MEDITAÇÃO PARA A QUARESMA
"A idolatria, a antítese do Deus vivo"
"A idolatria, a antítese do Deus vivo"
Todas as manhãs, quando
acordamos, temos uma experiência única, que quase nunca notamos. Durante a
noite, as coisas à nossa volta existiam, eram como as tínhamos deixado na noite
anterior: a cama, a janela, o quarto. Talvez o sol já esteja brilhando lá fora,
mas não o vemos porque nossos olhos estão fechados e nossas cortinas estão
abaixadas. Só agora, quando acordo, é que as coisas começam ou voltam a existir
para mim, porque me dou conta delas, as percebo. Antes era como se elas não
existissem, como se eu não existisse.
A mesma coisa acontece
com Deus. Ele está sempre ali; "nele nos movemos, respiramos e
somos", disse Paulo aos atenienses (At 17,28); mas geralmente isso
acontece como no sono, sem que nos demos conta. O espírito também precisa de um
despertar, um aumento da consciência. É por isso que a Escritura nos exorta
tantas vezes a despertar do sono: "Acordai vós que dormis, despertai dos
mortos, e Cristo vos iluminará" (Ef 5, 14), "Agora é tempo de vos
despertar do sono! (Rm 13,11). É o que nos propomos para continuar, na Quaresma,
a busca do Deus vivo que começou no Advento.
Idolatria antiga e nova
O Deus "vivo"
da Bíblia é assim definido para distingui-lo dos ídolos que são coisas mortas.
É a batalha que une todos os livros do Antigo e do Novo Testamento. Basta
abrir quase ao acaso uma página dos profetas ou dos salmos para encontrar os
sinais desta luta épica em defesa do único Deus de Israel. A idolatria é a
antítese exata do Deus vivo. Dos ídolos, diz um salmo:
Os ídolos dos povos são
prata e ouro,
trabalho das mãos do homem.
trabalho das mãos do homem.
Eles têm boca e não
falam,
têm olhos e não conseguem ver,
têm ouvidos e não ouvem,
têm narinas e não cheiram.
têm olhos e não conseguem ver,
têm ouvidos e não ouvem,
têm narinas e não cheiram.
Têm mãos e não apalpam,
têm pés e não andam;
Da garganta não fazem barulho. (Sl 114, 3-7).
têm pés e não andam;
Da garganta não fazem barulho. (Sl 114, 3-7).
Do contraste com os
ídolos, o Deus vivo aparece como um Deus que "faz o que quer", que
fala, que vê, que ouve, um Deus "que respira"! O sopro de Deus também
tem um nome na Escritura: é chamado de Ruah Jahwe, o Espírito de Deus. É
o sopro que Deus soprou sobre Adão quando ainda era um simulacro de argila (Gn
2, 7); é o sopro que o Ressuscitado soprou sobre os discípulos na noite de
Páscoa: "Soprou sobre eles e disse: "Recebei o Espírito Santo"
(Jo 20, 22).
A batalha contra a
idolatria infelizmente não terminou com o fim do paganismo histórico; ela está
sempre em ato. Os ídolos mudaram de nome, mas estão mais presentes do que
nunca. Mesmo dentro de cada um de nós, veremos, há um que é o mais assustador
de todos. Por conseguinte, vale a pena insistir, por uma vez, neste problema,
como um problema atual, e não apenas do passado.
Aquele que fez da
idolatria a análise mais lúcida e profunda é o apóstolo Paulo. Deixemo-nos
guiar por ele para a descoberta do "bezerro de ouro" que se esconde
em cada um de nós. No início da carta aos Romanos nós lemos estas palavras:
"Na realidade, a
ira de Deus é revelada do céu contra toda a impiedade e toda injustiça dos
homens que sufocam a verdade na injustiça, pois o que pode ser conhecido de
Deus é manifesto a eles; o próprio Deus o manifestou a eles. Com efeito, desde
a criação do mundo em diante, as suas perfeições invisíveis podem ser
contempladas com o intelecto nas suas obras, como seu eterno poder e divindade;
são, portanto, indesculpáveis, porque, embora conheçam a Deus, não lhe deram
glória nem graças como Deus, mas vaguearam em seus raciocínios e as suas mentes
obtusas foram obscurecidas" (Rm 1, 18-21).
Nas mentes dos que
estudaram teologia, estas palavras estão quase exclusivamente ligadas à tese da
cognoscibilidade natural da existência de Deus a partir das criaturas.
Portanto, uma vez resolvido este problema, ou depois de ter deixado de ser tão
atual como no passado, acontece que estas palavras raramente são lembradas e
valorizadas. Mas a do conhecimento natural de Deus é, no contexto, um problema
completamente marginal. As palavras do Apóstolo têm muito mais a nos dizer;
elas contêm um desses "trovões de Deus" capazes de derrubar também os
cedros do Líbano.
O Apóstolo está
empenhado em demonstrar a situação da humanidade antes de Cristo e fora dele;
em outras palavras, onde começa o processo de redenção. Ele não parte de zero,
da natureza, mas de subzero, do pecado. Todos pecaram, ninguém excluído. O
Apóstolo divide o mundo em duas categorias: Gregos e judeus, isto é, pagãos e
crentes, e começa sua acusação precisamente a partir do pecado dos pagãos.
Identifica o pecado fundamental do mundo pagão na impiedade e na injustiça. Diz
que este é um ataque à verdade; não a esta ou aquela verdade, mas à verdade
original de todas as coisas.
O pecado fundamental, o
objeto primário da ira divina, é identificado na asebeia, isto é, na
impiedade. Em que consiste exatamente esta impiedade, o Apóstolo explica
imediatamente, dizendo que consiste na recusa de "glorificar" e de
"agradecer" a Deus. Em outras palavras, ao recusar reconhecer Deus
como Deus, ao não lhe dar a consideração que lhe é devida. Consiste, poderíamos
dizer, em "ignorar" a Deus, onde, no entanto, ignorar não significa
tanto "não saber que existe" mas "fazer como se ele não
existisse".
No Antigo Testamento
ouvimos Moisés que grita ao povo: "Reconhece que Deus é Deus! (cf. Dt 7,9)
e um salmista retoma este grito, dizendo: "Reconhecei que o Senhor é Deus:
Ele fez-nos e nós somos seus! (Sl 100,3). Reduzido ao seu núcleo germinativo, o
pecado é negar este "reconhecimento"; é a tentativa, por parte da
criatura, de anular a diferença qualitativa infinita que existe entre a
criatura e o Criador, recusando-se a depender dele. Esta recusa tomou forma,
concretamente, na idolatria, em que a criatura é adorada em vez do Criador (cf.
Rm 1, 25). Os pagãos, continua o Apóstolo, "vaguearam nos seus raciocínios
e escureceram as suas mentes obtusas. Como se declararam sábios, tornaram-se
loucos e mudaram a glória do Deus incorruptível com a imagem e a figura do
homem corruptível, dos pássaros, quadrúpedes e répteis" (Rm 1,22-23).
O Apóstolo não quer
dizer que todos os pagãos, sem distinção, devam ter vivido subjetivamente neste
tipo de pecado (mais tarde ele falará de pagãos que se tornam aceitos a Deus
seguindo a lei de Deus escrita em seus corações, cf. Rm 2,14 ss); ele só quer
dizer qual é a situação objetiva do homem diante de Deus depois do pecado. O
homem, criado " reto " (no sentido físico de ereto e no
sentido moral de justo), com o pecado tornou-se " curvo ",
isto é, dobrado sobre si mesmo, e " perverso ", orientado para si
mesmo, mais do que para Deus.
Na idolatria, o homem
não "aceita" Deus, mas se faz um deus. As partes são invertidas: o
homem torna-se o oleiro e Deus o vaso que molda ao seu gosto (cf. Rm 9, 20
ss.). Em tudo isto há uma referência, pelo menos implicitamente, ao relato da
criação (cf. Gn 1, 26-27). Ali se diz que Deus criou o homem à sua imagem
e semelhança; aqui se diz que o homem trocou por Deus a imagem e a figura do
homem corruptível. Em outras palavras, Deus fez o homem à sua imagem, agora o
homem faz Deus à sua imagem. Porque o homem é violento, eis que fará da
violência um deus, Marte; porque é cobiçoso, fará da luxúria uma deusa, Vênus,
e assim por diante. Faz de Deus a projeção de si mesmo.
"Tu és esse homem!"
Seria fácil mostrar que
esta é também a situação em que, de certa forma, nos encontramos, no Ocidente,
do ponto de vista religioso e a partir da qual o ateísmo moderno começou com a
famosa máxima de Feuerbach: "Não foi Deus quem criou o homem à sua imagem,
mas foi o homem que criou Deus à sua imagem". Em certo sentido, temos de
admitir que esta afirmação é verdadeira! Sim, deus é verdadeiramente um produto
da mente humana. O problema, porém, é saber de que deus se trata. Certamente
não é o Deus vivo da Bíblia, mas apenas um substituto.
Imaginemos que hoje um
homem desequilibrado comece a dar marteladas na estátua do David de
Michelangelo em frente ao Palazzo della Signoria em Florença, e depois comece a
gritar com um ar de triunfo: "Eu destruí o David de Michelangelo! O David
não existe mais! O David não existe mais!". Não sabe, pobre iludido, que
este era apenas um modelo, uma cópia para turistas apressados, porque o
verdadeiro David de Michelangelo, após um ataque do tipo que aconteceu no
passado, tinha sido retirado de circulação e colocado em um lugar seguro na
Galleria dell'Accademia. Foi o que aconteceu a Nietzsche quando, pela boca de
um de seus personagens, ele proclamou: "Nós matamos Deus!"[1] . Ele
não percebeu que não tinha matado o verdadeiro Deus, mas uma cópia de
"gesso" dele.
Basta uma simples
observação para se convencer de que o ateísmo moderno não tem a ver com o Deus
da fé cristã, mas com uma ideia deformada dele. Se a ideia do Deus Uno e Trino
tivesse sido mantida viva na teologia (em vez de falar de um vago "Ser
Supremo") não teria sido tão fácil para Feuerbach fazer triunfar a sua
tese de que Deus é uma projeção que o homem faz de si mesmo e de sua própria
essência. Que necessidade teria o homem de se dividir em três: Pai, Filho e
Espírito Santo? É o deísmo vago que é demolido pelo ateísmo moderno, não a fé
no Deus uno e trino.
Mas vamos passar a outra
coisa. Não estamos aqui para refutar o ateísmo moderno ou para um curso de
teologia pastoral; estamos aqui para fazer um caminho de conversão pessoal. Que
parte temos nós - refiro-me agora a "nós" no sentido de nós que
estamos aqui, de nós crentes -, na tremenda acusação da Bíblia contra a
idolatria? De acordo com o que foi dito até agora, pareceria, de fato, que
temos, acima de tudo, um papel de acusadores. Mas ouçamos bem o que segue na
Carta de Paulo aos Romanos. Depois de ter arrancado a máscara do rosto do
mundo, nela o Apóstolo arranca também a máscara do nosso rosto e vemos como.
"Assim, és
inescusável, ó homem, quem quer que sejas, que te arvoras em juiz. Naquilo que
julgas a outrem, a ti mesmo te condenas; pois tu, que julgas, fazes as mesmas
coisas que eles. Ora, sabemos que o juízo de Deus contra aqueles que fazem tais
coisas corresponde à verdade. Tu, ó homem, que julgas os que praticam tais
coisas, mas as cometes também, pensas que escaparás ao juízo de
Deus?" (Rm 2,1-3).
A Bíblia conta esta
história. O rei Davi havia cometido um adultério; para encobri-lo, tinha feito
morrer o marido da mulher na guerra, de modo que, naquele momento, tomá-la por
esposa podia até parecer um ato de generosidade, por parte do rei, para com um
soldado que havia morrido lutando por ele. Uma verdadeira cadeia de pecados.
Então, aproximou-se dele o profeta Natã, enviado por Deus, e contou-lhe uma
parábola (mas o rei não sabia que era uma parábola). Havia - disse - , na
cidade, um homem muito rico que tinha rebanhos de ovelhas e havia também um
homem pobre que tinha apenas uma ovelha muito querida para ele, da qual tirava o
seu sustento e que dormia com ele. Um hóspede chegou ao rico e ele,
economizando as suas ovelhas, pegou para si as ovelhas do pobre e mandou
matá-las para preparar a mesa do hóspede. Ao ouvir esta história, a ira de Davi
se desencadeou contra o homem e ele disse: "Quem fez isso merece morrer!
Então Natan, abandonando de repente a parábola e apontando seu dedo para ele,
disse a Davi: "Você é esse homem! (cf. 2 Sam 12,1 ss).
Isso é o que o Apóstolo
Paulo faz conosco. Depois de nos ter arrastado atrás dele numa justa indignação
e horror perante a impiedade do mundo, passando do primeiro capítulo ao segundo
capítulo da sua Carta, como se de repente se tivesse voltado para nós,
repete-nos: "Tu és aquele homem! O reaparecimento, neste ponto, do termo "indesculpável"
(anapologetos), usado acima para os pagãos, não deixa dúvidas sobre as
intenções de Paulo. Enquanto julgavas os outros - ele vem dizer -, te
condenavas a ti mesmo. O horror que concebeste para com a idolatria é hora de
voltá-lo contra ti próprio.
O "juiz", no
decorrer do capítulo dois, revela-se como o judeu que aqui, porém, é tomado,
mais do que qualquer outra coisa, como um tipo. O "judeu" é o
não-grego, o não-pagão (cf. Rm 2, 9-10); é o homem piedoso e crente que,
fortalecido pelos seus princípios e na posse de uma moral revelada, julga o
resto do mundo e, julgando, sente-se seguro. Neste sentido, "Judeu" é
cada um de nós. Orígenes dizia até mesmo que, na Igreja, são os bispos,
sacerdotes e diáconos, que são visados por estas palavras do Apóstolo, ou seja,
os guias, os mestres[2].
O próprio Paulo
experimentou esse choque quando, como fariseu, se tornou cristão, e por isso
pode agora falar com tal certeza e mostrar aos crentes o caminho para sair do
farisaísmo. Ele desmascara a estranha e frequente ilusão das pessoas piedosas e
religiosas de se considerarem protegidas da ira de Deus, somente porque têm uma
ideia clara do bem e do mal, conhecem a lei e, ocasionalmente, sabem como
aplicá-la aos outros, enquanto, no que se refere a si mesmos, pensam que o
privilégio de estar do lado de Deus ou, em todo caso, a "bondade" e a
"paciência" de Deus, que conhecem bem, fazem uma exceção para eles.
Vamos imaginar esta
cena. Um pai está corrigindo um de seus filhos por alguma transgressão; um
outro filho, que cometeu a mesma falta, acreditando que iria ganhar a simpatia
do pai e escapar da reprovação, começa a repreender também, em voz alta, o seu
irmão, enquanto o pai esperava algo completamente diferente, ou seja, que
ouvindo-o repreender o irmão e vendo a sua bondade e paciência para com ele,
ele corresse para se jogar a seus pés, confessando que ele também era culpado
da mesma falta e prometendo-lhe se corrigir.
"Ou desprezas as
riquezas da sua bondade, tolerância e longanimidade, desconhecendo que a
bondade de Deus te convida ao arrependimento? Mas, pela tua obstinação e
coração impenitente, vais acumulando ira contra ti, para o dia da cólera e da
revelação do justo juízo de Deus" (Rm 2,4-5).
Acontece como quando um
jurista tem toda a intenção de analisar uma famosa sentença de condenação
emitida no passado e que, de repente, observando melhor, ele percebe que a
sentença também se aplica a ele e ainda está em pleno vigor: subitamente muda o
humor e o coração deixa de ter a certeza de si mesmo. Aqui a palavra de Deus
está engajada em um verdadeiro tour de force; ela deve inverter a
situação de quem a está tratando. Não há escapatória aqui: devemos
"desmoronar" e dizer como Davi: "Eu pequei! (2 Sam 12,13), ou
ocorre um endurecimento adicional do coração e a impenitência é fortalecida. Da
escuta desta palavra de Paulo sai-se convertido ou endurecido.
Mas qual é a acusação
específica que o Apóstolo faz contra os "piedosos"? Que - diz ele -
façam "as mesmas coisas" que julgam nos outros. Em que sentido
"as mesmas coisas"? No sentido de materialmente as mesmas
coisas? Isto também (cf. Rm 2,21-24); mas sobretudo as mesmas coisas, em termos
de substância, que é a impiedade e a idolatria. O Apóstolo sublinha-o melhor no
decurso do resto da sua Carta, quando denuncia a pretensão de se salvar pelas
próprias obras e de se tornar assim os credores e de Deus o devedor. Se
tu, chega a dizer, observares a lei e fizeres todo tipo de obras boas, mas para
afirmar a tua justiça, te colocas no lugar de Deus. Paulo só repete com outras
palavras o que Jesus, no Evangelho, tentou dizer com a parábola do fariseu e do
publicano no templo e de inúmeras outras maneiras.
Aplicamos tudo isso para
nós cristãos, dado que, como dissemos, o adversário de Paulo não é tanto os
hebreus como povo, mas o homem religioso no geral e no caso específico os assim
chamados "judeus-cristãos". Há uma idolatria oculta que mina o homem
religioso. Se a idolatria é "adorar a obra das próprias mãos" (cf. Is
2, 8; Os 14, 4), se idolatria é "colocar a criatura no lugar do
Criador", eu sou idólatra quando coloco a criatura - a minha
criatura, a obra das minhas mãos - no lugar do Criador. A minha criatura
pode ser a casa ou a igreja que construo, a família que crio, o filho que dei à
luz (quantas mães, até mesmo cristãs, sem perceber, fazem do seu filho,
especialmente se filho único, o seu deus!); pode ser o instituto religioso que
eu fundei, o cargo que eu ocupo, o trabalho que eu faço, a escola que eu
dirijo, para mim que vos falo, o livro que escrevi precisamente sobre a Carta
aos Romanos.
No fundo de toda
idolatria está a autolatria, o culto a si próprio, o amor próprio, o colocar-se
no centro e no primeiro lugar no universo, sacrificando a ele todo o resto.
Basta que aprendamos a nos escutar enquanto falamos para descobrir como se
chama o nosso ídolo, porque, como diz Jesus, "a boca fala do que o coração
está cheio" (Mt 12, 34). Nos daremos conta de quantas das nossas frases
começam com a palavra "eu".
O resultado é sempre a
impiedade, o não glorificar a Deus, mas sempre e só a si mesmo, o fazer servir
também o bem, também o serviço que prestamos a Deus - até Deus! - ao seu
próprio sucesso e afirmação pessoal. Muitas árvores altas têm o talo, uma raiz
central que desce perpendicularmente debaixo do caule e torna a planta firme e
inabalável. Até que não se coloque o machado naquela raiz, pode-se cortar todas
as raízes laterais, mas a árvore não cai. Aquele lugar é muito estreito, não há
lugar para dois: ou há o meu eu, ou há Cristo.
Talvez, voltando a mim
próprio, estou pronto, neste momento, para reconhecer a verdade, ou seja, que
até agora tenho vivido "para mim mesmo", que eu também estou
envolvido no mistério da impiedade. O Espírito Santo "convenceu-me do
pecado". Começa para mim o milagre sempre novo da conversão. Se o pecado,
como nos explicou Agostinho, consistiu num voltar-se a si mesmo, a conversão
mais radical consiste em "endireitar-nos" e voltar-nos a Deus. Não
podemos fazê-lo no decurso de um sermão ou de uma Quaresma; mas podemos, pelo
menos, tomar a decisão séria de o fazer, e isso já é, de alguma forma, para
Deus, como se o tivéssemos feito.
Se eu me coloco do lado
de Deus, contra o meu "eu", serei seu aliado; serão dois, então,
combatendo contra o mesmo inimigo e a vitória está assegurada. O nosso eu, como
um peixe arrancado de sua água, ainda pode mover-se e debater-se por um pouco,
mas está destinado a morrer. Mas não é uma morte, mas um nascimento. "Quem
quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas quem perder a sua vida por minha
causa, encontrá-la-á" (Mt 16, 25). Na medida em que o homem velho morre,
"o novo homem nasce em nós, criado segundo Deus em justiça e verdadeira
santidade" (Ef 4:24). O homem ou a mulher que todos nós secretamente
queremos ser. Que Deus nos ajude a realizar sempre de novo o verdadeiro
empreendimento da vida que é a nossa conversão.
Frei Cantalamessa
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Tradução Thácio Siqueira
Vatican News
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