Morreu no final da tarde desta quinta-feira (4)
o padre José de Souza Pinto, conhecido como Padre Pinto. De acordo com
informações da Arquidiocese de Salvador, o religioso, de 72 anos, estava
internado desde quarta-feira (3) no Hospital Jorge Valente, na Avenida
Garibaldi. Ele havia sofrido um Acidente Vascular Cerebral (AVC) em novembro do
ano passado.
Nos últimos anos, o religioso, que foi pivô de
diversas polêmicas envolvendo, especialmente, o candomblé, vivia na
Casa de Retiro Sagrada Família, vizinha à Paróquia de São Caetano da Divina
Providência, no bairro de São Caetano, com outros padres da congregação
vocacionista.
Padre Pinto foi o responsável por revitalizar a Festa
de Reis da Paróquia da Lapinha, onde atuou por muitos anos. Artista plástico e
bailarino por formação, ele passou a lotar as ruas do bairro com a celebração
e, especialmente, na Festa de Reis.
Muitas vezes, no entanto, isso provocou reações
dentro da própria igreja. Em 2006, quando decidiu exacerbar o caráter
sincrético da cultura religiosa da Bahia e levou para dentro da igreja rituais
do candomblé, acabou sendo acusado de heresia. Numa das missas da Festa de
Reis se vestiu de Oxum, orixá das águas doces.
A situação, que provocou sua remoção da Paróquia
da Lapinha após mais de duas décadas, ocorreu após um grupo de fiéis pedir
sua saída da Lapinha. “Eu não quero sair daqui. Eu quero morrer aqui, no
altar”, disse, respondendo a uma carta dos fiéis incomodados.
A situação também envolveu o então Arcebispo de
Salvador e Primaz do Brasil, Dom Geraldo Majella Agnelo, que reprovou a atitude
de Padre Pinto. O pároco chegou a dizer que tinha autorização dos superiores
para as performances envolvendo a religião de matriz africana, mas foi
desmentido.
Conversão
Artista plástico, ex-aluno de balé do Teatro
Municipal do Rio de Janeiro, o Padre Pinto atraiu a curiosidade nacional, em
2006, pelas performances diferentes que realizava durante as celebrações. Ele
já entrou em roda de capoeira, se vestiu de Oxum - orixá das águas doces no
Candomblé - na tradicional festa dos Reis Magos, fez ritual indígena dentro da
igreja, deu selinho em Caetano Veloso, posou para ensaios, foi a boate gay em
Salvador, bebeu tudo o que tinha direito e bombardeou, em diversas entrevistas,
a instituição da qual é representante há mais de 30 anos, inclusive se
posicionando contra o celibato. Esse passado agitado, entretanto, parece
mesmo ter ficado para trás.
Sem os olhos delineados de lápis preto, sem o
costumeiro tom róseo na boca, sem pulseiras, anéis e as gargalhadas, a vida do
vice-pároco da Igreja de São Caetano passou a ser como a de qualquer outro
membro da Congregação das Divinas Vocações: com muita discrição e reserva.
"O trabalho que tinha para fazer na Lapinha, eu fiz. Muita gente de lá
ainda vem acompanhar as minhas missas, tem o carinho e o respeito por
mim", disse o padre em uma entrevista.
Padre Pinto passou os últimos anos da vida sem
chamar a atenção, para alguém, cuja a principal referência era a vibração e
encenação vistas na Lapinha, com uma postura, no mínimo, excessivamente tímida.
O padre Gabriel Vila Verde, disse que nenhum
sacerdote seria capaz de fazer tais coisas em sã consciência e que, por mais
pecador que o padre seja, ninguém quer se expor ao ridículo. “Após o surto, o padre Pinto foi acompanhado por psiquiatras, e
acolhido na paróquia de São Caetano, onde viveu uma vida reservada, de oração e
silêncio. Quando assistia os vídeos da época, chorava e se lamentava, mostrando
que não estava no seu estado normal”, disse o sacerdote que chegou a encontrar
o padre Pinto em algumas ocasiões.
O vizinho do portão
No entorno da Paróquia, praticamente, ninguém
sabia que ali vivia o Padre Pinto. Os comerciantes, que eventualmente lembram
do religioso, dizem que quase nunca o viam circulando pelas ruas da comunidade.
Das festas memoráveis nas noites da Lapinha
também não se tinha mais relatos. Na maior comemoração da Paróquia, no dia sete
de agosto, dia de São Caetano, a quermesse que costuma mobilizar o local Padre
Pinto participava apenas dando suporte no que é necessário.
O próprio Padre admitiu que o trabalho
desenvolvido ultimamente tinha outro viés. "Aqui faço uma coisa mais
interna mesmo. Tenho me dedicado muito às leituras e a celebração das
missas", disse. Além de São Caetano, Padre Pinto também revezava com
outros padres o comando de cultos na capela Nossa Senhora da Conceição, na Boa
Vista.
"Das vezes que eu o vi à frente das missas,
foi tudo tranquilo. Ele leu o evangelho, foi muito compreensivo com o tema,
explicou e pronto", conta um voluntária da Capela da Conceição. A
voluntária disse ainda que nas poucas conversas travadas com o vigário, não
notou nada de diferente ou que fugisse as convenções.
Fiéis lotaram a igreja para se despedir
do padre
A missa de corpo presente foi presidida pelo
bispo auxiliar Dom Marco Eugênio Galrão, que destacou a morte como uma passagem
para a vida eterna.
A prima e madrinha de padre Pinto assistiu à
missa e contou que desde a adolescência ele demonstrava interesse pela
religião. Ele começou a rezar o terço durante as novenas na casa dos vizinhos,
influenciado pela mãe, que também era religiosa.
“Ele era uma pessoa maravilhosa. Sempre foi
muito generoso, culto e gostava de ajudar as pessoas. Uma vez meu sobrinho
perguntou por que ele quis ser padre e ele respondeu e disse que nasceu para
isso”, afirmou a mulher, uma senhora idosa que, com um terço nas mãos, pediu
para não ser identificada.
Ela contou que esteve com padre Pinto no dia 23
de março, data do aniversário dele, e que o religioso estava bem. “Ele estava
alegre, como sempre. Conversamos bastante e ele parecia realmente estar bem”.
Segundo ela, o padre sofreu uma queda essa
semana e a pancada na cabeça provocou uma hemorragia que o levou a óbito. Pinto
era filho único de uma dona de casa e um funcionário da Petrobrás, e não tinha
outros parentes próximos.
A Arquidiocese de Salvador informou, em nota,
que o padre vinha apresentando um quadro de saúde fragilizado, devido à
situação cardiológica, hipertensa, e pelo quadro de transtorno bipolar. Ele
teve um Acidente Vascular Cerebral (AVC) em novembro do ano passado. A
igreja disse também que ele manteve sempre um acompanhamento regular seja do
quadro clínico, seja do quadro psiquiátrico.
“Porém, com o passar dos anos o seu quadro de
saúde foi se debilitando e oscilando entre períodos de estabilidades e momentos
de alterações, mais precisamente no último ano, este quadro de oscilação se
apresentou com mais frequência, sempre com devido acompanhamento. Na última
semana a situação se agravou bastante e depois de ser internado na quarta feira
veio a óbito na tarde de ontem (4)”.
Cemitério ficou pequeno para a despedida
A celebração desta sexta não tinha as cores que
o padre Pinto tanto adorava nem fugiu ao tradicionalismo que ele tentava
colorir, mas quem o conhecia garantiu que ele ficaria feliz. “Ele era um homem
muito generoso. Tenho certeza de que está feliz”, contou a dona de casa Alcinda
Souza, 55 anos.
O corpo deixou a igreja por volta das 15h, e
seguiu para o sepultamento no Cemitério da Ordem Terceira de São Francisco, na
Baixa de Quintas. Foram necessários dois ônibus para levar os fiéis até o
local.
A capela do cemitério ficou pequena para a
quantidade de público, e muitas pessoas assistiram ao final das homenagens do
lado de fora. O caixão foi retirado do carro da funerária sob aplausos e levado
para o interior da capela onde cânticos e orações encerraram as homenagens para
o padre. Eram tantos fiéis que foi preciso organizar uma fila. O corpo foi
sepultado por volta das 16h30, sob aplausos.
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Correio 24h
Com informações: iBahia
Padre Pinto foi um grande sacerdote. Soube transitar com maestria entre o sagrado e o profano, entre o candomblé e o catolicismo. Cumpriu suma missão!
ResponderExcluirSaravá, Padre Pinto!