Meus irmãos (…), nosso século clama:
“tolerância, tolerância”. Tem-se como certo que um padre deve ser tolerante,
que a religião deve ser tolerante. Meus irmãos, não há nada que valha mais que
a franqueza, e eu aqui estou para vos dizer, sem disfarce, que no mundo inteiro
só existe uma sociedade que possui a verdade e que esta sociedade deve ser
necessariamente intolerante. Mas antes de entrar no mérito, distinguindo as
coisas, convenhamos sobre o sentido das palavras para bem nos entendermos.
Assim não nos confundiremos.
A tolerância pode ser civil ou teológica. A
primeira não nos diz respeito, e não darei senão uma pequena palavra sobre ela:
se a lei tolerante quer dizer que a sociedade permite todas as religiões
porque, a seus olhos, elas são todas igualmente boas ou porque as autoridades
se consideram incompetentes para tomar partido neste assunto, tal lei é ímpia e
ateia. Ela exprime não a tolerância civil como a seguir indicaremos, mas a
tolerância dogmática que, por uma neutralidade criminosa, justifica nos
indivíduos a mais absoluta indiferença religiosa. Ao contrário, se,
reconhecendo que uma só religião é boa, a lei suporta e permite que as demais
possam exercer-se por amor à tranquilidade pública, esta lei poderá ser sábia e
necessária se assim o pedirem as circunstâncias, como outros observaram antes
de mim (…).
Deixo porém este campo cheio de dificuldades,
e volto-me para a questão propriamente religiosa e teológica, em que exponho
estes dois princípios: primeiro, a religião que vem do céu é verdade, e é
intolerante com relação às doutrinas errôneas; segundo, a religião que vem do
céu é caridade, e é cheia de tolerância quanto às pessoas.
Roguemos a Nossa Senhora vir em nossa ajuda e
invocar para nós o Espírito de verdade e de caridade: Spiritum veritatis et
pacis. Ave Maria.
Faz parte da essência de toda a verdade não
tolerar o princípio que a contradiz. A afirmação de uma coisa exclui a negação
dessa mesma coisa, assim como a luz exclui as trevas. Onde nada é certo, onde
nada é definido, podem-se partilhar os sentimentos, podem variar as opiniões.
Compreendo e peço a liberdade de opinião nas coisas duvidosas: in dubiis,
libertas. Mas, logo que a verdade se apresenta com as características certas
que a distinguem, por isso mesmo que é verdade, ela é positiva, ela é
necessária, e por conseguinte ela é una e intolerante: in necessariis, unitas.
Condenar a verdade à tolerância é condená-la ao suicídio. A afirmação se
aniquila se duvida de si mesma, e ela duvida de si mesma se admite com
indiferença que se ponha a seu lado a sua própria negação. Para a verdade, a intolerância
é o instinto de conservação, é o exercício legítimo do direito de propriedade.
Quando se possui alguma coisa, é preciso defendê-la, sob pena de logo se ver
despojado dela.
Assim, meus irmãos, pela própria necessidade
das coisas, a intolerância está em toda a parte, porque em toda parte existe o
bem e o mal, o verdadeiro e o falso, a ordem e a desordem. Que há de mais
intolerante do que esta proposição: 2 mais 2 fazem 4? Se vierdes dizer-me que 2
mais 2 fazem 3 ou fazem 5, eu vos respondo que 2 mais 2 fazem 4…
Nada é tão exclusivo quanto a unidade. Ora,
ouvi a palavra de São Paulo: “Unus Dominus, una fides, unum baptisma”. Há, no
céu, um só Senhor: unus Dominus. Esse Deus, cuja unidade é seu grande atributo,
deu à terra um só símbolo, uma só doutrina, uma só fé: una fides. E esta fé,
esta doutrina, Ele confiou-as a uma só sociedade visível, uma só Igreja cujos
filhos são, todos, marcados com o mesmo selo e regenerados pela mesma graça:
unum baptisma. Assim, a unidade divina que esplende por todos os séculos na
glória de Deus produziu-se sobre a terra pela unidade do dogma evangélico cujo
depósito foi confiado por Nosso Senhor Jesus Cristo à unidade hierárquica do
sacerdócio: um Deus, uma fé, uma Igreja: unus Dominus, una fides, unum baptisma.
Um pastor inglês teve a coragem de escrever um
livro sobre a tolerância de Jesus Cristo, e certo filósofo de Genebra disse,
falando do Salvador dos homens: “Não vejo que meu divino Mestre tenha formulado
sutilezas sobre o dogma”. Bem verdadeiro, meus irmãos. Jesus Cristo não
formulou sutilezas sobre o dogma, mas trouxe aos homens a verdade e disse: se
alguém não for batizado na água e no Espírito Santo, se alguém se recusa a
comer a minha carne e a beber o meu sangue, não terá parte em meu reino. Confesso
que nisso não há sutilezas; há intolerância, há exclusão, a mais positiva, a
mais franca. E mais: Jesus Cristo enviou seus Apóstolos para pregar a todas as
nações, isto é, derrubar todas as religiões existentes para estabelecer em toda
a terra a única religião cristã e substituir todas as crenças dos diferentes
povos pela unidade do dogma católico. E, prevendo os movimentos e as divisões
que esta doutrina iria incitar sobre a terra, Ele não se deteve e declarou que
tinha vindo para trazer não a paz, mas a espada, e para acender a guerra não
somente entre os povos, mas no seio de uma mesma família e separar, pelo menos
quanto às convicções, a esposa fiel do esposo incrédulo, o genro cristão do
sogro idólatra. A afirmação é verdadeira e o filósofo tem razão: Jesus Cristo
não formulou sutilezas sobre o dogma (…).
Falam da tolerância dos primeiros séculos, da
tolerância dos Apóstolos. Mas isso não é assim, meus irmãos. Ao contrário, o
estabelecimento da religião cristã foi, por excelência, uma obra de intolerância
religiosa. No momento da pregação dos apóstolos, quase todo o universo
praticava essa tolerância dogmática tão louvada. Como todas as religiões eram
igualmente falsas e igualmente desarrazoadas, elas não se guerreavam; como
todos os deuses valiam a mesma coisa uns para os outros, eram todos demônios,
não eram exclusivos, eles se toleravam uns aos outros: Satã não está dividido
contra si mesmo. O Império Romano, multiplicando suas conquistas, multiplicava
seus deuses, e o estudo de sua mitologia se complica na mesma proporção que o
da sua geografia. O triunfador que subia ao Capitólio fazia marchar diante dele
os deuses conquistados com mais orgulho ainda do que arrastava atrás de si os
reis vencidos. O mais das vezes, em virtude de um Senatus-Consulto, os ídolos
dos bárbaros se confundiam desde então com o domínio da pátria, e o Olimpo
nacional crescia como o Império.
Quando aparece o Cristianismo (prestem atenção
a isso, meus irmãos, são dados históricos de valor com relação ao assunto presente),
quando o Cristianismo surge pela primeira vez, não foi repelido imediatamente.
O paganismo perguntou-se se, em vez de combater a nova religião, não devia
dar-lhe acesso ao seu solo. A Judéia tinha-se tornado uma província romana.
Roma, acostumada a receber e conciliar todas as religiões, recebeu a princípio,
sem maiores dificuldades, o culto saído da Judéia. Um imperador colocou Jesus
Cristo, como a Abraão, entre as divindades de seu oratório, assim como se viu
mais tarde outro César propor prestar-lhe homenagens solenes. Mas a palavra do
profeta não tardou a se verificar: as multidões de ídolos que viam, de
ordinário sem ciúmes, deuses novos e estrangeiros ser colocados ao lado deles,
com a chegada do deus dos cristãos, lançam um grito de terror, e, sacudindo sua
tranquila poeira, abalam-se sobre seus altares ameaçados: ecce Dominus
ascendit, et commovebuntur simulacra a facie ejus (Is 19,1). Roma estava atenta
a esse espetáculo. E logo, quando se percebeu que esse Deus novo era
irreconciliável inimigo dos outros deuses; quando se viu que os cristãos, cujo
culto se havia admitido, não queriam admitir o culto da nação; em uma palavra,
quando se constatou o espírito intolerante da fé cristã, foi então que começou
a perseguição.