segunda-feira, 8 de abril de 2019

Segunda pregação da Quaresma 2019: "Retorne a si mesmo"


  
MEDITAÇÃO PARA A QUARESMA
"Retorne a si mesmo"

Santo Agostinho lançou um apelo que, muitos séculos depois, manteve intacta a sua relevância: "In te ipsum redi. In interiore homine habitat veritas"[1]: "Retorne a si mesmo. A verdade habita no homem interior". Em um discurso ao povo, com insistência ainda maior, ele exorta:

"Entrai de novo em vosso coração! Onde quereis ir para longe de vós? Ao ir longe, vos perdereis. Por que vos dirigis a estradas desertas? Retornai do vosso deambular que vos levastes para fora da estrada; voltai para o Senhor. Ele está pronto. Em primeiro lugar, retornai ao vosso coração, vós que vos tornastes estranhos a vós mesmos, vagando lá fora: não vos conheceis a vós mesmos, e procurais aquele que vos criou! Voltai, retornai ao coração, desprendei-vos do vosso corpo... Retornai ao coração: ali examinai o que se pode perceber de Deus, porque ali se encontra a imagem de Deus; na interioridade do homem mora Cristo, na vossa interioridade vos renovais segundo a imagem de Deus"[2].

Continuando o comentário iniciado no Advento sobre o versículo do Salmo "A minha alma tem sede do Deus vivo", refletimos sobre o "lugar" onde cada um de nós entra em contato com o Deus vivo. No sentido universal e sacramental este "lugar" é a Igreja, mas no sentido pessoal e existencial é o nosso coração, o que a Escritura chama "o homem interior", "o homem escondido no coração"[3]. Esta escolha é impulsionada também pelo tempo litúrgico em que nos encontramos.  Jesus nestes quarenta dias está no deserto, e é aí que devemos chegar até ele. Nem todos podem ir para um deserto exterior; mas todos podemos nos refugiar no deserto interior que é o nosso coração. "Cristo habita na interioridade do homem", disse-nos Agostinho.

Se quisermos uma imagem plástica ou um símbolo que nos ajude a realizar esta conversão interior, o Evangelho oferece-nos com o episódio de Zaqueu. Zaqueu é o homem que quer conhecer Jesus e, para isso, sai de casa, entra na multidão, sobe a uma árvore... Procura-o fora. Mas, eis que, quando Jesus passou, viu-o e disse-lhe: "Zaqueu, desce imediatamente, porque hoje tenho de entrar em tua casa" (Lc 19, 5). Jesus traz Zaqueu de volta à sua casa e ali, no segredo, sem testemunhas, acontece o milagre: Ele conhece verdadeiramente quem é Jesus e encontra a salvação.

Nós nos parecemos muito com Zaqueu. Procuramos Jesus e o procuramos fora, nas ruas, na multidão. E é o próprio Jesus quem nos convida a voltar à nossa casa em nossos corações, onde Ele deseja encontrar-se conosco.

Interioridade, um valor em crise


A interioridade é um valor em crise. A "vida interior" que antes era quase sinônimo de vida espiritual, agora tende a ser vista com desconfiança. Há dicionários de espiritualidade que omitem completamente as vozes "interioridade" e "recolhimento" e outros que as trazem, mas não sem expressar algumas reservas. Por exemplo, nota-se que, afinal, não há nenhum termo bíblico que corresponda exatamente a estas palavras; que poderia ter havido, neste ponto, uma influência decisiva da filosofia platônica; que poderia favorecer o subjetivismo e assim por diante.

Um sintoma revelador deste declínio do gosto e da estima pela interioridade é o destino da Imitação de Cristo, que é uma espécie de manual para a introdução à vida interior. De livro mais amado entre os cristãos, depois da Bíblia, ele passou, em poucas décadas, a ser um livro esquecido.

Algumas das causas desta crise são antigas e inerentes à nossa própria natureza. A nossa "composição", isto é, o nosso ser feito de carne e espírito, nos faz como um plano inclinado, mas inclinado para o exterior, o visível e o múltiplo. Assim como o universo, após a explosão inicial (o famoso Big Bang), também nós estamos em fase de expansão e de afastamento do centro. "O olho não para de olhar, nem o ouvido se cansa de ouvir", diz as Escrituras (Ec 1, 8). Estamos perpetuamente "saindo" por aquelas cinco portas ou janelas que são nossos sentidos.

Outras causas são mais específicas e atuais. Uma delas é a emergência do "social" que é certamente um valor positivo do nosso tempo, mas que, se não for reequilibrado, pode acentuar a projeção ao exterior e a despersonalização do homem. Na cultura secularizada e leiga dos nossos tempos o papel que desempenhava a interioridade cristã foi assumido pela psicologia e pela psicanálise, que, no entanto, se detêm no inconsciente do homem e, em todo caso, na sua subjetividade, independentemente da sua íntima ligação com Deus.

No campo eclesial, a afirmação, com o Concílio, da ideia de uma "Igreja para o mundo" fez com que o antigo ideal de fugir do mundo fosse por vezes substituído pelo ideal de fugir para o mundo. O abandono da interioridade e a projeção para o exterior é um aspecto - e entre os mais perigosos - do fenômeno do secularismo. Houve até mesmo uma tentativa de justificar teologicamente esta nova orientação que tomou o nome de teologia da morte de Deus, ou da cidade secular. Deus - se fala - deu-nos, ele próprio, um exemplo. Encarnando-se, esvaziou-se, saiu de si mesmo, da interioridade trinitária, "mundanizou-se", isto é, dispersou-se no profano. Tornou-se um Deus "fora de si mesmo".

Primeira pregação da Quaresma 2019: "Bem-aventurados os puros de coração pois verão a Deus"



MEDITAÇÃO PARA A QUARESMA
"Bem-aventurados os puros de coração pois verão a Deus"
Continuando a reflexão iniciada no Advento sobre o versículo do salmo: "A minha alma tem sede do Deus vivo" (Sl 42, 2), nesta primeira pregação quaresmal gostaria de meditar convosco sobre a condição essencial para "ver" a Deus. Segundo Jesus, é a pureza de coração: "Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus" (Mt 5, 8), diz ele em uma de suas bem-aventuranças.

Sabemos que puro e pureza têm na Bíblia, assim como na linguagem comum, uma grande variedade de significados. O Evangelho insiste em duas áreas em particular: a retidão de intenções e a pureza dos costumes. A pureza das intenções é contraposta pela hipocrisia, a pureza dos costumes pelo abuso da sexualidade.

Na esfera moral, a palavra "pureza" comumente se refere a um certo comportamento na esfera da sexualidade, marcado pelo respeito à vontade do Criador e à finalidade intrínseca da própria sexualidade. Não podemos entrar em contato com Deus, que é espírito, a não ser através do nosso espírito. Mas a desordem ou, pior ainda, as aberrações neste campo têm o efeito constatado por todos de obscurecer a mente. É como balançar os pés em um charco: a lama, do fundo, se eleva e enlameia toda a água. Deus é luz e uma tal pessoa "odeia a luz".

O pecado impuro não deixa ver o rosto de Deus, ou, se o mostra, mostra-o todo deformado. Faz dele, não o amigo, o aliado e o pai, mas o antagonista, o inimigo. O homem carnal está cheio de concupiscências, deseja as coisas dos outros e a mulher dos outros. Nesta situação, Deus aparece para ele como aquele que bloqueia o caminho para os seus maus desejos por meio das suas ordens "Tu deves!", "Tu não deves!". O pecado desperta no coração do homem um ressentimento surdo contra Deus, a ponto de que, se dependesse dele, ele desejaria que Deus não existisse.

Nesta ocasião, porém, mais do que na pureza dos costumes, gostaria de insistir no outro sentido da expressão "puros de coração", isto é, na pureza ou retidão das intenções, na prática, na virtude contrária à hipocrisia. O tempo litúrgico em que vivemos também nos orienta neste sentido. Começamos a Quaresma, a quarta-feira de cinzas, ouvindo novamente as admoestações esmagadoras de Jesus:

          ["Quando derdes esmolas, não toqueis trombeta diante de vós, como os hipócritas... Quando orardes, não sejais como os hipócritas... E quando jejuardes, não vos torneis tão melancólicos como os hipócritas" (Mt 6, 1-18).]

É surpreendente o quanto o pecado da hipocrisia - o mais denunciado por Jesus nos evangelhos - pouco entre em nossos exames ordinários de consciência. Não tendo encontrado em nenhum deles a pergunta: "Fui hipócrita?", tive que colocá-la por minha conta, e raramente passei incólume para a próxima pergunta. O maior ato de hipocrisia seria esconder a própria hipocrisia. Escondê-la de si mesmo e dos outros, porque não é possível de Deus. A hipocrisia é amplamente superada no momento em que é reconhecida. E é isso que nos propomos fazer nesta meditação: reconhecer a parte de hipocrisia, mais ou menos consciente, que está em nossas ações.

O homem - escreveu Pascal - tem duas vidas: uma é a vida verdadeira, a outra é a vida imaginária que vive na opinião, sua ou do povo. Trabalhamos incansavelmente para embelezar e preservar o nosso ser imaginário e negligenciamos o verdadeiro. Se possuímos alguma virtude ou mérito, temos o cuidado de torná-la conhecida, de uma forma ou de outra, para enriquecer nosso ser imaginário com essa virtude ou mérito, dispostos até mesmo a prescindir dela, para acrescentar algo a ele, a ponto de consentir, às vezes, de sermos covardes, com tal de parecermos valentes e a dar também a vida, desde que as pessoas falem sobre isso[1].

Vamos tentar descobrir a origem e o significado do termo hipocrisia. A palavra vem da linguagem teatral. No início significava simplesmente recitar, representar no palco. Aos antigos não escapava o elemento intrínseco de mentira que existe em cada representação cênica, apesar do elevado valor moral e artístico que lhe é reconhecido. Daí o julgamento negativo que pesava sobre a profissão de ator, reservado, em certos momentos, aos escravos e até mesmo proibido pelos apologistas cristãos. A dor e a alegria representadas e enfatizadas não são verdadeira dor e verdadeira alegria, mas aparência, afetação. A realidade íntima dos sentimentos não corresponde às palavras e atitudes externas. O que se vê no rosto não é o que está no coração.

Usamos a palavra ficção num sentido neutro ou até mesmo positivo (é um gênero literário e de entretenimento muito em voga hoje em dia!); os antigos deram-lhe o sentido que ela realmente tem: o do fingimento. O que havia de negativo no fingimento cênico passou para a palavra hipocrisia. De uma palavra originalmente neutra, tornou-se uma palavra exclusivamente negativa, uma das poucas palavras com todos, e apenas, os significados negativos. Há quem se vanglorie de ser orgulhoso ou libertino, ninguém de ser hipócrita.

A origem do termo nos coloca na trilha para descobrir a natureza da hipocrisia. É fazer da vida um teatro em que se atua para um público; é usar uma máscara, deixar de ser uma pessoa para se tornar um personagem. O personagem nada mais é do que a corrupção da pessoa. A pessoa é um rosto, o personagem é uma máscara. A pessoa é nudez radical, o personagem é todo vestuário. A pessoa ama a autenticidade e a essencialidade, o personagem vive de fingimentos e de artifícios. A pessoa obedece às próprias convicções, o personagem obedece a um guião. A pessoa é humilde e leve, o personagem é pesado e volumoso.

Essa tendência inata do homem é grandemente aumentada pela cultura atual, dominada pela imagem. Cinema, televisão, internet: agora tudo é baseado principalmente na imagem, disse Descartes: "Cogito ergo sum", penso logo sou; mas hoje nós tendemos a substituí-lo por "apareço, portanto, sou". Um famoso moralista definiu a hipocrisia como "o tributo que o vício presta à virtude"[2]. Ameaça acima de tudo pessoas piedosas e religiosas. Um rabino do tempo de Cristo disse que 90% da hipocrisia do mundo estava em Jerusalém[3]. A razão é simples: quanto mais forte for a estima pelos valores do espírito, da piedade e da virtude, mais forte será também a tentação de cortá-los para não se parecer privado deles.

Um perigo vem também da multidão de ritos que as pessoas piedosas estão acostumadas a realizar e das prescrições que se comprometem a observar. Se não forem acompanhadas por um esforço contínuo de colocar uma alma neles, através do amor a Deus e ao próximo, tornam-se cascas vazias. "Estas coisas - diz São Paulo falando de certos ritos e prescrições exteriores - têm uma aparência de sabedoria, com sua afetada religiosidade e humildade e austeridade em relação ao corpo, mas na realidade servem apenas para satisfazer a carne" (Cl 2,23). Neste caso, as pessoas guardam, diz o Apóstolo, "a aparência de piedade, enquanto negam a sua força interior" (2 Tm 3, 5).

Quando a hipocrisia se torna crônica, cria, no matrimônio e na vida consagrada, a situação de "vida dupla": uma pública, evidente, outra oculta; muitas vezes uma diurna, outra noturna. É o estado espiritual mais perigoso para a alma, do qual se torna muito difícil sair, a menos que algo interfira de fora para romper o muro dentro do qual se está trancado. É a etapa que Jesus descreve com a imagem dos sepulcros caiados:

"Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, que pareceis túmulos caiados de branco: por fora estão lindos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e de toda podridão. Assim também vós: por fora pareceis justos diante dos homens, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e de iniquidade" (Mt 23, 27-28).

Se nos perguntarmos por que a hipocrisia é tão abominável diante de Deus", a resposta é clara. A hipocrisia é mentira. É esconder a verdade. Além disso, na hipocrisia o homem deve rebaixar a Deus, colocá-lo em segundo lugar, colocando as criaturas, o público, em primeiro lugar. É como se, na presença do rei, alguém virasse as costas para ele para se concentrar apenas nos servos. "O homem olha para a aparência, o Senhor olha para o coração" (1 Sam 16,7): cultivar a aparência mais do que o coração, significa automaticamente dar mais importância ao homem do que a Deus.

A hipocrisia é, portanto, essencialmente uma falta de fé, uma forma de idolatria, na medida em que coloca as criaturas no lugar do Criador. Jesus faz derivar dela a incapacidade dos seus inimigos de acreditarem n'Ele: "Como podeis crer, vós que vos gloriais uns aos outros, e não buscais a glória que vem somente de Deus? (Jo 5, 44). A hipocrisia falta também a caridade para com o próximo, porque tende a reduzir os outros a admiradores. Não lhes reconhece uma própria dignidade, mas os vê apenas em função da sua própria imagem. Números da audiência e nada mais.

Uma forma derivada da hipocrisia é a duplicidade ou insinceridade. Com a hipocrisia se procura mentir a Deus; com a duplicidade no pensar e no falar se procura mentir aos homens. Duplicidade é dizer uma coisa e pensar outra; falar bem de uma pessoa em sua presença e falar mal assim que ela vira as costas.

O juízo de Cristo sobre a hipocrisia é como uma espada flamejante: "Receperunt mercedem suam": "receberam a sua recompensa". Eles assinaram um recibo, não podem esperar outra coisa. Uma recompensa, além disso, ilusória e contraproducente também a nível humano, porque é muito verdadeiro o ditado que diz que "a glória foge de quem a persegue e persegue quem foge dela". 

É evidente que a nossa vitória sobre a hipocrisia nunca será uma vitória à primeira vista. A menos que tenhamos atingido um nível muito elevado de perfeição, não podemos evitar instintivamente sentir o desejo de aparecer em boa luz, de causar boa impressão, de agradar aos outros. A nossa arma é a retidão de intenção. A reta intenção é alcançada através da constante e diária retificação de nossa intenção. A intenção da vontade, não o sentimento natural, é o que faz a diferença aos olhos de Deus. 

Se a hipocrisia consiste em mostrar também o bem que não se faz, um remédio eficaz para contrariar esta tendência é esconder também o bem que se faz. Privilegiar aqueles gestos escondidos que não serão desperdiçados por nenhum olhar terreno e que conservarão todo o seu perfume para Deus. "A Deus, diz São João da Cruz, é mais agradável uma ação, ainda que pequena, feita em segredo e sem o desejo de ser conhecida, do que mil outras feitas com o desejo de serem vistas pelos homens". E ainda: "Uma ação feita inteiramente e puramente por Deus, com coração puro, cria um reino inteiro para aqueles que a fazem"[4].

Jesus insiste neste exercício: "Orai em segredo, jejuai em segredo, dai esmolas em segredo e vosso Pai, que vê no segredo, vos recompensará". (cf. Mt 6,4-18). São iguarias para Deus que tonificam a alma. Não se trata de fazer disto uma regra fixa. Jesus também diz: "Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e dêem glória ao vosso Pai que está nos céus" (Mt 5, 16). É uma questão de distinguir quando é bom para os outros verem e quando é melhor para eles não verem.

O pior que se pode fazer, no final de uma descrição da hipocrisia, é usá-la para julgar os outros, para denunciar a hipocrisia que existe à nossa volta. É precisamente a eles que Jesus aplica o título de hipócritas: "Hipócritas, tirai primeiro a trave do vosso olho e depois vereis bem para tirar o cisco do olho do vosso irmão! (Mt 7,5). Aqui é verdadeiramente oportuno dizer: "Aquele dentre vós que não tem pecado, atire a primeira pedra" (Jo 8, 7). Quem pode dizer que está completamente livre de qualquer forma de hipocrisia? De não ser um pouco, também ele, um sepulcro caiado, diferente por dentro do que aparece por fora? Talvez só Jesus e Nossa Senhora tenham estado isentos, de forma estável e absoluta, de todas as formas de hipocrisia. O fato consolador é que, assim que se diz: "Fui hipócrita", sua hipocrisia é superada.

Terceira pregação da Quaresma 2019: "A idolatria, a antítese do Deus vivo"



MEDITAÇÃO PARA A QUARESMA
"A idolatria, a antítese do Deus vivo"
 
Todas as manhãs, quando acordamos, temos uma experiência única, que quase nunca notamos. Durante a noite, as coisas à nossa volta existiam, eram como as tínhamos deixado na noite anterior: a cama, a janela, o quarto. Talvez o sol já esteja brilhando lá fora, mas não o vemos porque nossos olhos estão fechados e nossas cortinas estão abaixadas. Só agora, quando acordo, é que as coisas começam ou voltam a existir para mim, porque me dou conta delas, as percebo. Antes era como se elas não existissem, como se eu não existisse.

A mesma coisa acontece com Deus. Ele está sempre ali; "nele nos movemos, respiramos e somos", disse Paulo aos atenienses (At 17,28); mas geralmente isso acontece como no sono, sem que nos demos conta. O espírito também precisa de um despertar, um aumento da consciência. É por isso que a Escritura nos exorta tantas vezes a despertar do sono: "Acordai vós que dormis, despertai dos mortos, e Cristo vos iluminará" (Ef 5, 14), "Agora é tempo de vos despertar do sono! (Rm 13,11). É o que nos propomos para continuar, na Quaresma, a busca do Deus vivo que começou no Advento.

Idolatria antiga e nova


O Deus "vivo" da Bíblia é assim definido para distingui-lo dos ídolos que são coisas mortas. É a batalha que une todos os livros do Antigo e do Novo Testamento.  Basta abrir quase ao acaso uma página dos profetas ou dos salmos para encontrar os sinais desta luta épica em defesa do único Deus de Israel. A idolatria é a antítese exata do Deus vivo. Dos ídolos, diz um salmo:

Os ídolos dos povos são prata e ouro,
trabalho das mãos do homem.
Eles têm boca e não falam,
têm olhos e não conseguem ver,
têm ouvidos e não ouvem,
têm narinas e não cheiram.
Têm mãos e não apalpam,
têm pés e não andam;
Da garganta não fazem barulho. (Sl 114, 3-7).

Do contraste com os ídolos, o Deus vivo aparece como um Deus que "faz o que quer", que fala, que vê, que ouve, um Deus "que respira"! O sopro de Deus também tem um nome na Escritura: é chamado de Ruah Jahwe, o Espírito de Deus. É o sopro que Deus soprou sobre Adão quando ainda era um simulacro de argila (Gn 2, 7); é o sopro que o Ressuscitado soprou sobre os discípulos na noite de Páscoa: "Soprou sobre eles e disse: "Recebei o Espírito Santo" (Jo 20, 22).

A batalha contra a idolatria infelizmente não terminou com o fim do paganismo histórico; ela está sempre em ato. Os ídolos mudaram de nome, mas estão mais presentes do que nunca. Mesmo dentro de cada um de nós, veremos, há um que é o mais assustador de todos. Por conseguinte, vale a pena insistir, por uma vez, neste problema, como um problema atual, e não apenas do passado.

Aquele que fez da idolatria a análise mais lúcida e profunda é o apóstolo Paulo. Deixemo-nos guiar por ele para a descoberta do "bezerro de ouro" que se esconde em cada um de nós. No início da carta aos Romanos nós lemos estas palavras:

"Na realidade, a ira de Deus é revelada do céu contra toda a impiedade e toda injustiça dos homens que sufocam a verdade na injustiça, pois o que pode ser conhecido de Deus é manifesto a eles; o próprio Deus o manifestou a eles. Com efeito, desde a criação do mundo em diante, as suas perfeições invisíveis podem ser contempladas com o intelecto nas suas obras, como seu eterno poder e divindade; são, portanto, indesculpáveis, porque, embora conheçam a Deus, não lhe deram glória nem graças como Deus, mas vaguearam em seus raciocínios e as suas mentes obtusas foram obscurecidas" (Rm 1, 18-21).

Nas mentes dos que estudaram teologia, estas palavras estão quase exclusivamente ligadas à tese da cognoscibilidade natural da existência de Deus a partir das criaturas. Portanto, uma vez resolvido este problema, ou depois de ter deixado de ser tão atual como no passado, acontece que estas palavras raramente são lembradas e valorizadas. Mas a do conhecimento natural de Deus é, no contexto, um problema completamente marginal. As palavras do Apóstolo têm muito mais a nos dizer; elas contêm um desses "trovões de Deus" capazes de derrubar também os cedros do Líbano.

O Apóstolo está empenhado em demonstrar a situação da humanidade antes de Cristo e fora dele; em outras palavras, onde começa o processo de redenção. Ele não parte de zero, da natureza, mas de subzero, do pecado. Todos pecaram, ninguém excluído. O Apóstolo divide o mundo em duas categorias: Gregos e judeus, isto é, pagãos e crentes, e começa sua acusação precisamente a partir do pecado dos pagãos. Identifica o pecado fundamental do mundo pagão na impiedade e na injustiça. Diz que este é um ataque à verdade; não a esta ou aquela verdade, mas à verdade original de todas as coisas.

O pecado fundamental, o objeto primário da ira divina, é identificado na asebeia, isto é, na impiedade. Em que consiste exatamente esta impiedade, o Apóstolo explica imediatamente, dizendo que consiste na recusa de "glorificar" e de "agradecer" a Deus. Em outras palavras, ao recusar reconhecer Deus como Deus, ao não lhe dar a consideração que lhe é devida. Consiste, poderíamos dizer, em "ignorar" a Deus, onde, no entanto, ignorar não significa tanto "não saber que existe" mas "fazer como se ele não existisse".

No Antigo Testamento ouvimos Moisés que grita ao povo: "Reconhece que Deus é Deus! (cf. Dt 7,9) e um salmista retoma este grito, dizendo: "Reconhecei que o Senhor é Deus: Ele fez-nos e nós somos seus! (Sl 100,3). Reduzido ao seu núcleo germinativo, o pecado é negar este "reconhecimento"; é a tentativa, por parte da criatura, de anular a diferença qualitativa infinita que existe entre a criatura e o Criador, recusando-se a depender dele. Esta recusa tomou forma, concretamente, na idolatria, em que a criatura é adorada em vez do Criador (cf. Rm 1, 25). Os pagãos, continua o Apóstolo, "vaguearam nos seus raciocínios e escureceram as suas mentes obtusas. Como se declararam sábios, tornaram-se loucos e mudaram a glória do Deus incorruptível com a imagem e a figura do homem corruptível, dos pássaros, quadrúpedes e répteis" (Rm 1,22-23).

O Apóstolo não quer dizer que todos os pagãos, sem distinção, devam ter vivido subjetivamente neste tipo de pecado (mais tarde ele falará de pagãos que se tornam aceitos a Deus seguindo a lei de Deus escrita em seus corações, cf. Rm 2,14 ss); ele só quer dizer qual é a situação objetiva do homem diante de Deus depois do pecado. O homem, criado " reto " (no sentido físico de ereto e no sentido moral de justo), com o pecado tornou-se " curvo ", isto é, dobrado sobre si mesmo, e " perverso ", orientado para si mesmo, mais do que para Deus.

Na idolatria, o homem não "aceita" Deus, mas se faz um deus. As partes são invertidas: o homem torna-se o oleiro e Deus o vaso que molda ao seu gosto (cf. Rm 9, 20 ss.). Em tudo isto há uma referência, pelo menos implicitamente, ao relato da criação (cf. Gn 1, 26-27).  Ali se diz que Deus criou o homem à sua imagem e semelhança; aqui se diz que o homem trocou por Deus a imagem e a figura do homem corruptível. Em outras palavras, Deus fez o homem à sua imagem, agora o homem faz Deus à sua imagem. Porque o homem é violento, eis que fará da violência um deus, Marte; porque é cobiçoso, fará da luxúria uma deusa, Vênus, e assim por diante. Faz de Deus a projeção de si mesmo.

Igreja terá um novo beato brasileiro, pe. Donizetti Tavares de Lima

Na audiência ao prefeito da Congregação das Causas dos Santos, cardeal Angelo Becciu, no último sábado, o Papa Francisco reconheceu o milagre por intercessão do Venerável Servo de Deus Pe. Donizetti Tavares de Lima que será beatificado, e as virtudes heróicas dos Servos de Deus frei Damião de Bozzano e do leigo Nelson Santana.

Durante o encontro, o Santo Padre autorizou a promulgação de alguns decretos, reconhecendo o milagre por intercessão do Venerável Servo de Deus Pe. Donizetti Tavares de Lima que será beatificado.

O sacerdote diocesano brasileiro nasceu em 3 de janeiro de 1882, em Cássia (MG), e faleceu em 16 de junho de 1961, em Tambaú (SP).

Padre Donizetti espalhou por Tambaú diversas obras sociais, dentre as quais a fundação do asilo São Vicente de Paulo e da Associação de Proteção à Maternidade e Infância de Tambaú. Criou também a Congregação Mariana, a Irmandade das Filhas de Maria e o Círculo Operário Tambauense.

Exerceu seu sacerdócio como Jesus, a serviço dos pobres, dos marginalizados e doentes. Viveu de maneira simples e humilde, sempre à disposição do povo.

Ainda hoje em Tambaú as suas obras sociais continuam sendo testemunhas de seu zelo social. Tinha grande devoção a Nossa Senhora Aparecida. Em sua época, contam-se vários sinais milagrosos da multidão que ia a Tambaú para receber a bênção do pe. Donizetti.

Nelsinho Santana, menino de grande fé

Francisco reconheceu as virtudes heroicas do Servo de Deus Nelson Santana que torna-se Venerável. Leigo, brasileiro de Ibitinga (SP), Nelson nasceu 31 de julho de 1955, e morreu em Araraquara (SP), em 24 de dezembro de 1964, vigília de Natal.

Nelsinho, como era conhecido, era um garoto que tinha câncer no braço. Entre os 7-8 anos, ele sofreu uma queda, provocando um ferimento no ombro esquerdo que começou a se complicar. Seu braço esquerdo foi amputado. Dos 7 aos 9 anos praticamente morou no hospital e fez lá a sua primeira comunhão. Ele mesmo anunciou a sua morte previamente. Com o passar do tempo, o lugar onde Nelsinho foi enterrado tornou-se alvo de muitas visitas por graças alcanças atribuídas a ele.

Igreja Católica defende a "cura espiritual" de homossexuais que precisam de ajuda


O secretário-geral da Conferência Episcopal Espanhola (CEE), Luis Argüello, declarou em uma coletiva de imprensa na última sexta-feira (5) a criação de cursos de "cura espiritual" para homossexuais que precisam de "ajuda e acompanhamento".

Obviamente, a declaração de Arguello, que também é o bispo auxiliar de Valladolid, soou de forma distorcida nos ouvidos da imprensa, que divulgou sua posição, também, no sentido de cura psicológica.

No entanto, ele mesmo deixou claro que a iniciativa "trata-se de acompanhar as pessoas que desejam discernimento espiritual", referindo-se à cura no sentido do conhecimento espiritual, conforme à doutrina católica que, semelhante às demais de origem cristã, condenam o comportamento homossexual.

sábado, 6 de abril de 2019

Papa nomeia arcebispo pró-LGBT para Arquidiocese de Washington e católicos reagem


O Vaticano anunciou quinta-feira que o arcebispo Wilton D. Gregory, de Atlanta, será o sucessor do cardeal Donald Wuerl, na Arquidiocese de Washington DC, uma das mais proeminentes dos Estados Unidos.

Inúmeros fiéis católicos estão indignados com a nomeação de Gregório. O arcebispo tem um histórico de demonstrar apoio à homossexualidade, ao contrário do ensino católico, juntamente com outras posições não ortodoxas.

O grupo "Leigos Católicos para os Bispos e Reformas Ortodoxos" exortou a Santa Sé a "procurar um candidato digno sem laços com Joseph Cardinal Bernardin, Theodore McCarrick ou Donald Cardinal Wuerl".

“A Arquidiocese de Washington precisa de um pastor digno, com um histórico comprovado de ensinar e praticar a plenitude da fé católica. Precisamos de um líder robusto para o catolicismo, com o Coração de Cristo, focado na mensagem do Evangelho, não na política liberal”, disse o grupo no início desta semana, quando surgiram os rumores sobre a nomeação de Gregory.

Em um comunicado à imprensa de hoje, o grupo disse que "continua pedindo um pastor digno que será um professor robusto da fé católica e defensor da moral católica".

“Continuamos também procurando em nome dos leigos uma melhor comunicação com a hierarquia e a Santa Sé. Estamos prontos para trabalhar com o arcebispo Gregory para atingir esses objetivos”, afirmou.

O arcebispo Gregory disse que estava grato ao papa pela nomeação.

"Estou profundamente grato ao Papa Francisco por esta nomeação para servir a arquidiocese de Washington e para trabalhar com todos os membros desta comunidade de fé", disse ele. "Estou ansioso para encontrar e ouvir as pessoas desta Igreja local como abordamos as questões que enfrentamos e continuamos a crescer no Amor de Cristo que nos sustenta".

Políticas Públicas


A Quaresma é tempo de conversão, oração e esmolas, como preparação para a Páscoa. A Igreja no Brasil, incentivando-nos a esses exercícios espirituais, convida-nos também a um gesto concreto na área social, através da Campanha da Fraternidade, que trata, este ano, das políticas públicas.

Para não julgarem que a Igreja estaria se intrometendo em coisas próprias do Estado, o Papa Francisco explica: “Muito embora aquilo que se entende por política pública seja primordialmente uma responsabilidade do Estado cuja finalidade é garantir o bem comum dos cidadãos, todas as pessoas e instituições devem se sentir protagonistas das iniciativas e ações que promovam ‘o conjunto das condições de vida social que permitem aos indivíduos, famílias e associações alcançar mais plena e facilmente a própria perfeição’ (Gaudium et spes, 74)” (Papa Francisco – Mensagem para a CF desse ano).

Segundo Aristóteles, Política é a ciência que tem por objeto a felicidade humana e divide-se em ética (que se preocupa com a felicidade individual do homem na “polis-cidade”) e na política propriamente dita (que se preocupa com a felicidade coletiva da “polis”). Santo Tomás de Aquino cunhou o termo bem comum, ou bem público, que é o bem de toda a sociedade, finalidade do Estado,  termo adotado pela Doutrina Social da Igreja, como sendo “o conjunto das condições da vida social que permitem, tanto aos grupos como a cada membro, alcançar mais plena e facilmente a própria perfeição” (Gaudium et Spes, n. 26). 

Pivô de polêmicas, Padre Pinto morre em Salvador aos 72 anos



Morreu no final da tarde desta quinta-feira (4) o padre José de Souza Pinto, conhecido como Padre Pinto. De acordo com informações da Arquidiocese de Salvador, o religioso, de 72 anos, estava internado desde quarta-feira (3) no Hospital Jorge Valente, na Avenida Garibaldi. Ele havia sofrido um Acidente Vascular Cerebral (AVC) em novembro do ano passado.

Nos últimos anos, o religioso, que foi pivô de diversas polêmicas envolvendo, especialmente, o candomblé, vivia na Casa de Retiro Sagrada Família, vizinha à Paróquia de São Caetano da Divina Providência, no bairro de São Caetano, com outros padres da congregação vocacionista.

Padre Pinto foi o responsável por revitalizar a Festa de Reis da Paróquia da Lapinha, onde atuou por muitos anos. Artista plástico e bailarino por formação, ele passou a lotar as ruas do bairro com a celebração e, especialmente, na Festa de Reis.

Muitas vezes, no entanto, isso provocou reações dentro da própria igreja. Em 2006, quando decidiu exacerbar o caráter sincrético da cultura religiosa da Bahia e levou para dentro da igreja rituais do candomblé, acabou sendo acusado de heresia. Numa das missas da Festa de Reis se vestiu de Oxum, orixá das águas doces. 

 
A situação, que provocou sua remoção da Paróquia da Lapinha após mais de duas décadas, ocorreu após um grupo de fiéis pedir sua saída da Lapinha. “Eu não quero sair daqui. Eu quero morrer aqui, no altar”, disse, respondendo a uma carta dos fiéis incomodados.

A situação também envolveu o então Arcebispo de Salvador e Primaz do Brasil, Dom Geraldo Majella Agnelo, que reprovou a atitude de Padre Pinto. O pároco chegou a dizer que tinha autorização dos superiores para as performances envolvendo a religião de matriz africana, mas foi desmentido.