Transformações
culturais vêm sendo, também, decisivas para a "descatolização" do Brasil. O
padre e professor Leandro Chiarello localiza em fenômenos como a aceitação do
matrimônio entre pessoas do mesmo sexo o tipo de mudança que o refluxo
religioso desencadeia:
– O secularismo é a construção de uma sociedade sem Deus. Essa é
a tendência que estamos observando, a busca de uma sociedade desvinculada de
valores religiosos. Não gosto de dizer católicos, porque parece que é só a
Igreja Católica que está no barco. Não. É uma ação entre todos os cristãos.
Na Europa, em países como França, Alemanha, Holanda e
Inglaterra, o avanço da secularização e o aumento da indiferença religiosa
provocaram o fechamento de centenas de igrejas. Velhos templos foram vendidos e
hoje abrigam lojas de departamentos, escola para artistas de circo, pistas de
skate. A crise é tamanha que até outro ramo periclitante, o das venda de livros
físicos, mostra-se em posição de superioridade: alguns templos foram
convertidos em livrarias. Na Escócia, uma igreja luterana virou bar temático
alusivo a Frankenstein.
No Brasil, não há nada tão extremado acontecendo, mas sacerdotes
e fiéis enxergam as igrejas esvaziarem-se ano após ano. Tarcisio Scherer, 84
anos, vigário da Paróquia São Pedro, na Capital, ordenou-se em 1958. Ir à
missa, afirma, era considerado uma obrigação, a atividade mais importante do
fim de semana:
– As igrejas enchiam, não só uma vez, mas duas, três, no mesmo
dia. Era feio não participar, não expressar publicamente a fé. Era um
escândalo. Havia uma pressão social. Agora, temos de ano para ano uma
diminuição visível da frequência à missa.
Para Scherer, o Brasil vive com alguns anos de retardo o mesmo
processo de secularização ocorrido na Europa. Ele associa a
"descatolização" ao triunfo do consumismo e do hedonismo, acompanhado
por uma oferta muito maior de atividades:
– Na época em que as igrejas estavam cheias, não havia outras
coisas para fazer. Agora tem TV, tem videogame, tem estradas que permitem
chegar à praia em uma hora e meia, há shows. É uma sociedade em que quanto mais
as pessoas puderem curtir, mais elas curtem. Não têm tempo para a religião.
Ainda restam fortes traços católicos, mas dizer que o Brasil ainda é um país
católico, não sei.
As semelhanças entre o que ocorre no país e o que sucedeu na
Europa precisam ser nuançadas, diz Silvia Fernandes, professora da Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro. Ela argumenta que, por aqui, em oposição ao
Velho Mundo, pessoas que se declaram ateias ou sem religião são
malvistas.
– Sou contrária à ideia de que há um declínio da religiosidade.
Dados de pesquisas qualitativas mostram que as pessoas têm buscado formas
alternativas de viver a própria religiosidade – afirma.
O bispo Brustolin cita o espanhol José Casanova, tido como o
maior especialista internacional em secularização, para quem os processos da
Europa e do Brasil são profundamente distintos. No continente europeu, a
secularização avançou carreada por um racionalismo arraigado. Dessa forma,
quanto mais instruída a pessoa, menos religiosa ela é. No Brasil, essa relação
não seria tão clara. O brasileiro tem um fundo religioso capaz de resistir com
alguma firmeza.