunhão
na mão.
1. A Praxe mais antiga
Nos
primeiros séculos, a Comunhão era colocada sobre a palma da mão dos fiéis para
que a consumissem. Excetuavam-se apenas os casos de enfermidades, em que era
freqüentemente depositada sobre a língua do comungante.
O mais
antigo testemunho que se tem a tal respeito, é uma inscrição encontrada na Ásia
Menor, dita "de Pectório" e datada do século II.
Eis os
seus dizeres simbolistas:
"Ó estirpe divina do
Peixe Celeste... recebe o alimento doce como o mel do Salvador dos santos; come
segundo a tua fome; traze o Peixe nas mãos".
Nesta passagem,
o "Peixe" designa simbolicamente o Senhor Jesus. Sabe-se que o Peixe
(em grego, ICHTHYS) é antiquíssimo símbolo de Cristo, pois as cinco letras
gregas que compõem este nome são as iniciais de uma profissão de fé em Cristo:
·
I(esous)
= Jesus
·
CH(ristós)
= Cristo
·
TH(eou) =
de Deus
·
Y(iós) =
Filho
·
S(otér) =
Salvador
No séc.
III, o escritor cristão Tertuliano, no norte da África, repreendia irmãos que
tinham sacrificado aos deuses, dizendo que tais cristãos se atreviam a "estender
ao corpo do Senhor as mesmas mãos que haviam levado corpos (carnes imoladas)
aos demônios... O mãos dignas de ser amputadas!" (De idol. 7).
Um dos
mais belos depoimentos sobre o rito de Comunhão na antigüidade é o de São
Cirilo de Jerusalém (+381), do qual vai transcrita aqui uma passagem dirigida a
cristãos adultos, que se preparavam para participar pela primeira vez do
mistério eucarístico:
"Quando te
aproximares, não caminhes com as mãos estendidas ou os dedos separados, mas
faze com a esquerda um trono para a direita, que está para receber o Rei; e
logo, com a palma da mão, forma um recipiente; recolhe o corpo do Senho,; e
dize: 'Amém'. A seguir santifica com todo o cuidado teus olhos pelo contato do
Corpo Sagrado, e toma-o. Contudo cuida de que nada caia por terra, pois, o que
caísse, tu o perderias como se fossem teus próprios membros. Responde-me: se
alguém te houvesse dado ouro em pó, não o guardarias com todo o esmero e não
tomarias cuidado para que não te caísse das mãos e para que nada se perdesse?
Sendo assim, não deves com muito esmero cuidar de que não caia nem uma migalha
daquilo que é mais precioso do que o ouro e as pedras preciosas?" (Catequese Mistagógica V,21s).
Esta
instrução do santo Bispo de Jerusalém dá-nos a saber que no século IV os fiéis
não somente recebiam a S. Eucaristia na palma da mão, mas também passavam a
partícula sagrada sobre os olhos a fim de se santificar.
Outros
depoimentos mais ou menos contemporâneos ao de S. Cirilo confirmam o uso de se
entregar a Comunhão na palma da mão direita do comungante, ficando a esquerda
por baixo desta. Em vista disso, havia uma bacia no adro das grandes basílicas
para que os fiéis lavassem as mãos ao entrar no recinto litúrgico.
Em muitos
lugares, era prescrito que os comungantes colocassem sobre a palma da mão uma
pequena toalha branca (dominicale) a fim de receber aí o Corpo do Senhor.
O uso de
passar a Eucaristia sobre os olhos e outros órgãos dos sentidos parece ter tido
origem entre os sírios. Foi provavelmente inspirado pelo texto de Ex 12,7, em
que Moisés, propondo o ritual da Páscoa judaica, mandava ungir com o sangue do
Cordeiro pascal as ombreiras e as vergas das portas das casas dos israelitas.
Estes dizeres, interpretados alegoricamente, terão sugerido a praxe de consagrar
os sentidos dos comungantes mediante o pão eucarístico.
Em certos
lugares, os fiéis beijavam a partícula sagrada recebida em suas mãos.
2. Os Desvios
A partir
do século IV, aconteceu que a devoção popular se foi tornando cada vez mais
exuberante no uso da S. Eucaristia depositada nas mãos dos comungantes.
Segundo
um costume antigo, os cristãos, com a devida autorização dos Bispos, levavam o
pão consagrado para casa a fim de comungar nos dias da semana em que não
houvesse Missa. Todavia, de posse da S. Eucaristia em suas residências, os
fiéis cediam facilmente à tendência de utilizar o sacramento para finalidades
várias, nem sempre consentâneas com o espírito cristão. Assim, no séc. V, por
exemplo, S. Agostinho referia que uma mulher costumava fazer, com a S.
Eucaristia, compressas para seu filho cego (cf. Opus
Imperfectum contra Iulianum III,162)1.
Quem
partia em viagem, freqüentemente levava consigo uma partícula da S. Eucaristia
como penhor de proteção e boa viagem. Isto se dava principalmente nos casos de
travessia marítima.
S.
Ambrósio (+397), por exemplo, refere o seguinte episódio ocorrido no século IV:
"Seu
irmão Sátiro, ainda catecúmeno, viajava da África setentrional para a Itália,
quando foi vitima de tremenda tempestade em alto mar. Vendo-se em perigo
iminente de morte, Sátiro dirigiu-se aos companheiros de viagem que ele sabia
ser cristãos, e pediu-lhes colocassem numa pequena toalha um fragmento da S.
Eucaristia, atassem entre si as quatro pontas da toalha e lhe prendessem ao
pescoço esse precioso depósito. Assim munido, atirou-se ao mar, sem mesmo
cuidar de levar consigo uma tábua de salvação; julgava-se suficientemente
protegido pela S. Eucaristia, podendo dispensar qualquer socorro humano. A
coragem de Sátiro não foi frustrada: enquanto os marujos perdiam ânimo, ele
conseguiu escapar do naufrágio e sobreviver" (cf. S. Ambrósio, De
excessu fratris sui Satyri I,44).
Este
episódio atesta claramente o uso de se levar a S. Eucaristia em viagem; Sátiro,
com toda a boa fé, utilizou-a para se livrar do perigo de morte; os cristãos
que com ele viajavam, atenderam com presteza ao pedido de Sátiro, como se
julgassem muito compreensível o plano do companheiro catecúmeno.
Documentos
posteriores atestam que a partícula sagrada era não raro pendurada ao pescoço dos
fiéis, aos leitos, às paredes de casa, aos cofres, como se fora um amuleto, um
feitiço dotado de poderes quase mágicos ou um motivo de profilaxia contra
doenças, desgraças, inimigos, etc. A função da "Eucaristia-alimento"
ia sendo esquecida.
Estes
fenômenos se devem, em grande parte, ao fato de que, no século IV, tendo os
Imperadores Romanos concedido paz e liberdade à Igreja, as conversões para o
Cristianismo se efetuavam em grande escala e de maneira por vezes brusca;
conseqüentemente, os novos cristãos ainda guardavam consigo traços da sua
antiga mentalidade, muito dada à superstição. Não era fácil às autoridades da
Igreja extirpar o uso popular de amuletos e símbolos semelhantes.
Em vista
dos vários abusos cometidos com a S. Eucaristia, os Concílios regionais, desde
o século IV, foram admoestando os fiéis. Tenham-se em vista, por exemplo, o
Concílio de Saragoça (Espanha) em 380 (cân. 3) e o I de Toledo (Espanha), que
em 400 assim legislava:
"Se alguém não
consumir realmente a Eucaristia recebida do sacerdote, seja expulso como um
sacrílego" (cân. 14).
Pouco
tempo depois, no Oriente o historiador Sozômeno consignava um curioso abuso:
Em
Constantinopla, o bispo São João Crisóstomo (+407) pregava com grande êxito a
vultosas multidões. Havia na cidade uma facção de hereges ditos
"Macedonianos" (adeptos de Macedônio, que negava a Divindade do
Espírito Santo). Certa vez, um membro dessa facção viu-se de tal modo
impressionado pelos sermões de São João Crisóstomo que, ao voltar à casa,
intimou sua esposa a se fazer católica com ele. A mulher, porém, não lhe deu
ouvidos, pois o círculo de suas amigas a detinha no grupo herético. Declarou
então o marido: "Se não receberes, juntamente comigo, os
divinos mistérios (=S. Eucaristia), já não poderás continuar a ser minha
consorte". Receber
a S. Eucaristia era, sim, segundo a mentalidade da época, o sinal mais
expressivo de adesão à S. Igreja.
A mulher,
intimidada pela ameaça do marido, prometeu satisfazer-lhe. Concebeu um plano,
que ela comunicou a uma serva de toda confiança, e dirigiu-se com o esposo e a
doméstica para a igreja católica. Na hora da Comunhão, aproximaram-se do altar.
A mulher, tendo recebido na mão a partícula eucarística, baixou a cabeça como
se a quisesse adorar e consumir. Nesse momento, porém, a serva, previamente
instruída, passou-lhe às mãos outra partícula de pão, ou seja, o pão que em
anterior ocasião lhe fora distribuído na assembléia de culto dos macedonianos e
que ela havia secretamente levado de casa para a igreja católica. Assim a
esposa macedoniana julgou poder evitar rixas com seu marido, sem contudo
violentar a sua própria consciência.
Tal
episódio é expressão das circunstâncias da vida cristã nos séculos IV/V. O que
nos interessa aí realçar é o desvirtuamento da S. Eucaristia entregue às mãos
da pessoa comungante.
Casos
análogos poderiam ser colhidos na literatura cristã da antigüidade e do início
da Idade Média.
Conscientes
dos abusos, as autoridades eclesiásticas foram recomendando que nas assembléias
eucarísticas se desse a S. Comunhão na boca dos fiéis, à semelhança do que se
fazia na administração do mesmo sacramento aos enfermos. Em conseqüência, no
século IX já devia ser quase geral o costume de se depositar a S. Eucaristia
não sobre a mão, mas sobre a língua dos fiéis. O concílio de Ruão (França), por
exemplo, baixava por volta de 878 a seguinte norma geral:
"A nenhum homem leigo
e a nenhuma mulher o sacerdote dará a Eucaristia nas mãos; entregá-la-á sempre
na boca" (cân.
2).
Nos séculos
X/XI o "Ordo VI" (Cerimonial para Missas pontificais) guardava um
vestígio do antigo uso, estipulando que aos presbíteros e diáconos fosse dada a
Eucaristia nas mãos; aos subdiáconos, porém, na boca. Em breve, porém, tal
exceção também caiu em desuso.
A nova
prescrição se generalizou justamente na mesma época (século IX), em que também
se difundiu no Ocidente o uso do pão ázimo como matéria do sacramento, em lugar
do pão fermentado: o pão ázimo aderia mais facilmente à língua do que os
fragmentos (em geral, grandes) de pão fermentado, que anteriormente se usava
para a Comunhão.
O emprego
do pão ázimo prevaleceu no Ocidente por razões diversas: o respeito cada vez
maior ao SS. Sacramento, e o conseqüente desejo de diferenciar o pão
eucarístico do pão profano; o intuito de usar o pão mais branco e belo
possível...; os textos bíblicos (os relatos da Última Ceia do Senhor, a
passagem de S. Paulo em 1Cor 5,7s; os costumes do Antigo Testamento formulados
em Lv 2,4.11; 6,9; Ml 1,11...).
Na Alta
Idade Média e em épocas posteriores, ainda se encontram testemunhos de que os
fiéis esporadicamente, ou em raras ocasiões, recebiam a Comunhão nas mãos.
3. A Legislação vigente
A
renovação litúrgica desencadeada pelo Concílio do Vaticano II levou a restaurar
o uso da Comunhão na mão dentro de circunstâncias adequadas para se evitarem os
inconvenientes registrados no decorrer da história.
Em
05/03/1975 a Santa Sé concedeu aos Bispos do Brasil a faculdade de permitirem a
Comunhão na mão em suas respectivas dioceses, desde que sejam observadas as
seguintes normas:
"1. Cada Bispo deve
decidir se autoriza ou não em sua Diocese a introdução do novo rito, e isso com
a condição de que haja preparação adequada dos fiéis e se afaste todo perigo de
irreverência.
2. A nova maneira de comungar não deve
ser imposta, mas cada fiel conserve o direito de receber a Comunhão na boca,
sempre que preferir.
3. Convém que o novo rito seja
introduzido aos poucos, começando por pequenos grupos, e precedido por uma
adequada catequese. Esta visará a que não diminua a fé na presença eucarística,
e que se evite qualquer perigo de profanação.
4. A nova maneira de comungar não deve
levar o fiel a menosprezar a Comunhão, mas a valorizar o sentido de sua
dignidade de membro do Corpo Místico de Cristo.
5. A hóstia deverá ser colocada sobre a
palma da mão do fiel, que a levará à boca antes de se movimentar para voltar ao
lugar ou então, embora por várias razões isto nos pareça menos aconselhável, o
fiel apanhará a hóstia na patena ou no cibório, que lhe é apresentado pelo
ministro que distribui a Comunhão, e que assinala seu ministério dizendo a cada
um a fórmula: "O Corpo de Cristo". É, pois, reprovado o costume de
deixar a patena ou o cibório sobre o altar para que os fiéis retirem do mesmo a
hóstia, sem apresentação por parte do ministro. É também inconveniente que os
fiéis tomem a hóstia com os dedos em pinça e, andando, a coloquem na boca.
6. É mister tomar cuidado com os
fragmentos, para que não se percam, e instruir o povo a seu respeito. É
preciso, também, recomendar aos fiéis que tenham as mãos limpas.
7. Nunca é permitido colocar na mão do
fiel a hóstia já molhada no cálice".
Estas
normas se acham na carta datada de 25/03/75, pela qual a Presidência da Conferência
Nacional dos Bispos transmitia a cada Bispo as instruções da Santa Sé. A mesma
carta ainda observava o seguinte:
"Só mediante o
respeito destas sábias condições, poderemos aguardar os frutos que todos
desejam desta medida.
A experiência da distribuição da
Comunhão na mão, em vários pon- tos do país, revelou pontos negativos, que
deverão ser cuidadosamente eliminados. Assim, alguns ministros deram na mão do
fiel a hóstia já molhada no cálice, enquanto outros, para ganhar tempo,
colocaram na própria mão várias hóstias, fazendo-as escorregar rapidamente, uma
a uma, nas mãos dos fiéis, como quem distribui balas às crianças".
Vê-se que
a Santa Sé enfatiza o máximo cuidado para que não haja profanação da S.
Eucaristia nem ocorram irreverências. Entre outras diretrizes, merecem especial
atenção as seguintes: não se deve comungar andando, mas quem recebeu na mão a
partícula sagrada, afaste-se para o lado (a fim de deixar a pessoa seguinte
aproximar-se) e, parado, comungue. Cada comungante trate de verificar se não
ficou na palma da mão ou entre os dedos alguma parcela de pão consagrado (em
caso positivo, deve consumi-la).
É lícito
comungar duas vezes no mesmo dia se, em ambos os casos, o fiel participar da S.
Missa (cânon 917).
Dom Estevão Bittencourt
1O pão eucarístico levado para
casa tinha, em grego, o nome de hygieia, "pão da saúde";
"broa da saúde". Notemos que em muitos lugares, tanto no Oriente
como no Ocidente, se consagrava pão fermentado, igual ao pão de mesa, e não pão
ázimo, um e outro tipo de pão são matéria válida para o sacramento.
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Fonte: Revista "Pergunte e Responderemos" nº 457
Disponível em: Apologistas Católicos
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